Os alarmes dispararam de novo nas frentes do Donbass. Desde o início deste mês, Kiev denunciou em tons dramáticos o súbito reforço do dispositivo militar russo junto às fronteiras leste da Ucrânia e na Crimeia..Responsáveis militares ucranianos garantiam desde o final de março que 20 mil militares russos tinham sido transferidos para as imediações da fronteira ucraniana. A ameaça de um conflito militar entre a Ucrânia e a Rússia parece iminente..Os alertas de Kiev desencadearam de imediato um coro de reações nas capitais do Ocidente. A chanceler alemã Angela Merkel contactou o russo Vladimir Putin e "apelou à retirada desses reforços de tropas de modo a conseguir um desanuviamento da situação"..o americano Joe Biden ligou ao presidente ucraniano Volodimir Zelenski para lhe garantir o "apoio inabalável" de Washington à "soberania e integridade territorial" da Ucrânia face à "agressão russa em marcha no Donbass e na Crimeia". Antony Blinken, secretário de Estado americano, anunciou o envio de dois vasos de guerra americanos para as águas do Mar Negro..O presidente turco Recep Tayyip Erdogan juntou-se enfim ao coro na sexta-feira, dizendo a Zelenski em Istambul que a Turquia estava pronta a apoiar a Ucrânia. Os dois países têm um acordo de defesa - a Turquia forneceu recentemente drones a Kiev -, e Ancara é parte interessada no conflito, sobretudo à luz das ambições turcas no mar Negro..Com a situação nas frentes do Donbass a degradar-se rapidamente, as duas partes apontam o dedo uma à outra, trocam ameaças e acusam-se de provocações. Líderes de Donetsk e Luhansk protestam que a Ucrânia estaria igualmente a reforçar o seu dispositivo militar junto ao Donbass e que tinha concentrado junto à linha da frente mais de 90 mil militares e importantes meios bélicos..A situação vem culminar uma escalada de tensão nas frentes do Donbass nos últimos tempos. Desde o início do ano os incidentes armados multiplicam-se e as duas partes acusam-se mutuamente de violações do cessar-fogo em vigor. Assiste-se ao mesmo tempo ao reacender de uma intensa batalha de propagandas Kiev e Moscovo..O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, reagiu às críticas ocidentais às manobras das tropas russas protestando que a Rússia tem todo o direito de "movimentar as suas forças armadas dentro do seu território" e que esses movimentos "não representam qualquer ameaça"..Moscovo aponta ao mesmo tempo que a concentração de tropas russas nas proximidades da fronteira ucraniana responde a "perigosas provocações" das forças de Kiev e responsáveis russos repetem reiteradamente que o país está pronto a defender a população russa do leste da Ucrânia..O ministério dos Estrangeiros aponta por outro lado o risco de uma guerra civil e uma ação militar em larga escala na Ucrânia "ameaçarem a própria segurança da Federação russa"..Moscovo invoca ainda a ameaça de um ataque ucraniano às minorias russas do país assumir a dimensão de um genocídio e no Kremlin agita-se mesmo o fantasma de Srebrenica caso a Ucrânia recuperasse pela força o controlo do Donbass..Serguei Lavrov, o ministro russo dos Estrangeiros, vai mesmo mais longe e alertou em tom grave que qualquer tentativa de iniciar um novo conflito militar na região do Donbass poderia "destruir" a Ucrânia..Eleito em 2019 com a promessa de restabelecer a paz na Ucrânia, Volodimir Zelenski retomou os contactos com Moscovo e iniciou um processo de negociações sobre a questão do Donbass. Foi mesmo estabelecido um canal de comunicação direto entre as duas Administrações, mas as conversações cairiam rapidamente num impasse. Moscovo fez algumas cedências, mas insiste na plena implementação dos acordos de Minsk, de 2014, uma tentativa de pôr fim à guerra e iniciar um diálogo político no leste da Ucrânia - e que implicam na prática um reconhecimento implícito das autoridades de Donetsk e Luhansk. Semelhante concessão a Moscovo arriscaria uma forte reação da oposição nacionalista ucraniana e seria muito impopular..Face às graves dificuldades económicas do país e a incapacidade das autoridades de garantir uma vacinação em massa contra o covid- 19, a popularidade de Zelenski caiu em flecha nas sondagens. A três anos de novas eleições, o presidente ucraniano vê-se à mercê das manobras e pressões dos seus adversários - já se fala em eleições antecipadas e agitam-se cenários de coligações governamentais..Zelenski vira-se então para o Ocidente, ao mesmo tempo que assumia gestos de manifesta hostilidade em relação a Moscovo. Em fevereiro fechou vários media pró-russos, aplicou sanções ao conhecido oligarca Viktor Medvedchuk, apontado como um amigo pessoal de Putin. Kiev endurecia entretanto a sua atitude nas negociações sobre o Donbass, sublinhando que está a conduzir negociações com a Rússia, não com as repúblicas separatistas..O líder ucraniano anunciou por enfim uma nova estratégia de segurança que confere particular urgência à aspiração de ver a Ucrânia integrada na NATO, e lança a "Crimean platform", espécie de apelo uma cimeira de chefes de governo e de Estado para debater a questão da Crimeia..Zelenski disse a semana passada, na sequência de uma conversa com o secretário geral Jens Stoltenberg sobre as tensões no leste da Ucrânia, que o processo de integração da Ucrânia na NATO é a única maneira de pôr termo à guerra no Donbass. O número um de Kiev repetiu que o seu governo esperava ser convidado este ano para aderir a um NATO Membership Action Plan (MAP), fase de preparação para futura adesão..O Kremlin tenta desvalorizar o dispositivo militar junto à fronteira com a Ucrânia mas avisou logo a 2 de Abril que tomaria "medidas adicionais" se a NATO enviasse tropas para apoiar com seu aliado..O apelo à NATO assume, neste contexto, uma dimensão militar explícita. O reacender das tensões no leste da Ucrânia coincide com os exercícios NATO Defender Europe 2021, um vastíssimo jogo de guerra que envolve 28 mil militares e terá como palco o território de mais de uma dúzia de países, entre eles vizinhos próximos da Ucrânia. Um responsável ucraniano descreveu as manobras da NATO como um ensaio de "guerra com a Rússia" e em que cabia à Ucrânia ter um papel central..A situação é explosiva, mas a verdade é que uma guerra seria um jogada de alto risco para ambas as partes. A Ucrânia poderia ser tentada pelo prémio de um apoio direto da NATO. Um reacender da guerra no Donbass daria porém a Moscovo pretexto para intervir na Ucrânia. E a assistência do Ocidente, envolvendo potencialmente o risco de um confronto entre a Rússia e a NATO, está longe de garantida, observam vários analistas..Para a Rússia as vantagens são igualmente ambíguas. As sondagens mostram que a opinião pública russa está cansada de aventuras na política externa e dificilmente apoiaria uma expedição militar na Ucrânia - isto, na véspera das eleições legislativas marcadas para Setembro..Moscovo arriscava-se ainda a agravar ainda mais as tensões com o Ocidente, a justificar novas sanções contra a Rússia, e em particular a aumentar ainda a resistência à construção do gasoduto Nord Stream II, de crucial importância para Moscovo e fortemente contestado pelos Estados Unidos..Segundo vários analistas os movimentos militares russos teriam sobretudo o objetivo de mostrar a Kiev e Washington que a Rússia está preparada para responder com a força a qualquer tentativa militar de alterar o statu quo no Donbass. A ostentação com que as tropas estão a ser movimentadas confirma que se trata "mais de uma exibição de músculos do que a preparação de um blitzkrieg" - observa Maxim Samorukov, da Carnegie Moscow. Ao mesmo tempo, o Kremlin procuraria pressionar a Ucrânia a fazer concessões e regressar aos acordos de Minsk, contando eventualmente com a pressão europeia, e mais precisamente de Angela Merkel e Emmanuel Macron, nota Konstantin Eggert, da Deutsche Welle..Nesta perspetiva, as ameaças militares junto à fronteira leste da Ucrânia poderiam afinal limitar-se a um jogo teatral e jogos envolvendo, além da questão do Donbass, a cena política doméstica ucraniana e a tensão global entre a Rússia e o Ocidente..Face à tensão militar no leste da Ucrânia, não se poderá excluir a hipótese de um incidente local, de um disparo precipitado, desencadear um confronto militar em larga escala.