Joacine: "Sou a líder parlamentar daqueles que votaram em mim"
Costumo dizer na brincadeira que sou a líder parlamentar das pessoas que votaram em mim e isso faz com que não tenha qualquer problema de representatividade". Joacine Katar Moreira responde assim à questão sobre quem representa na Assembleia da República, um ano depois de ter rompido laços com o Livre, partido pelo qual foi eleita em 2019. Desde então deputada independente, diz que é preciso procurar nas frechas das regras parlamentares formas de se fazer ouvir na Assembleia da República, fruto de uma cultura de "silenciamento" de quem não pertence aos partidos. Mas o saldo, diz ao DN, é muito positivo: "Ganhei sobretudo alguma paz e com isso a possibilidade de fazer um melhor trabalho".
Muita crítica das limitações que são impostas aos deputados não inscritos, nomeadamente nas intervenções em plenário e no agendamento de iniciativas próprias - que "dependem dos demais partidos e da sua boa vontade" - Joacine fala numa "limitação clara da participação de quem se encontre fora de grupos parlamentares". "Não por má fé, quero acreditar, mas porque é a maneira como as coisas são e se quer que se mantenham", refere a deputada, apontando um exemplo recente: "Fiz parte do Grupo de Trabalho da Despenalização da Morte Medicamente Assistida e quando todos os partidos faziam declaração de voto oral no plenário sobre a Lei, a Mesa avisou-me que não podia intervir por ser deputada não-inscrita".
Outro aspeto destacado pela parlamentar é a "falta de verbas para assessoria e para o gabinete" (que conta com duas pessoas) situação que qualifica como "bastante injusta" e agravada pelo facto de a lei prever a "manutenção integral da subvenção a um partido que deixou de ter representação parlamentar". Enquanto deputada única do Livre, Joacine tinha direito a uma subvenção anual no valor total de 117 845 euros, paga mensalmente num montante de 9820 euros. Com a passagem a não-inscrita, esse valor passou para os 57 044 euros anuais - 4753 euros mensais, um corte de 5067 euros a cada mês. Já no que se refere aos partidos não há cortes na subvenção, pelo que o Livre mantém o apoio de cerca de 165 mil euros anuais.
E a que se devem estes constrangimentos? A uma "visão ultrapassada de se viver e de se fazer política, que restringe a iniciativa cidadã e os candidatos independentes, que silencia deputados não inscritos". Uma perspetiva que "quer os partidos no comando e controlo da participação política" e que "procura a submissão das deputadas e deputados às estruturas partidárias".
Daqui decorre, explica a deputada, que no seu gabinete todos (os três) fazem tudo e cabe à própria, por exemplo, gerir as redes sociais. Os dias de trabalho parlamentar não se sabe quando acabam, mas os que antecedem as votações parlamentares, por exemplo, acabam seguramente "fora de horas". Até porque os guiões com as iniciativas que vão a votos "são entregues geralmente um dia antes e ao final do dia e podem sofrer atualizações até ao momento da votação" - "É stressante".
Apesar disso, Joacine Katar Moreira conta os ganhos deste ano - em que o seu voto acabou por ganhar grande relevância na aprovação do Orçamento do Estado - como deputada independente. "Orgulho-me de ter trazido para a Assembleia da República a preocupação com os lares sem alvará ou ilegais e a atenção ao trabalho informal neste contexto, e luto agora para que o trabalho considerado essencial tenha um estatuto próprio". Apontando a luta contra a "pandemia da pobreza e da desigualdade" - uma expressão que tem repetido nas intervenções parlamentares - sublinha também a aprovação das Honras de Panteão a Aristides de Sousa Mendes, "um facto histórico e que dignifica a nossa democracia", ou o trabalho "em prol da luta anti-racista", com a "aprovação de iniciativas muito importantes como a criação de um Observatório Independente do Discurso de ódio, Racismo e Xenofobia". "Sinto-me muito satisfeita com o meu trabalho", conclui Joacine: "Se temi pelo trabalho que podia concretizar, este ano foi para mim muito desafiante".