Jean-Claude e Katarina, o casal que obrigou a adiar o Nobel da Literatura por um ano
A primeira vez que em várias décadas uma dúzia dos mais importantes escritores mundiais vai poder dormir descansada na véspera do anúncio que a Academia Sueca faz sempre em outubro, à quinta-feira pelas 12.00, afinal neste ano não há Prémio Nobel da Literatura.
Foi a decisão final da Academia Sueca no fim de um processo que leva meses e que se deve a "alegados abusos sexuais e financeiros em que se encontram envolvidos membros da Academia Sueca responsáveis pela seleção do vencedor".
O anúncio do vencedor da edição de 2018 será feito no próximo ano, data em que a Academia Sueca escolherá dois escritores em vez de um. Foi esta a decisão divulgada após a mais recente reunião da instituição, baseada na conclusão de que "os escândalos financeiros e os alegados abusos sexuais que envolvem membros da Academia impedem o desempenho da função".
A leitura do comunicado realizou-se ontem de manhã, no seguimento de uma reunião definitiva sobre o caso que tem sido notícia em todo o mundo. Segundo Anders Olsson, secretário da instituição, "concluímos que é preciso tempo para que a Academia recupere a confiança antes da escolha do próximo laureado".
Uma decisão de certo modo inesperada pois este responsável chegou a admitir que tudo faria para que se realizasse o escrutínio habitual que leva à escolha anual de um escritor para o Nobel da Literatura. Tal não foi possível, o que contraria a própria vontade do rei Gustavo, patrono da instituição, que também lutou para manter a rotina do Nobel da Literatura.
Para Anders Olsson, esta decisão pretende respeitar os anteriores galardoados assim como os futuros vencedores do Prémio Nobel da Literatura. Outra das suas preocupações é o respeito para com a "Fundação Nobel e o público em geral".
Uma substituição polémica
A interrupção pela oitava vez da entrega do Nobel da Literatura surgiu após revelações na imprensa sueca sobre o envolvimento do fotógrafo francês Jean-Claude Arnault, que dirige um projeto financiado pela Academia Sueca e que é casado com a poetisa Katarina Frostenson, membro da Academia, num caso de abuso sexual, após denúncia de 18 mulheres. A poetisa foi obrigada a demitir-se. A crise entre os 18 mem-bros da Academia - com mandatos vitalícios - resultou já no abandono de sete dos seus elementos.
Mas a polémica na instituição sueca também tem um outro lado, o da substituição do anterior secretário permanente, Peter Englund, pela historiadora Sara Danius, responsável pelos três últimos prémios Nobel da Literatura, escolhas que levaram a um grande abalo na credibilidade da instituição devido às críticas generalizadas. Tudo começou com a escolha da jornalista Svetlana Alexievich e as suas reportagens literárias, seguindo-se com uma das mais controversas atribuições, a de Bob Dylan, e mais recentemente alguma perturbação com a de Kazuo Ishiguro. Autores que geraram muitas reações e que puseram em causa a liderança de Sara Danius por não corresponderem ao cânone da Academia.
Lobo Antunes desinteressado
É em poucas palavras que António Lobo Antunes reage à não atribuição do Nobel da Literatura como costuma ser hábito todos os anos desde o início do século passado: "O assunto Nobel não me interessa." O escritor e principal nome das letras em língua portuguesa a ser repetidamente apontado como estando na shortlist dos candidatos ao maior prémio da literatura mundial não quis alongar-se na reação ao DN, preferindo ocupar-se com as próximas deslocações a Praga, Bucareste e México.
Nesta última, para celebrar os dez anos da entrega do Prémio Juan Rulfo e a liderar uma comitiva de 50 autores nacionais na Feira do Livro da capital mexicana. Quanto a Bucareste, onde receberá sob o estatuto de convidado de honra uma distinção inédita a um autor português no Festival de Poesia, o Grande Prémio do Centenário da Reunificação da Roménia, atribuído pelo Museu Nacional da Literatura Romena e a Câmara de Bucareste. Destaque-se que o prémio que Lobo Antunes receberá decorre do acontecimento histórico da reunificação do país, que ocorreu a 1 de dezembro de 1918, sendo por isso mais importante a sua escolha devido ao facto de ser entregue a um autor estrangeiro na celebração de uma importante data nacional. O evento realiza-se na Grande Biblioteca Universitária Carol I e nele participam o ministro da Cultura, entre outros.
Quanto ao Nobel, sabe-se por declarações públicas e entrevistas dos últimos anos que António Lobo Antunes não tem visto como boa a escolha de alguns dos recentes premiados com o Nobel, mas sobre isso prefere não se pronunciar. Repete: "É um assunto que não me interessa." O autor, mais do que homenagens e prémios, quer tempo para escrever. Está com novo livro, que fará parte de uma trilogia iniciada com o recente Até Que as Pedras Se Tornem mais Leves Que a Água. Com Lusa