José Raposo lança uma tempestade sobre Cascais
José Raposo está careca. O ator andava "há que tempos" com vontade de ser careca e quando o encenador Carlos Avilez o desafiou a ser Próspero em A Tempestade, de Shakespeare, nem hesitou: "E se eu fizesse isto tudo rapado? O Avilez adorou a ideia. Há essa imagem do Próspero com barbas e muito cabelo mas aqui faz sentido ser assim porque esta é uma Tempestade diferente, contemporânea, onde cabe este tipo de propostas."
"É tudo passado hoje", confirma o encenador. "A peça é bastante atual. Esta ilha é uma metáfora, não há nenhuma tempestade, está tudo dentro de nós próprios, na nossa imaginação, a tempestade somos nós. O barco vai inteiro na mesma, no final." E porque é tudo uma alegoria não é preciso haver espadas mesmo quando o texto diz que há uma espada na mão. Nem é preciso as personagens deitarem-se no chão a dormir mesmo quando são essas as palavras ditas. Esse é o poder da imaginação. Os adereços são reduzidos ao mínimo essencial. Os figurinos são apenas indicativos. No palco vazio, uma figura pintada no chão branco evoca o Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci. Desenho pisado constantemente pelos pés descalços de todos os atores.
E são muitos os atores neste espetáculo do Teatro Experimental de Cascais (TEC) que estreia amanhã. Tratando-se do exercício final dos alunos da Escola Profissional de Cascais, além de José Raposo, no papel principal, e de quatro atores do TEC - Luiz Rizo, Renato Pino, Sérgio Silva e Teresa Côrte-Real - esta Tempestade conta com a participação dos mais de 35 alunos finalistas da escola.
O elenco muda todos os dias. "Temos oito Mirandas, quatro Fernandos e quatro Calibans", explica Carlos Avilez. E tem um grupo enorme de figurantes - marinheiros em luta contra a tempestade num barco prestes a afundar-se num dos momentos mais bonitos e onde se nota claramente porque é que Carlos Avilez convidou a coreógrafa Olga Roriz para a criação. "Quando entra esta gente toda é uma verdadeira tempestade", comenta José Raposo. "Eles dão uma forma enorme ao espetáculo."
Esta é a segunda vez que Raposo entra no universo de Shakespeare, mas em 2011, quando fez Macbeth com Mónica Calle, fê-lo através de Heiner Müller. O ator percebe a estranheza que o público possa sentir ao vê-lo ali: "Conotam-me com determinados géneros e é natural porque as pessoas habituam-me a ver nesses registos, na comédia ou na telenovela, mas o que eu sou é ator. E um ator deve fazer de tudo. Representar é uma capacidade que os atores têm. Eu sinto-me bem a fazer coisas diferentes."
Última peça escrita por Shakespeare, de que se assinalam este ano os 400 anos da morte, A Tempestade é uma história de vingança e de amor. A ação passa-se numa ilha habitada por Próspero, duque de Milão, e sua filha, Miranda, que foram para ali levados à força, num ato de traição política. Também lá estão Caliban, um escravo, selvagem, e Ariel, o espírito, ambos aos serviço de Próspero que, com os seus poderes mágicos, consegue provocar uma tempestade e fazer naufragar o barco onde viajavam os seus inimigos com o intuito de se vingar e também de encontrar um amor para a sua filha.
"Os textos de Shakespeare pertencem a um universo que ultrapassa a simples literatura, têm poesia, filosofia, política, tem tudo. Para nós, atores, é uma dádiva", afirma José Raposo. Carlos Avilez afastou-se, conscientemente, da leitura colonialista, e prefere ver aqui a luta do homem, de cada um dos homens, para encontrar o sentido da sua vida. E no monólogo final não tem dúvidas de que é Shakespeare que ali está: "Essa foi a minha opção."
A Tempestade
Teatro Experimental de Cascais
Teatro Mirita Casimiro, Monte do Estoril
de 1 de julho a 4 de agosto
10 euro