Jogo da Santa Casa no Natal será para apoiar vítimas dos fogos

Novo provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Edmundo Martinho, quer dar outra intensidade às prioridades da instituição
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Há uma ideia forte a marcar este início de mandato. A receita dos jogos da Santa Casa, na semana do Natal, entre 4 e 6 milhões de euros, será inteiramente colocada num fundo de apoio às vítimas dos incêndios. Com a hashtag #recomeçar será lançada uma forte campanha e o provedor escreveu aos líderes das grandes empresas portuguesas pedindo-lhes para aderirem a este fundo.

O anterior Provedor saiu para ser candidato à liderança do PPD/PSD. O senhor é um homem com um percurso político feito à esquerda. O bloco central funcionou bem quando estavam os dois na Santa Casa?

Eu não diria que foi o bloco central que funcionou, penso é que conseguimos, de forma muito civilizada e além de civilizada muito coerente, encontrar pontos comuns relativamente à vida da Santa Casa. Não se tratava aqui de bloco central, até porque a Santa Casa não se rege por impulsos que tenham que ver com aquilo que podem ser posições ideológicas mais à direita ou mais à esquerda. Naturalmente que há diferenças de perspetiva, de personalidade, mas nada disso teve que ver com a questão do bloco central, o que posso dizer é que foram uns meses, no meu caso cerca de 18 meses, de um convívio muito franco, muito leal e que penso que acabou por contribuir para alguma estabilidade da Santa Casa e para que as coisas corressem bem no final.

Já tinha trabalhado com Pedro Santana Lopes?

Nunca. Aliás, posso dizer que antes de aceitar o convite que me foi feito, o que pedi foi para falar com ele antes de decidir, e foi isso que fiz. Tivemos uma conversa - não o conhecia pessoalmente, conhecia-o obviamente como figura pública que é e que era já na altura -, conversámos e percebi que havia condições para nos podermos entender em termos de trabalho e em relação àquilo que eram os aspetos prioritários, mas não o conhecia de todo.

Descontando esta pequena provocação do bloco central, ainda assim, havendo uma mudança na liderança que inclui também uma mudança de perfil político, quer seja do ponto de vista da área de proveniência quer seja do modo de estar na política, isso pode de algum modo implicar uma alteração nas prioridades da Santa Casa?

Implicar uma alteração nas prioridades diria que não, o que posso é talvez entender que a intensidade relativamente às prioridades pode sofrer alguma alteração. Com isto quero dizer que a Santa Casa tem vindo a afirmar-se e beneficiou imenso daquilo que era a imagem pública reconhecida e da notoriedade pública do Dr. Santana Lopes, e isso traduziu-se também num reforço significativo da imagem que está patente hoje na cidade de Lisboa e no país; e está patente em volta de um conjunto de prioridades que foram sendo postas em prática, nalgumas das quais eu tive também oportunidade de participar nos processos de decisão e de discussão.

Portanto, essas prioridades mantêm-se, o que eu digo é que naquilo que me diz respeito tenho talvez um entendimento distinto sobre a intensidade que essas prioridades devem assumir na Santa Casa. Para ser mais preciso: entendo que a primeira prioridade da Santa Casa deve ser cuidar do seu património, não no sentido do edificado, mas daquilo que é o património de relevo da Santa Casa e que tem que ver com a qualidade dos serviços que presta, com a proximidade dos cidadãos, com aquilo que é a sua história e a qualidade da sua história em termos dos serviços prestados à população da cidade. Essa tem de ser a nossa grande prioridade, ou seja, a preservação e desenvolvimento deste património, na área da saúde, na área da ação social, naquilo que é o apoio àqueles que mais precisam. É neste sentido que eu falo de intensidade e, naquilo que me diz respeito, tudo farei para que esta seja a área em que a maior intensidade do nosso esforço deva ver-se refletida.

Já nos poupou uma pergunta, porque quereria saber quais são as prioridades no seu mandato na Santa Casa. Mencionou a área da saúde em que neste momento se discute muito a dicotomia que existe entre público e privado, uma área em que historicamente, apesar de tudo, a Santa Casa desempenha um papel que é fundamental. Gostaria que a área da economia social tivesse uma intervenção maior neste setor para ajudar a produzir o equilíbrio necessário?

Eu não iria tão longe, ou seja, eu sou, como provavelmente saberá - e aí entramos nas questões das tais diferenças políticas neste sentido amplo -, um defensor da resposta e da responsabilidade pública em matéria de saúde, o que não significa que não seja compatível com a existência de soluções privadas; e que além da coexistência, que não seja compatível com uma complementaridade bem definida, bem assente, entre aquilo que é setor público e setor privado. O setor social tem aqui uma palavra a dizer e tem tido uma tradição muito grande, sobretudo naquilo que são serviços de proximidade. Não creio que o setor social tenha condições para poder ser uma resposta qualificada em termos nacionais para aquilo que são situações e soluções no domínio da saúde que exigem uma complexidade tecnológica muito grande e que, além disso, exigem meios e recursos muito significativos para se poder avançar.

Agora, no domínio das soluções de proximidade, nos cuidados de saúde primários, nos cuidados continuados, aí sim, o setor social pode e deve ter uma palavra muito importante a dizer. É um pouco isso que a Santa Casa procura fazer, ou seja, é aprofundar esta sua relação com os serviços de maior proximidade - estamos a falar dos cuidados de saúde primários e, fundamentalmente, dos cuidados continuados -, e fazer uma coisa, no caso da Santa Casa, que tem que ver com aquela questão do património, de que lhe falava, que é continuar a desenvolver o facto de ser uma referência em dois domínios centrais da área da saúde, como é o caso da reabilitação e da ortopedia. Aí, a Santa Casa tem, de facto, de continuar a investir para se afirmar essa referência desenvolvendo-a e tornando-a cada vez mais sólida.

Em relação à pergunta, a questão da economia social no setor da saúde, vejo-a com muito bons olhos, aliás penso que a Santa Casa tem vindo a fazer esse percurso e deve continuar a fazê-lo, mas mais naquilo que são as soluções de proximidade.

Não tanto como alternativa ao serviço público?

De todo, de todo.

Mas ao ter por trás uma instituição como a Santa Casa, com a capacidade que ela tem nos seus vários níveis, não só por experiência, mas também por capacidade financeira, não seria muito importante para o país ter uma oferta de preços sociais ao nível da saúde que a Santa Casa, melhor do que qualquer outra entidade, pudesse representar?

Sem dúvida, mas isso tem que ver com este conceito geral da capacidade de acesso a cuidados de saúde qualificados, ou seja, mais do que o prestador que é responsável por essa prestação, o que é importante acautelar é que ninguém fica de fora de cuidados de saúde qualificados por razões de natureza financeira.

E aí já pode entrar a Santa Casa?

Pode entrar e deve entrar. Agora, dificilmente as entidades do setor social, e mesmo a própria Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, têm condições para se afirmarem como uma alternativa ao Serviço Nacional de Saúde ou àquilo que tem vindo a ser o desenvolvimento das respostas privadas em Portugal. São lógicas diferentes e, do meu ponto de vista, não é o caminho certo para que o sector social se envolva da forma que sugere. Sim, em relação às soluções de proximidade, cada vez maiores, cada vez mais qualificadas; sim, no desenvolvimento de respostas concretas nalguns domínios. Eu falava há pouco da reabilitação e, se repararem, no Porto, no norte, nós temos um centro de reabilitação que é gerido pela Santa Casa da Misericórdia do Porto. Portanto, há aí uma presença fortíssima das entidades da economia social, mas é uma presença em zonas que estão muito delimitadas e que correspondem a uma tradição de cuidados e de intervenção, e que correspondem a um património de qualidade dessa intervenção que deve ser preservado e desenvolvido, mas sempre numa forte componente de complementaridade ao sistema público.

[citacao:Em janeiro, a falta de médicos de Alcoitão tem de estar resolvida]

Está a dar-nos o exemplo da reabilitação. O Centro de Alcoitão é visto pela generalidade dos portugueses como estando na vanguarda deste tipo de tratamentos de reabilitação. As notícias dos últimos dias são, no entanto, algo preocupantes em relação ao Alcoitão: a notícia de que das 134 camas existentes, o Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão fechou 32 por falta de médicos. É esta uma situação temporária? Vão contratar mais médicos para manter o Centro na sua capacidade máxima?

Excelente questão e ainda bem que falamos sobre esse assunto, porque ainda há pouco, antes de vir para cá, estive a tratar dessa matéria. Ou seja, essa é hoje uma prioridade de primeiro plano com carácter imediato - há pouco falávamos das prioridades, o que tem a ver com a tal questão do património do trabalho da Santa Casa, que são prioridades de natureza mais a médio e longo prazo, aqui é uma prioridade imediata -, que é a de reabilitar a capacidade integral do Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão. Já tive, na semana passada, uma reunião com os representantes dos sindicatos dos médicos e temos marcada já mais uma reunião para a próxima segunda-feira, queremos desbloquear uma situação que está bloqueada há tempo demais para resolver alguns dos aspetos que se prendem com a carreira médica na Santa Casa da Misericórdia, porque não faz nenhum sentido que a Santa Casa tenha esta notoriedade, esta qualidade reconhecida no domínio da reabilitação e que, ao mesmo tempo, tenha essa capacidade diminuída por dificuldade em recrutamento. Temos de ser capazes de superar isso e eu não gostava de me comprometer com uma data, mas não pode passar do mês de janeiro termos este problema resolvido.

Mas por onde é que passa essa dificuldade? O que nos está a dizer é que estas 32 camas foram encerradas porque há uma questão laboral para resolver?

Não, não. Há uma questão que tem que ver com as carreiras médicas na Santa Casa, com um conjunto de aspetos que estamos inclusive a discutir com o próprio Ministério da Saúde, que tem a ver com o acesso aos diferentes graus da carreira, porque a Santa Casa tem um estatuto diferente daquele que é o do Serviço Nacional de Saúde e isso tem levado a que alguns médicos tenham optado por soluções de outro tipo no que diz respeito às suas carreiras profissionais. Temos tido imensa dificuldade em contratar médicos, dificuldade que não é apenas exclusiva da Santa Casa.

Não é um problema financeiro?

Não é um problema financeiro, nem pode ser. É por isso que eu há pouco falava na questão da prioridade. A prioridade da Santa Casa e da alocação dos recursos de que dispõe tem de ser a de manter, preservar e desenvolver este seu património que está associado nomeadamente às questões de reabilitação; temos de ser capazes de desenvolver bem o Centro de Alcoitão, temos de ser capazes - é outro projeto que temos - de replicar este modelo noutros pontos da cidade, porque nos parece que é possível. Não necessariamente o modelo de internamento, mas o modelo de reabilitação que recupere aquilo que são as melhores práticas do Alcoitão e que tenha a validação do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão.

Temos de ser capazes de desenvolver esta área. É neste sentido que eu falo da manutenção e desenvolvimento do património da Santa Casa.

É uma questão política a necessitar de uma equiparação de carreiras, é disso que estamos a falar?

Mas não é só política. É política também e, como digo, estamos neste momento em conversações com o Ministério da Saúde para resolver este assunto - e tem havido toda a abertura para o resolver -, da equiparação, nomeadamente, ao grau de consultor, que é uma questão que muito preocupa os médicos e não apenas os nossos, mas os médicos que trabalham de uma forma geral no sistema de saúde. É uma questão de, também do nosso lado, sermos capazes de ir ao encontro daquilo que são algumas reivindicações dos médicos percebendo, obviamente, que a Santa Casa tem limitações também na forma como pode resolver isso, mas na certeza de que o que importa aqui acautelar em primeiro lugar é a capacidade de prestar serviços de qualidade e, sobretudo, não me parece que seja razoável a manutenção de uma situação deste tipo.

Disse uma coisa, numa das suas respostas, que tinha a ver com duplicar, multiplicar, as valências do Centro de Alcoitão, não as centrando só aí, como é que isso poderia ser feito, com a criação de pequenos centros dentro de hospitais públicos, por exemplo?

Por exemplo. As hipóteses são muitas, o importante a preservar aqui, na minha leitura, é dizer que nós, Santa Casa, se temos um modelo que comprovadamente funciona, se temos um modelo que comprovadamente é reconhecido clinicamente, pelos doentes, pelas famílias, pelos pares, nacional e internacionalmente, temos obrigação de o tornar tão próximo quanto possível de mais pessoas. Nós sabemos que a cidade de Lisboa, por exemplo, tem défice de cuidados de reabilitação e que nós estamos em condições, com calma, de forma pensada, de a proporcionar a mais doentes na cidade de Lisboa. Devemos fazê-lo e, no meu entender, deve ser um objetivo que temos de colocar para o nosso trabalho.

[citacao:Receitas da Santa Casa no Natal para lançar um fundo de apoio às vítimas dos incêndios]

A principal área de atuação da Santa Casa da Misericórdia é a área social. A Santa Casa tem a sua atividade, nesta área, organizada mas, infelizmente, há, de tempos a tempos, necessidades ocasionais de apoio às populações. No caso concreto que marcou estes últimos meses, o apoio às vítimas dos incêndios do verão passado, em que é que consistiu essa ajuda por parte da Santa Casa?

A Santa Casa fez duas coisas relativamente aos incêndios, sobretudo aqueles que afetaram os concelhos de Pedrógão, Figueiró e Pampilhosa. Uma foi disponibilizar um conjunto de meios de natureza imediata, pois era preciso acautelar a proteção básica de algumas circunstâncias; outra foi participar diretamente e financiar diretamente a recuperação de um conjunto de habitações. Já foi feito, está feito, as casas estão recuperadas, reabilitadas. Isto foi feito de forma relativamente discreta, mas foi este o apoio que demos. Além disso, tivemos uma colaboração com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e com o Ministério da Justiça, e da Agricultura, já agora, no sentido de nós disponibilizarmos viaturas que permitiram que os técnicos desses Ministérios se deslocassem junto das pessoas nas aldeias mais perdidas onde eventualmente não havia comunicações, onde havia até dificuldade de meios de transporte. Essas viaturas foram ter com essas pessoas para regularizar um conjunto de situações ao nível dos apoios públicos, ao nível até da documentação pessoal que tinha sido perdida. Virámo-nos para esse lado.

Temos, no entanto, em cima da mesa, uma proposta em que estamos a trabalhar para arrancar este mês de dezembro. O que vamos fazer tem uma dimensão muito, muito maior do que aquilo que já fizemos. Ou seja, a Santa Casa decidiu lançar uma iniciativa que gira em torno deste grande conceito que é Recomeçar, porque há aqui um recomeço da vida das pessoas, na sua vida pessoal, na sua vida familiar, na sua vida profissional, há um recomeço de muitas coisas que é preciso, de alguma forma, fazer voltar ao início - ao início nunca volta -, mas no fundo do que se trata é de recomeçar. Portanto, em volta deste conceito do recomeçar vamos incentivar todas as entidades que conseguirmos, e vamos fazer um grande esforço para isso, a contribuírem para um grande fundo que permita apoiar as populações destes concelhos afetados.

Qual é o nosso contributo inicial? Para além deste que tem que ver com estimularmos outros a aderirem, é dizer que todas as receitas da Santa Casa, as receitas que correspondem à Santa Casa, nos Jogos Sociais do Estado na semana que antecede o Natal serão integralmente canalizadas para este fundo.

Ou seja, naquela semana de 17 a 23?

Sim, na semana que antecede o Natal, um momento de particular intensidade para as pessoas que perderam as suas casas, nalguns casos que perderam familiares, pareceu-nos um momento oportuno para dizer que nós estamos todos solidários com aquelas pessoas e que estamos disponíveis para encontrar recursos, para além daqueles que possam ser encontrados por outras vias, que estamos disponíveis para encontrar esses recursos.

A Santa Casa no jogo fica com 27%, tudo o resto...

27% depois de pagos os prémios, claro. São 27% de 26%, digamos.

Tem noção de qual é essa quantia na semana do Natal?

Numa semana normal, digamos assim, estamos a falar de um valor que andará entre os quatro e os seis milhões de euros.

Mas esta não é uma semana normal...

Pode não ser. E porquê? Porque o que nós queremos é dizer às pessoas que joguem, porque jogando podem ter um prémio, mas como isso estão também a reforçar este movimento de apoio aos nossos concidadãos que estão a passar por estas dificuldades. Aquilo que queremos é dizer que do nosso lado há aqui o abdicar de uma parte substancial dos nossos recursos, o que nos obrigará seguramente a fazer alguma adaptação orçamental, mas isso é o que menos importa. Queremos que com isto as pessoas possam aderir, se o entenderem obviamente, e chamar para este esforço outras entidades.

Qual é a expectativa do que pode gerar em termos financeiros este esforço? Conseguimos perceber o que poderá ser por parte da Santa Casa, mas existe alguma expectativa de quanto poderá gerar o fundo?

Não, nem queria ter uma expectativa muito elevada. Faremos tudo, e estamos a preparar-nos para fazer uma campanha com muita intensidade. Estamos a preparar-nos para estimular as grandes empresas do país, eu vou escrever, esta semana, uma carta pessoal a todos os CEO e presidentes das maiores empresas do país dizendo: "Ouçam, usem este hashtag #recomeçar, se lhe quisermos chamar assim, façam as vossas campanhas se o entenderem, sabendo que tudo o que pudermos canalizar para um fundo desta natureza será sempre em benefício destas populações dos concelhos que foram afetados de forma devastadora este verão e outono em Portugal".

Como é que vai ser gerida depois essa verba, em que é que ela vai ser aplicada concretamente, será por ação direta da Santa Casa, não será?

Esse é um dos aspetos que dependerá da forma como esta adesão se proporcionar, ou seja, o modelo que temos pensado é um modelo de um fundo privado, como era o REVITA, por exemplo, que existiu até há pouco tempo. Um fundo com uma gestão muito participada, seja dos municípios, seja das próprias instâncias públicas. Não é um fundo da Santa Casa, ou seja, a Santa Casa dá este impulso, dá naturalmente aquilo que é o seu contributo, procuraremos que este fundo seja gerido com toda a transparência e de forma muito participada, como digo. Temos inclusive pensado na possibilidade de haver aqui, eventualmente, um acompanhamento da gestão do fundo, não na gestão direta, mas por exemplo de representantes das próprias vítimas. Não está pensado um modelo definitivo, mas de uma coisa temos a certeza: queremos um fundo que tenha uma gestão completamente aberta e escrutinada, e que tenha uma gestão muito participada por entidades que obviamente garantam a todos os que entenderem participar que a utilização do fundo é uma utilização criteriosa e sem ponta de mácula.

Em que é que o fundo pode ser utilizado? Temos de ver, porque há outros recursos públicos que estão a ser canalizados, o próprio Orçamento do Estado prevê verbas para apoiar estes concelhos. Aquilo que queríamos é que fosse alguma coisa que tivesse de facto impacto na vida das famílias, seja ao nível do equipamento das suas casas, seja ao nível do apoio às crianças que estão a estudar, como já foi feito no passado, enfim, há qui variadíssimas possibilidades. O que não queremos é deixar passar este período do Natal, porque é um período em que as pessoas sentem mais a casa que perderam, sentem mais o familiar que perderam, sentem mais a distância para uma vida vivida afetuosamente, portanto não queremos deixar este período do Natal sem dar o nosso sinal de que estamos presentes num momento tão dramático da vida destas pessoas como é o caso das famílias que foram afetadas pelos incêndios.

[citacao:Jogo online está atrasado, mas deve arrancar em fevereiro]

Vai correr bem, com certeza, o povo português tem-se mostrado bastante solidário, esperemos que essa campanha corra bem. Mas estamos a falar de jogo e importa igualmente perceber quando é que o consórcio de que faz parte a Santa Casa vai entrar no jogo online, sabemos que o vai fazer apenas nas apostas desportivas e não nos jogos de casino. Porque é que não entram na parte que está provado que é mais lucrativa do ponto de vista do jogo online?

Nós estamos a preparar tudo para podermos arrancar e disponibilizar a oferta de jogo online durante o primeiro trimestre de 2018, ou seja, lá para fevereiro.

Já há aqui um atraso, havia uma expectativa de conseguirem arrancar mais cedo.

Havia. Havia uma expectativa de arrancarmos um pouco mais cedo, mas estas questões são muito delicadas do ponto de vista da negociação contratual com os próprios fornecedores tecnológicos. Nós não temos tecnologia disponível em Portugal para isso e, portanto, é um processo que temos procurado fazer com os pés bem assentes na terra, mais do que assegurar acelerações excessivas relativamente a isto. Queremos entrar à séria neste mercado e entrar à séria significa isso. Não está decidido que não entraremos nos chamados jogos de fortuna e azar, está decidido sim que não entraremos no início, vamos começar por aquilo que é o universo das apostas desportivas, é aí que estamos a concentrar a nossa atenção e concentraremos os nossos esforços, os nossos recursos na primeira fase de lançamento.

A questão dos jogos de fortuna e azar colocar-se-á mais adiante, à medida que for evoluindo a empresa e que formos percebendo de que forma é que se está a comportar. Agora, a questão dos jogos de fortuna e azar não pode ser vista apenas na perspetiva de ser menos arriscado para o operador, porque coloca-se também do ponto de vista de perceber a capacidade aditiva dos diferentes jogos e de que forma é que nós também temos responsabilidades neste domínio. Isso é preciso estudar, analisar.

Há também o perfil da Santa Casa que obriga a uma maior exigência, ao contrário dos concorrentes, nessa questão social de procurar ter menos esse perigo de as pessoas se tornarem viciadas no jogo?

Eu diria que sim, sem a menor dúvida, não só da Santa Casa como dos restantes acionistas da sociedade. Eu recordo que nós temos como acionistas a Caritas Portuguesa, temos a União das Misericórdias, temos a Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal, temos a Fundação Montepio, portanto, os acionistas todos partilham e comungam desse conjunto de preocupações. É preciso, é importante e não tem nenhum problema disponibilizar este tipo de jogo, agora é preciso que o façamos de forma diferenciada, e isso tem de ser colocando sempre em primeiro lugar - como fazemos aliás com os Jogos Sociais do Estado - a segurança das famílias, aquilo que é a segurança e a percentagem do seu orçamento que é dedicado ao jogo e temos sempre muita atenção a isto. Não vale tudo, nem pode valer tudo e essa é para nós uma máxima que aplicaremos e adotaremos em quaisquer circunstâncias.

Falou na entrada nos jogos online no primeiro trimestre, quanto aos jogos de fortuna e azar admite que seja ainda no próximo ano?

Diria que não, será difícil que seja já no próximo ano. Como lhe digo, isto não é para nós uma corrida atrás do dinheiro. Entendemos é que - e foi por isso que a Santa Casa decidiu entrar neste processo e candidatar-se constituindo com outras entidades uma sociedade anónima, porque é isso que a lei determina - é um setor da sociedade e do jogo onde a presença de uma empresa com estas características e com este tipo de preocupação faz sentido que exista. Portanto, não sendo uma corrida queremos entrar com muita cautela, queremos entrar com todo, todo o cuidado relativamente à forma como se aborda a questão do jogo, nos bónus, em tudo aquilo que são incentivos ao jogo; temos de o fazer, mas pelas boas razões, diria. Essa questão dos jogos de fortuna e azar tem de ser levada em linha de conta, mas deve ser levada de forma muito ponderada, muito pensada. Vamos pedir a licença, porque isso é uma questão que resulta do próprio estatuto da sociedade, mas diria que menos que um ano após o lançamento me parece prematuro.

Que influência é que, do ponto de vista das receitas, a entrada nos jogos online vai ter no orçamento da Santa Casa, tem uma estimativa sobre isso?

Temos, mas tem pouco relevo no orçamento da Santa Casa. Para os outros nossos parceiros pode ser importante que as receitas que resultem do jogo online os ajudem a fazer melhor aquilo que têm para fazer, nós sabemos as dificuldades com que as organizações se confrontam de uma forma geral. No universo daquilo que é o orçamento do jogo da Santa Casa, naturalmente que se esta operação online tiver sucesso acrescenta capacidade porque acrescenta recursos, mas não é isso que fará a diferença. O que faz a diferença em relação à nossa entrada é fundamentalmente esta necessidade de dizer assim: o setor social também deve estar presente neste campo para demonstrar que é possível estar de uma forma adequada, cumprindo a lei como todos os operadores cumprem, obviamente, e estamos todos irmanados nesse ponto de vista, mas eventualmente indo mais além.

Vou dar um exemplo que não tem a ver com o online, mas tem a ver com os Jogos Sociais do Estado. Nós temos um serviço, que pagamos, que é gratuito para os apostadores, que é de aconselhamento relativamente ao jogo excessivo; as pessoas telefonam, de forma anónima ou não, é uma opção delas, conversam por telefone ou presencialmente se o entenderem, se acharem que estão a ultrapassar aquilo que são limites que colocaram a si próprios, para além da opção de se poderem autoexcluir do jogo temos este serviço de apoio.

As solicitações a esse serviço têm aumentado?

Não, não são muito grandes felizmente para nós, é um bom sinal, mas as pessoas que recorrem a esse serviço manifestam, em todas as circunstâncias, um grande alívio por poderem ter tido um apoio quando precisaram dele. Só dou este exemplo porque ele é demonstrativo da forma como entendemos que o jogo deve ser gerido em Portugal por uma entidade como a Santa Casa. Não temos nada contra a operação online das empresas que estão no mercado, obviamente, oxalá que tenham sucesso e que tudo corra bem, o que queremos dizer é que eventualmente temos aqui uma atitude que pode ser diferenciada e diferenciadora, sem que isso ponha em causa a legitimidade e a lisura de processos de todos os operadores. Não é disso que estamos a falar, o que estou a dizer é que nós temos condições para podermos ir um pouco mais além e é essa a razão de ser porque estamos no mercado, é dizer que há aqui um lugar também para a economia social.

O jogo online não tem de ser um jogo associado apenas a esta dimensão exclusiva do lucro, mas pode ser um tipo de atividade que gerando recursos permite que se façam coisas muito boas cá fora, desde logo pelas entidades que compõem o capital desta sociedade e também pela via da própria Santa Casa, obviamente.

[citacao:Entrada da Santa Casa no Montepio deve ser decidida no início do ano]

A Santa Casa negoceia, a pedido do Governo aliás, uma entrada no capital social do Montepio Geral. Cumpre dessa forma também uma função para a qual estava destinada, no seguimento daquilo que nos estava a dizer sobre as várias funções que a Santa Casa deve cumprir?

Eu diria que sim. Primeiro deixem-me fazer uma precisão: não é a pedido do Governo, vamos lá a ver se nos entendemos sobre isto. Naturalmente que tem havido do lado do Governo uma atitude de simpatia em relação a essa possibilidade, como tem havido, aliás, do lado do regulador.

Este "a pedido do Governo" foi uma informação dada pelo anterior Provedor quando falou pela primeira vez no assunto.

Aquilo que eu sei é que de facto o Governo vê com bons olhos e com simpatia a possibilidade de se reforçar esta área da economia social também no domínio financeiro. É nessa perspetiva que a Santa Casa se tem colocado.

Agora, como é que isto se inscreve naquilo que falávamos sobre a Santa Casa? Essa foi uma questão conversada muito longamente com o Dr. Pedro Santana Lopes, porque obviamente é uma questão relevantíssima para a Santa Casa e para o setor da economia social. Esta questão coloca-se porque o entendimento que fazemos é que a Santa Casa tem um papel a desempenhar no domínio da economia social e esse papel pode ser desempenhado de variadíssimas formas, seja na produção de serviços, como falámos antes, na disponibilização de um conjunto de apoios, de suportes às pessoas na área da saúde, na área da ação social, seja na reabilitação do património edificado da cidade, do património da Santa Casa, seja na disponibilização de equipamentos culturais de relevo à cidade, enfim, nesses domínios todos.

Mas tem também um outro domínio que é o que tem que ver com a própria sustentabilidade da Santa Casa enquanto entidade capaz de continuar a responder neste sentido e é nessa linha que entendemos que a entrada estratégica no capital de uma entidade bancária, como é o caso da Caixa Económica Montepio Geral, pode servir estes fins de garantia de sustentabilidade da Santa Casa. Estamos a falar de sustentabilidade a médio e longo prazo, esta não é uma operação financeira de comprar hoje para vender amanhã para obter mais-valias, não é disso que se trata, trata-se de uma aposta estratégica neste grande setor da economia social, onde a Santa Casa quer ter uma palavra a dizer, não apenas nas instâncias que regulam o setor, mas também naquilo que são instrumentos essenciais para o exercício capaz e cabal daquilo que é a natureza das entidades do setor social, e um desses instrumentos é naturalmente o instrumento de financiamento.

Financiamento ao qual muitas vezes há dificuldade em chegar. Quando é que pode finalmente acontecer e quais são as linhas vermelhas para que a Santa Casa possa dar o passo em frente?

Quando é que pode acontecer, não sei dizer. Eu gostava que isto estivesse arrumado no próximo mês, mês e meio. Não sei se conseguiremos até ao final do ano, mas seguramente no início de 2018 gostava que isto estivesse arrumado, no sentido da entrada ou não entrada. Que passos é que falta dar? Está a ser feito um processo de avaliação feito desta participação, que não pode ser vista apenas naquilo que é o valor nominal correspondente às ações, porque tem este valor estratégico da entrada e de reforço da economia social no setor financeiro, uma coisa que do nosso ponto de vista representa um objetivo importante, mas tem outra característica: esta entrada de capital, sendo muito minoritária, tem a contrapartida de a Santa Casa ter uma palavra a dizer e um papel a desempenhar na governance do grupo financeiro da Caixa Económica.

Portanto, é isso que é preciso apreciar e que está a ser avaliado, que está a ser muito ponderado com o apoio, obviamente, de entidades financeiras independentes que nos ajudam a perceber esses passos que faltam e a dizer qual é o valor justo que este conjunto de características representa numa operação desta natureza. É isto que falta, linhas vermelhas não temos.

Estamos a falar de uma participação de cerca de 10%, isso não se alterou?

Cerca de 10% como máximo, isso não se alterou. Mas são 10% que, de acordo com aquilo que temos vindo a conversar, permitirão que a Santa Casa tenha de facto uma palavra a dizer, o que não é comum. Ou seja, uma participação de 10%, a não ser numa entidade financeira que tenha o capital muito pulverizado, dificilmente daria direito a uma participação plena na governance do banco.

Admite que esta entrada no capital da Caixa Económica Montepio Geral vá permitir também ao Montepio recentrar a sua atividade naquilo que é a visão que os portugueses têm da Caixa Económica e do Montepio, não tanto como um banco, mas como uma caixa mutualista?

Eu diria que essa é uma das razões centrais do nosso interesse, ou seja, termos a possibilidade de internamente poder influenciar para que o Montepio se mantenha nesse caminho de banco mutualista, de banco ao serviço das pessoas, ao serviço das instituições do setor social e, com isso, do desenvolvimento das respostas sociais de que o país precisa.

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