João Cepeda. Quem é o novo diretor da comunicação do governo de Costa?

Conhecem-se há anos e sempre se deram bem. Agora vão trabalhar juntos. João Cepeda, antigo jornalista do DN e responsável pela instalação em Lisboa da marca Time Out, assume agora, junto de António Costa, um cargo novo na orgânica do governo.
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Ainda hoje, passados quase 20 anos, o dirigente do PCP Bernardino Soares - ex-líder parlamentar e ex-presidente da câmara de Loures - carrega às costas as declarações que fez numa entrevista ao DN publicada em 24 de fevereiro de 2003.

Já no final da conversa, o jornalista decidiu fazer-lhe perguntas sobre vários temas internacionais sobre os quais o PCP tinha - e no essencial continua a ter - posições bastante controversas.

E a Coreia do Norte, perguntou-lhe o DN? Bernardino Soares começa por responder que, basicamente, não acredita no que diz a imprensa ocidental: "Tenho muitas reservas em relação à filtragem da informação feita pelas agências internacionais". E o jornalista insiste: "Ao ponto de não poder dizer se o país é democrático?" E o então líder parlamentar do PCP responde com a frase com que ainda hoje é permanentemente confrontado: "Sim. Tenho dúvidas que não seja uma democracia".

O autor da entrevista tinha então 25 anos. João Cepeda assume que esta é a principal medalha que carrega ao peito enquanto ex-jornalista da área de Política Nacional. Por estes dias ficou a saber-se, pelo Expresso, que vai ser diretor de comunicação do atual governo. A nomeação ainda não é oficial mas, na verdade, já iniciou funções. Acompanhou, por exemplo, o primeiro-ministro a Paris, terça-feira.

Nascido no Porto há 44 anos, casado, quatro filhos, Cepeda assegura que "aos oito anos já sonhava ser jornalista". Na família não existiam antecedentes de profissionais do ramo mas "discutia-se muito política". O trajeto normal levá-lo-ia à advocacia, mas nunca levou essa perspetiva a sério: "A advocacia aborrecia-me". A sua primeira referência foi Miguel Sousa Tavares e o jornalismo que se produzia na Grande Reportagem, da RTP.

Perseguir o sonho levou-o a frequentar, em Lisboa, a licenciatura de Comunicação Social, da Universidade Católica. E a ânsia de pôr os pés numa redação era tanta que, estando ainda a meio do curso, pediu para estagiar no Público. O estágio foi-lhe concedido, primeiro no serviço de agenda do jornal e depois na secção de Media.

A seguir, transita para o DN, então dirigido por Mário Bettencourt Resendes (1952-2010). E é-lhe dada então a oportunidade - porque na redação não se apresentaram voluntários - para rumar em reportagem durante três meses até Macau, onde teria como incumbência reportar todo o processo final da transição do território da soberania portuguesa para a chinesa (ato consumado em 20 de dezembro de 1999).

Em Macau, trabalhou também num jornal local. E aí fez de tudo, como nunca antes. "Necrologias, boletins meteorológicos, desporto. Deu-me um calo impressionante, foi uma experiência ótima", conta agora ao DN.

Foi também em Macau que se confrontou pela primeira vez com um brilhante mundo novo. Começou a fotografar com uma máquina digital - por cá nada disto tinha ainda chegado. Cepeda apanha no seu percurso, depois, o aparecimento da internet e ainda se lembra do tempo em que só meia dúzia de computadores na redação tinham ligação à rede. "Ia mais cedo para brincar com aquilo, antes que chegassem os mais velhos." Também começou a usar telemóvel muito cedo, mas ao princípio mantinha-o escondido no bolso, "para não parecer exibicionista".

De regresso a Lisboa, é já um jornalista feito. Uma crise interna no DN no Caso Moderna leva-o a ficar com o acompanhamento do setor da Justiça. E é aí que conhece António Costa, ministro da pasta, com quem várias vezes se cruzaria depois e com quem agora vai diretamente trabalhar.

Depois passa para a secção de Política e realiza-se assim aquele que tinha sido sempre o seu sonho dentro do jornalismo: "Sempre quis "fazer" Política." A experiência inclui jornalismo parlamentar e aqui volta a cruzar-se com Costa, líder da bancada do PS. Até que em 2003 decide mudar de ares, voando para Londres.

O objetivo era voltar a estudar, desta vez Ciência Política. Mas os custos proibitivos dos cursos e a impossibilidade prática de os frequentar mantendo em simultâneo uma carreira profissional, levam-no a arquivar o projeto. Continua a trabalhar para o DN, agora como correspondente na capital londrina, e surge uma nova paixão: a rádio.

"Adorei trabalhar para a TSF, seduziu-me muito. Já me tinham falado nisso e é verdade. Há um bichinho da rádio e eu apanhei o bichinho da rádio." É em Londres, devorador de jornais e de revistas, que se apercebe que o grupo Time Out - uma revista de lazer que se tinha iniciado em Londres e depois espalhado pelo mundo inteiro - pode querer expandir-se e abrir uma edição Time Out Lisboa.

Pela net, aprende como fazer planos de negócios para se apresentar aos gestores do grupo e candidata-se a ficar com o licenciamento da marca em Lisboa. Para parecer tecnicamente mais robusto, do ponto de vista da gestão, faz-se acompanhar de uma amiga que trabalhava na banca. E ganha.

Em Lisboa encontra um sócio financiador, o jornalista Luís Delgado (hoje patrão do grupo Trust In News, cujo principal título é a revista Visão), com quem trabalhara no DN. Volta a Lisboa e em setembro de 2007 sai o 1º número da Time Out Lisboa. O núcleo duro fundador é também recrutado junto de antigos camaradas do DN, casos de João Miguel Tavares e Sónia Morais Santos. Junta-se-lhes também Ricardo Dias Felner, outro ex-jornalista da área de Política (mas no Público), e Ana Garcia Martins, a blogueira conhecida como Pipoca mais doce.

É nesse ano, 2007, que volta a cruzar-se com António Costa, eleito então presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Numa visita à redação, Cepeda partilha com o socialista o sonho de a revista ter um espaço para atividades públicas (lançamentos de livros, show cooking, performances teatrais, musicais, etc.). E Costa informa-o de que vai iniciar um processo de concessão a privados de vários mercados da cidade. A revista acaba por conquistar o espaço, "exagerado para o que queríamos", do mercado da Ribeira. Centrais neste processo são figuras como os arquitetos Aires Mateus e Manuel Reis (1947-2018), que tinha sido, a partir dos anos 80, o grande dinamizador da modernização cosmopolita da noite lisboeta.

O Time Out Market da Ribeira abre em 2010 e logo no ano seguinte o FMI entra em Portugal, mas isso não impede que, aos poucos, o espaço se afirme como de sucesso, sobretudo a partir de 2014. E em Londres, sede do grupo, alguém repara. Cepeda é então encarregue de replicar pelo mundo a experiência do mercado da Ribeira (já funciona em seis cidades: Miami, Chicago, Nova Iorque, Boston, Montreal e no Dubai).

Estando agora o empreendimento já em velocidade de cruzeiro, difícil seria portanto recusar o convite para ser Diretor de Comunicação do XXIII Governo Constitucional. Primeira razão? "É pela pessoa [António Costa]. Tenho muita admiração por ele." E além disso? "É desafiante e gosto muito de política." O objetivo é, sem ser porta-voz, fazer a coordenação geral do comportamento público do governo, e "olhar para todos os tipos de comunicação", potenciando, por exemplo, as redes sociais. "Comunicar, na política, já não é só falar com os jornalistas", conclui Cepeda.

joao.p.henriques@dn.pt

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