Jorge Coelho (1954-2021). O omnipresente

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A morte de Jorge Coelho, aos 66 anos, causou consternação nos vários quadrantes políticos e empresariais nos últimos dois dias, desde a sua partida. O primeiro-ministro, que vinha de Vila Real quando soube, mandou o carro imediatamente para o Largo de Rato, onde proferiu uma declaração de improviso. "Poucos foram aqueles que exprimiram tão bem a alma dos socialistas", elogiou. António Guterres, hoje secretário-geral da ONU e, com ele, do PS, afirmou mesmo "não conseguir acreditar". Para António Mota, que o convidou para a Mota-Engil oito anos após abandonar a governação, era como um irmão. Entre os repórteres seus contemporâneos, as histórias tendem igualmente à saudade: "Mesmo que não amigo, era amável."

Este obituário poderia ter-se intitulado "O homem de quem toda a gente gostava" ou "O unificador", pelo seu papel de conhecimento do partido no terreno e nos governos de que fez parte. "Sabia de tudo, mas não dizia mal de ninguém", relatam. "O kingmaker" talvez fosse apropriado, pois exerceu esse poder interno mais do que uma vez, mas a expressão peca por falta de republicanismo, "que é o que todos somos", como me corrigiu, com um pesaroso sorriso, João Soares. Ao telefone, o histórico socialista lembra-se bem da primeira vez que se cruzaram, era Coelho chefe de gabinete de Murteira Nabo num governo do bloco central, numa viagem a São Tomé. "Tinha uma enorme capacidade de trabalho e era uma grande companhia", recorda. De relação cimentada e amizade estabelecida, João Soares descreve-o no louvor em uníssono dos seus camaradas: "Era um homem de uma grande simpatia pessoal e cultivava amizades com adversários políticos, sem nunca deixar de defender as suas convicções." E não há alma política que não subscreva o facto.

Das suas virtudes elenca aquela que Guterres mais valorizava: "Era o único que não trazia problemas, mas soluções." Pessoalmente, Soares caracteriza-o como "um pragmático, com princípios". "Pode ter ficado com a fama do 'quem se mete com o PS leva', mas era difícil ele ter má relação com alguém", nota. Do seu percurso enquanto governante, destaca a sua abnegação aquando da tragédia de Entre-os-Rios, que o fez demitir-se. "Foi um sinal de carácter", enaltece João Soares. "Hoje, as pessoas ficam muito presas aos lugares, mas revelou um desprendimento que, para muitos, significaria uma perda de influência. Com ele, foi o contrário", remata.

José Sócrates, ex-primeiro-ministro e ex-secretário-geral do PS, não esquece o papel de Jorge Coelho como cérebro da campanha que pôs termo "à noite longa do PS na oposição" ao cavaquismo, em 1995, e guarda de Coelho, de quem foi contemporâneo durante toda a sua vida política, uma memória: os congressos. "Era um orador impressionante. Conseguia, como ninguém, interpretar o sentimento popular e convertê-lo em retórica política", lembra, confessando-se "chocado" e "comovido" com a morte do amigo.

José Pacheco Pereira, que com Coelho conviveu no programa Quadratura do Círculo, tinha-lhe amizade ao ponto de lhe atribuir "o momento mais difícil" da sua carreira como comentador, quando criticou a sua ida da política para o setor das construtoras. "Ele compreendeu-o e até nos aproximou", conta o historiador, considerando que "algumas críticas que foram feitas a Jorge Coelho sobre a relação entre a política e as empresas tinham, sem dúvida, que ver com a sua origem social". "Repare que o mesmo tipo de ataques não foi feito a quem vinha da classe social 'certa'", atira, com as aspas bem claras. Em conclusão, Pacheco Pereira eleva um pormenor. "De todos nós, foi sempre o que esteve mais próximo dos pobres, pelas suas origens e experiência de vida. Era sensível à pobreza e à doença porque passou mesmo por elas. Enquanto a nossa empatia poderia ser teórica ou intelectual, a dele era real. Ele sentia-a. E há uma diferença nisso".

Jorge Coelho, membro da maoista CCRML nos tempos do Técnico, fundador do PCP-R e militante da UDP, convertido ao socialismo moderado por testemunhar, sentado com a mulher no jardim da Gulbenkian, o assalto à embaixada espanhola em 1975, faleceu nesta quarta-feira, fisicamente na Figueira da Foz mas de coração, necessariamente, na sua terra: Mangualde.

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