João Duque: "Sanções a Moscovo prejudicam o povo, não os decisores"

Economista vê pressão nos preços da energia e rutura de stocks em toda a Europa. Mas pode trazer mais alemães ao Algarve.
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A invasão russa à Ucrânia já está ter efeitos brutais nos mercados. O que É apenas o início?
Sim, tudo depende de como a situação vai escalar e prolongar-se, mas as bolsas estão a cair como não se via há muito tempo (Milão caiu 4,10%, Frankfurt 3,96%, Paris 3,83%, Londres 3,82% e Madrid 2,86%). Os investimentos em criptomoeda também estão em queda e uma vez mais o ouro é o refúgio - atingiu ontem máximos de 15 meses, acima dos 1900 euros a onça. A subir estão também as commodities todas e o petróleo chegou a ultrapassar os 100 dólares, ainda que depois tenha corrigido ligeiramente. A Rússia desenvolveu uma vacina própria em meses, de raiz, e isso mostrou a Putin que não precisa de ninguém, além do que lhe deu uma confiança brutal na ciência e tecnologia russa - incluindo o que podem fazer com ciberataques.

Mas é de esperar que a instabilidade nos mercados se agrave?
Neste momento não é previsível, aliás a imprevisibilidade é enorme, é a maior questão, mesmo porque provoca tensões enormes nos consumidores e nos investidores. De repente fica tudo assustado, não se realizam encontros, atrasa-se negócios... Não só ninguém sabe se Putin vai parar por ali como a contaminação desta instabilidade chega a toda a Europa de Leste. A Europa tem muito mais perda do que os Estados Unidos porque as grandes empresas europeias estavam a apostar muito nos mercados do Leste, que estavam em franca expansão - e agora vão travar. Isto deprime muito o crescimento e o consumo. E vai ter efeitos nos stocks: os mercados do Leste vão sofrer interrupções de fornecimento, muitas coisas não vão chegar às prateleiras. E isso pode bem refletir-se aqui, que com os preços a disparar quer mesmo com falta de alguns produtos.

Portugal pode ser afetado?
Pode, sobretudo sofrer indiretamente. As principais exportações de Portugal para a Rússia são cortiça e madeiras, máquinas e produtos metalúrgicos. Haverá empresas que vão sofrer (Amorim e a BLB - Indústrias Metalúrgicas estão entre as principais exportadoras), sobretudo se o bloqueio das transações SWIFT avançar (ver ao lado) porque deixam de receber, mas o volume não é significativo. Na energia vamos sofrer sobretudo o efeito da escalada de preços, quer por via direta quer porque, se ficarem sem o gás russo, países como a Alemanha e outros à exceção da Península Ibérica, vão ter de recorrer aos mercados onde Portugal e Espanha se abastecem maioritariamente (Argélia e da Nigéria), e esse será outro fator de pressão sobre os preços para nos abastecermos. Mas há um efeito de que podemos vir a beneficiar: a fuga de turistas de toda a Europa para o Algarve. Ninguém vai querer ir para destinos mais perto da Rússia e isso vai resultar num boom de turistas deste lado. Sobretudo os alemães, que já são grandes clientes do Algarve. Assumindo, claro, que a situação se prolonga, porque neste momento tudo é uma incógnita.

E as sanções europeias são suficientes para desincentivar a ação militar russa?
As sanções europeias beliscam a Rússia, mas o retrocesso que pode sentir-se em Moscovo é a longo prazo. Para já, os efeitos das sanções europeias e americanas e mesmo da ação militar vão atingir e ter consequências para as pessoas, para o povo, não para os decisores.

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