Reza a lenda que Pedro Almodóvar esteve para fazer O Segredo de Brokeback Mountain e não foi possível. Mas como o cineasta estrela do cinema espanhol nunca abandona as ideias eis que agora aí está o seu western gay e em versão curta. Aliás, esta é a segunda curta-metragem que depois será concluída com uma terceira e formará uma longa. Após A Voz Humana, o peso do seu nome consegue que este formato chegue aos cinemas internacionais e, mais uma vez, seguido de uma entrevista para a sessão não ser tão relâmpago..Depois da receção eufórica em Cannes, estreou-se ontem nas salas esta história de destinos trocados sobre dois vaqueiros na América do faroeste que nunca assumiram o seu amor. Passadas algumas décadas encontram-se naquilo que parece ser um duelo romântico. À parte da relação explícita com as roupas Saint Laurent e colaboração criativa com o diretor criativo da marca, Anthony Vaccarello (o cartaz informa mesmo que é a label de cinema Saint Laurent quem "apresenta" o filme), há uma conexão imediata com um sentimento português: a presença do fado Estranha Forma de Vida, imortalizado por Amália e aqui interpretado por Caetano Veloso. Uma presença que encerra em si o sentido filosofal do dilema dos dois cowboys apaixonados. Depois, claro, a questão da presença de José Condessa, o jovem ator português do momento que interpreta a personagem de Pedro Pascal enquanto jovem.."Não fui eu quem chegou ao Pedro Almodóvar, foram eles que chegaram a mim através de um casting que passou através de vários países - sei que queriam ver também atores da América Latina. No começo eu e o meu agente nem sabíamos bem o que era: havia mesmo secretismo, apenas nos deram as luzes que era um western parecido com O Poder do Cão, de Jane Campion. Depois da segunda self-tape [gravação feita pelo próprio ator], a oportunidade caiu-me mesmo do céu. Depois, foi só trabalhar muito para a agarrar. Para mim, foi especial: sou um grande admirador do Pedro e senti que aprendi mesmo neste plateau, isto para além dos clichés. Antes de mais, ele tem uma forma de trabalhar diferente. É um realizador com o seu tempo e que trabalha de forma especial com os seus atores. Enfim, há realmente tempo para os atores: para errar, para discutir a cena, para experimentar, fazer diferente e ouvir. Não é normal esse cuidado, é muito bonito sentir isso", conta ao DN Condessa, que refere ter sentido uma ligação especial com o cineasta. Almodóvar ter-lhe-à confessado que viu o primeiro episódio de Rabo de Peixe, a série de Augusto Fraga que o catapultou para um reconhecimento global. Para o ator formado no Teatro Experimental de Cascais, outra coisa que nunca vai esquecer é o pudim feito pelo próprio Almodóvar na festa final da rodagem, pelos vistos um amuleto de reconhecimento em todas as suas filmagens. Isso e a experiência de ver o filme em Cannes ao lado de Ethan Hawke e Almodóvar: "aquela subida das escadas vermelhas em Cannes foi como se estivesse em cena na estreia de um espetáculo, aquilo é como um palco. Experiência surreal e foi incrível o Pedro ter querido estar com todos os atores na apresentação. Foi quase como um sonho, nunca pensei que a emoção fosse tão grande! Só no fim é que tive tempo para parar e perceber o que aconteceu... Enfim, como se estivesse a viver o momento mas não estivesse logo a apreendê-lo"..Numa altura em que parece que tudo lhe está a acontecer: para além do falatório em redor de Rabo de Peixe, agora do Globo de Ouro da SIC para a sua interpretação na série de Leonel Vieira O Crime do Padre Amaro, prepara-se para em 2024 voltar ao protagonismo de Rabo de Peixe. Mas não é isso que o vai levar a confessar estar meio atordoado: "Estou na mesma, o truque é manter a mesma rotina. Tenho os pés na terra e aos fins de semana costumo recolher-me no Alentejo, mas consigo perceber todo o impacto que Rabo de Peixe trouxe, sobretudo por ser algo transversal: nas ruas vêm-me falar crianças e velhos. No outro dia, num jogo de futebol do Atlético, um senhor de 80 anos abordou-me! E estive agora no Brasil e foi igual"..Para além de ser um "chico Almodóvar", este contacto com o universo Saint Laurent, fê-lo também estar perto da marca de Vaccarello da qual é agora um dos embaixadores em vários eventos internacionais. Um "Saint Laurent garçon" que se dá bem com decotes masculinos conforme fez questão de vincar nos Globos de Ouro. "No filme a minha personagem foi feita com cuidados de ter uma cor dominante, neste caso aqueles beges com um toque de vermelho no laço. Todas as personagens têm essa evolução cromática. O xerife, por exemplo, tem uma dominância mais acinzentada. Mas como em tudo no Pedro há um cuidado grande com os pormenores. Antes da rodagem fui duas vezes ter com a equipa Saint Laurent para tirar medidas. Toda a roupa foi feita à medida e com uma qualidade suprema nos tecidos - por isso fica tão belo, apesar de ser de época tem um toque moderno. Fascina-me poder construir uma personagem a partir da cor e de se está mais apertado ou menos apertado um detalhe na roupa. Claro que é um luxo, mas explica alguma coisa sobre a personagem. O Anthony e o Pedro trabalharam muito em conjunto e adorei ver essa dinâmica entre ambos. O Pedro é fã de Saint Laurent e muitas vezes pedia uma versão das roupas para ele. É um homem vaidoso e assume isso. Isto de eu estar ligado à Saint Laurent é uma oportunidade incrível", salienta..Enquanto não arranca a segunda temporada de Rabo de Peixe, Condessa estará sempre disponível ao público na próxima novela da TVI, Cacau, ao lado de Alexandra Lencastre e Paulo Pires e nos pavilhões alentejanos onde joga futsal pelo Nisa. Será que os cineastas portugueses acham que o rapaz é inacessível?