Dormir nove horas por dia, usando um cobertor pesado, limpar toda a maquilhagem da pele, seguido da aplicação de um tónico e do creme antirrugas, fazer, de vez em quando, uma máscara facial noturna com cânhamo e, no topo de tudo isto, passar três dias por semana sem ver vivalma (só na companhia do cão). São estes os segredos de beleza e longevidade revelados recentemente pela atriz americana que, aos 83 anos, vai ser agraciada com o Prémio Cecil B. DeMille - o galardão anualmente atribuído pela Hollywood Foreign Press Association, na cerimónia dos Globos de Ouro, a uma personalidade do cinema cuja carreira se tenha distinguido ao longo do tempo. Na madrugada da próxima segunda-feira, Jane Fonda vai ter o seu momento de palco virtual. E é quase certo que não lhe faltará assunto para além dos agradecimentos..A conversa de cremes e truques de cosmética, vinda de Fonda, tem sempre um interesse especial, que escapa aos requisitos do simples aconselhamento prático. Desde logo porque esta mulher que gosta de aconselhar as outras mulheres não é a diva arrogante que se retrata naqueles poucos minutos de A Juventude (2015), de Paolo Sorrentino. Não. Ela é mais parecida com a secretária do filme Das 9 às 5 (1980), de Colin Higgins, que une esforços com Lily Tomlin e Dolly Parton para derrubar o patrão sexista. É esse espírito de união feminina que verdadeiramente diz algo sobre Jane, alguém que valoriza tanto a amizade entre as mulheres ao ponto de, ainda sem 30 anos feitos, se ter tornado cúmplice das prostitutas parisienses com que o primeiro marido, o realizador Roger Vadim, se apresentava em casa para "aquecer" o leito conjugal. Outros tempos (década de 1960), outro país (França), outra ingenuidade. Mas, ainda assim, nunca foi de intrigas femininas. Se dúvidas houver, veja-se a química entre ela e Tomlin na série Grace and Frankie, que a tem ocupado nos últimos anos..No documentário Jane Fonda in Five Acts (2018), de Susan Lacy - disponível na HBO -, a atriz fala de uma vida em "revolução contínua", que começou com a ida para a capital francesa, em plena Nouvelle Vague, quanto tinha 27 anos, e só abrandou depois do terceiro divórcio, aos 64. Hoje, os vestígios revolucionários de Fonda estão no ativismo que continua a ser parte de uma orgulhosa imagem pública. A saber: aquele casaco vermelho que, na última cerimónia dos Óscares, levou pendurado num braço quando subiu ao palco para entregar a estatueta ao grande vencedor da noite, o coreano Bong Joon-ho e o seu Parasitas, é o casaco que envergou de todas as vezes em que foi presa, em 2019, nas manifestações pacíficas pelo clima. Esta é a ação e a energia de uma mulher que diz não ter medo da morte, mas que se preocupa genuinamente com o futuro dos jovens..Filha de uma das maiores lendas da história de Hollywood, Henry Fonda (1905-1982), a jovem que seguiu os passos do pai como atriz, ao contrário do que seria intuitivo deduzir, não foi por ele encaminhada para a indústria do cinema - esse papel coube ao professor de teatro Lee Strasberg, que viu nela o talento. Henry Fonda representou, de resto, uma sombra intimidante. Por trás do carisma e dos valores sólidos no grande ecrã, o homem cordato no dia-a-dia era um pai frio e distante, que, sem saber, contribuiu para um sentimento que sempre a acompanhou à frente da câmara: a insegurança. Esta, aliada à memória trágica do suicídio da mãe, Frances Ford Seymour, num hospício, quando Jane tinha apenas 12 anos..Ela iniciou a carreira com pequenos papéis românticos que, só na sequência de dois filmes em França (A Jaula do Amor, de René Clément, e A Ronda do Amor, de Roger Vadim), evoluíram para um registo de heroína sexy. A primeira produção a dar conta disso foi o western cómico Cat Ballou (1965), de Elliot Silverstein, em que Jane interpreta uma mulher de mangas arregaçadas pronta para vingar o assassinato do pai. Ainda trocaria beijos com Robert Redford em Descalços no Parque (1967), de Gene Saks, mas o definitivo grito de extravagância estava para chegar sob o título Barbarella (1968), do então marido Vadim, que projetou nesta pândega de ficção científica toda e mais alguma fantasia sobre o corpo escultural dela e a beleza fresca do rosto - é ver a sequência da "Máquina do Excesso" (metáfora erótica) e todo o guarda-roupa do filme, que a eternizou como um dos principais sex symbols da época..A primeira de várias nomeações para o Óscar viria com o magnífico Os Cavalos também Se Abatem (1969), de Sydney Pollack, na realidade, o primeiro realizador a ver em Jane o potencial dramático que, depois, Alan J. Pakula explorou com infinita justeza na obra-prima Klute (1971), que, à segunda nomeação, valeu a estatueta dourada à atriz. Aqui, ela já tinha trocado de vez os olhos arregalados pela melancolia nova-iorquina de uma prostituta que se apaixona por um detetive (Donald Sutherland), e o seu arrojado novo corte de cabelo dava o sinal de partida para uma das "revoluções" na vida pessoal: faltava pouco para se separar de Vadim e regressar aos Estados Unidos..Ainda entrou num filme de Jean-Luc Godard, Tudo Vai Bem (1976), mas em breve as coisas não se afigurariam tão prósperas como a sugestão desse título..Após o capítulo da libertinagem de Vadim, Tom Hayden tomou o lugar do romance e marcou a fase mais polémica da carreira de Jane Fonda. Ele, ativista político, cruzou-se com ela nos protestos contra a guerra do Vietname, casaram-se, e foi nesse contexto de debate social que, em 1972, se deu o famoso episódio da fotografia de Jane a sorrir ao lado de soldados vietnamitas, sentada em cima de material bélico do inimigo - o que lhe valeu a desdenhosa alcunha "Hanoi Jane". O sex symbol de Hollywood dava então lugar ao (equívoco) selo de antipatriota, que os media fizeram questão de empolar. Algo que deprimiu profundamente a atriz, e que se traduziu numa incúria mais tarde assumida. "A imagem de Jane "Barbarella" Fonda, filha de Henry Fonda, sentada num avião do inimigo, foi uma traição, o maior lapso que posso imaginar", disse em entrevista a Lesley Stahl, do programa 60 Minutos. Porém, esta página negra terminaria, em 1979, com Fonda a vencer o seu segundo Óscar pelo filme O Regresso dos Heróis, de Hal Ashby, precisamente, uma narrativa à volta dos homens que lutaram no Vietname..Foi também durante o casamento com Hayden que descobriu o gosto pela aeróbica. Levada pelo entusiasmo, abriu um pequeno ginásio em Beverly Hills, e, nesses anos 1980, revolucionou a ginástica feminina: o seu programa de exercícios, Workout, deu origem a cassetes de vídeo (a primeira vendeu 17 milhões de cópias) e ditou uma moda de aeróbica em casa que, por estes dias, no espírito do confinamento, faz mais sentido do que nunca..Ora, no percurso de Jane Fonda, a ginástica liga bem com o feminismo divertido e alucinado do já referido Das 9 às 5, o filme-parábola que, até hoje, refletiu como nenhum outro a condição da mulher na esfera do trabalho. E seria igualmente por essa altura, quando tudo corria bem na carreira da atriz e ativista, reinando um certo equilíbrio emocional, que a reconciliação com o pai - isto é, o enfrentar do silêncio que revestiu quase sempre a relação de ambos - tomou a forma de um filme-espelho da realidade. A Casa do Lago (1981), assinado por Mark Rydell, que faz um retrato meigo da velhice através de dois gigantes da era clássica de Hollywood, Katharine Hepburn e Henry Fonda, foi a oportunidade de Jane, no papel da própria filha, dizer na ficção da grande tela aquilo que lhe estava preso na garganta: "Eu só quero ser tua amiga." Se parece pouco, escrito assim, a cena tem uma carga psicológica inegável. E a resmunguice de um velho Fonda (que recebeu finalmente um Óscar) sai vencida pela sinceridade dos olhos lacrimejantes dela, com um toque no braço que diz mundos e fundos sobre aqueles dois..O arranque da década de 1990 trouxe o fim do segundo casamento de Jane Fonda, e o início de um novo romance que resultaria numa troca de alianças às três pancadas. Desta feita, o felizardo foi Ted Turner, o magnata fundador da CNN, que obrigou a atriz ao afastamento das lides do cinema. O nó, que se desapertou em 2001, durou dez anos, e deu tempo para Jane pensar bem na vidinha. Lançou um livro de memórias em 2006, aos 69 anos, tornou-se uma das embaixadoras da L'Oréal e nunca mais quis ter nada que ver com núpcias..O regresso ao cinema, em 2005, numa comédia ligeira em que faz de sogra infernal de Jennifer Lopez, coincidiu com uma nova forma de (bem-)estar consigo própria. A presença no ecrã passou a ser, mais do que outra coisa, um motivo de reencontro com velhos amigos - veja-se Nós, ao Anoitecer (2017), ao lado de Robert Redford, ou Do Jeito Que Elas Gostam (2018), com Diane Keaton e Candice Bergen. A tal solidão que faz bem à pele conferiu-lhe o espaço individual de que precisava para poder especializar-se naquilo que lhe dá prazer: o ativismo ambiental, uma boa noite de sono e a transmissão de sabedoria da idade. O perfeito detox de três casamentos e impurezas várias.