Jesuíta, 83 anos, com Parkinson. E suspeito de terrorismo

O padre Stan Swamy está preso há uma dúzia de dias por suspeitas de ligação a grupos maoistas. Uma acusação "sem fundamento", garantem subscritores de abaixo-assinado em seu apoio.
Publicado a
Atualizado a

A detenção de Stan Swamy, de 83 anos, escandaliza o mundo, mas não surpreendeu o próprio. Segundo o amigo e ativista Xavier Dias, em declarações à BBC, o padre jesuíta já tinha a mala feita. Em julho fora interrogado ao longo de cinco dias devido a suspeitas de ligações com um grupo maoista envolvido numa manifestação em Bhima Koregaon que acabou em violência, no dia 31 de dezembro de 2017.

"Nunca estive em Bhima Koregaon, pelo qual estou a ser acusado", disse numa mensagem gravada dois dias antes de ser preso.

YouTubeyoutubeKNVibqUVZDU

"O que me está a acontecer não é algo único que me está a acontecer só a mim, é um processo mais amplo que está a ter lugar em todo o país. Todos sabemos como intelectuais proeminentes, advogados, escritores, poetas, ativistas, líderes estudantis, são colocados na prisão por terem manifestado a sua discordância ou levantado questões sobre os poderes dominantes da Índia."

Desde 2018, 16 ativistas, advogados e escritores foram presos num processo relacionado com o grupo maoista que tem lutado pelos direitos dos indígenas, ou Adivasis, no estado de Jarcanda.

Ainda no vídeo, Stan Swamy reconheceu fazer parte do processo porque não era um "espectador silencioso". Afirmou: "Estou pronto a pagar o preço, seja ele qual for."

É esta coragem e sentido de justiça que o jesuíta Xavier Jeyaraj destaca ao DN: "É um homem profundamente empenhado, um justo, um homem sincero que tem vivido para os outros toda a sua vida, em especial para os povos indígenas. Onde quer que haja injustiça ele estará lá para levantar a sua preocupação e voz. Um homem totalmente comprometido."

Noutro sentido do português, também a sua saúde está comprometida com a prisão decretada no dia 8, e que se estende pelo menos até dia 23, no estabelecimento prisional de Taloja, em Mumbai (Bombaim), onde está em isolamento em cumprimento da quarentena devido à pandemia. "Está bastante débil. Tem Parkinson e problemas cardíacos, por isso estou preocupado com a sua saúde. E isto vai ter um impacto muito grave na sua saúde e na sua vida", continua Jeyaraj, um compatriota de Swamy baseado em Roma.

Este jesuíta, responsável do Setor da Justiça Social dos jesuítas, explica que Stan Swamy não teve autorização para receber visitas, porque a acusação está enquadrada pela lei de atividades ilegais. "É considerado um homem que fez atividades ilegais contra o Estado", explica. Só tem direito a um telefonema por semana, caso o diretor da prisão aprove a ligação.

"Tem falado com o nosso advogado. Mentalmente, está forte porque é uma pessoa de sólida espiritualidade. Expressa a sua opinião de forma muito clara, como se vê no vídeo que gravou dias antes de ter sido preso."

"Fisicamente", prossegue Xavier Jeyaraj, "ele não está a sentir-se bem. Tem Parkinson em estado avançado, pelo que tem dificuldade em comer [sem auxílio]. É comum que os indianos comam com a mão, mas ele não consegue. Usa uma colher mas tem muita dificuldade. Por isso, os seus padecimentos são motivo de preocupação."

Xavier Jeyaraj, apesar de preocupado, tem esperança de que o seu amigo de longa data seja libertado sob caução. "Só no sábado à noite é que Stan Swamy soube quais são as acusações que pendem sobre si. Agora os advogados vão apelar para que o juiz conceda a libertação sob caução."

"Se o juiz não for parcial, olhar para o caso de forma apropriada e vir que ele não está contra o Estado verá que não há fundamento para o prender. É nisto que acreditamos." É também nisso que acredita um grupo de duas mil pessoas, entre ativistas, professores universitários e defensores dos direitos humanos, ao subscreverem um abaixo-assinado em sua defesa.

O grupo salientou que Swamy, na mensagem vídeo, tinha manifestado preocupação sobre a agência governamental que apresentou provas forjadas contra ele. "Tinha dito claramente à NIA que alguns dos chamados extratos do seu computador que lhe foram mostrados pela NIA eram falsos e forjados e que os tinha rejeitado", disseram os signatários.

"Ele poderá ter ajudado pessoas com associação ou simpatia com maoístas, o que não é invulgar num lugar como Jarcanda. Isso não faz dele um maoísta. A sua prisão faz parte de um esforço maior para minar a oposição", disse à BBC o economista Jean. Dreze. "Ele está agora a ser tratado como as pessoas que tem tentado defender toda a sua vida", nota.

Exemplifica a BBC: "Mobilizou o Supremo Tribunal exigindo a libertação de 3000 jovens homens e mulheres que têm estado a definhar na prisão depois de terem sido marcados como maoístas. Viajou para aldeias tribais remotas para os informar dos seus direitos. Contou-lhes como estavam a ser construídas minas, barragens e povoados sem o seu consentimento, e como tinham sido privados de terras, muitas vezes sem qualquer compensação."

Nascido no estado de Tâmil Nadu, filho de um agricultor e de uma dona de casa, o padre Stan Swamy estudou nas Filipinas os ensinamentos da Companhia de Jesus, tal como o atual pontífice, Jorge Bergoglio, Papa Francisco.

Durante cinco décadas, Swamy dedicou-se a defender os direitos dos Adivasis em relação às suas terras no estado oriental de Jamarcanda, cujo nome significa Terra das Florestas.

Os Adivasis são considerados os habitantes originais do subcontinente indiano. Uma conclusão dos antrolólogos, mas que embate no nacionalismo hindu do Partido Bharatiya Janata (BJP) e do seu líder e primeiro-ministro Narendra Modi. Termos internacionais como "indígenas", ou o equivalente hindi "Adivasi", são um anátema. São apenas habitantes da floresta. Os Dalits, os antigos intocáveis, não estão melhor, são na verdade os excluídos da sociedade.

Cerca de 8,5% da população da Índia continua a sofrer discriminação, apesar das ações de governo de inclusão. "Os Adivasis continuam a enfrentar preconceitos e muitas vezes violência da sociedade indiana dominante", afirma o Minority Rights Group. "Estão no ponto mais baixo de quase todos os indicadores socioeconómicos, a destruição da sua base económica e do seu ambiente representa graves ameaças para aqueles que ainda são capazes de seguir o seu modo de vida tradicional e pode resultar na extinção cultural de muitos dos povos Adivasi mais pequenos".

Stan Swamy, e todos aqueles que conhecem estas áreas, sabem que os problemas económicos e sociais dos Adivasis nascem do seu deslocamento gradual das suas terras habituais. "Aos Adivasis foram negados direitos de propriedade da terra ao longo do último século e a sua deslocação das suas terras fez com que chegassem a uma fase em que lutam para manter a sua identidade económica e social", diz um relatório do Minority Rights Group.

A Lei dos Direitos Florestais de 2006 foi promulgada para assegurar os direitos dos Adivasis às suas terras e florestas habituais. Mas a sua aplicação não é mais do que a cobertura de apenas 2% das potenciais reivindicações alegadamente resolvidas. Uma decisão do Supremo Tribunal sobre a aplicação da Lei dos Direitos Florestais de 2006, de fevereiro de 2019, colocou mais de um milhão de Adivasis em risco de despejo das suas terras e casas.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt