Ivo Rosa iliba Sócrates de 25 crimes. "Todas as grandes acusações ruíram e com fulgor"

Numa longa sessão de leitura, o juiz Ivo Rosa deitou por terra a acusação do Ministério Público na Operação Marquês. Não avançou nenhum acusação de corrupção a Sócrates que no fim acusou o MP de "motivação política"
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Três horas e dez minutos. Durante este período da tarde desta sexta-feira o juiz Ivo Rosa foi desmontando a acusação do processo Marquês e no fim o resultado foi um grande balde de água fria para o Ministério Público: todas as acusações de corrupção caíram, só cinco dos 28 acusados vão a julgamento e dos 188 crimes que estavam na acusação "sobraram" 17. Tendo o MP já anunciado que vai recorrer para o Tribunal da Relação.

E a figura mais mediática do processo, o antigo primeiro-ministro José Sócrates, saiu da sala de tribunal do Campus da Justiça a falar com um tom vitorioso. Afinal dos 31 crimes de que era acusado vai a tribunal por seis: três de falsificação de documentos e três de branqueamento de capitais. Ivo Rosa não avançou com as acusações dos crimes de corrupção, afinal aqueles que mais colocavam em causa o ex-governante.

O magistrado que liderou a fase de instrução - iniciada em janeiro de 2019 e terminou neste dia 9 de abril - não poupou nas críticas ao Ministério Público. "Pouco rigor", "crimes prescritos", "não há indícios suficientes", "não se percebe como José Sócrates terá influenciado" foram algumas das expressões que usou para justificar as suas decisões.

Um a um Ivo Rosa foi deixando cair os crimes que o Ministério Público imputava aos arguidos dando ênfase em vários deles à falta de "provas suficiente" e ao facto de não existirem provas de alguns dos encontros que o Ministério Público atribuía a Sócrates, como teria acontecido, em determinada data, com o antigo presidente do Brasil Lula da Silva e o seu ministro Hélio Costa.

Aliás, a questão da interferência de Sócrates no processo da OPA da SONAE à PT - que não foi avante por o governo, e outros acionista da empresa como a Caixa Geral de Depósitos e a Parpública, não ter apoiado a desblindagem dos estatutos da empresa de telecomunicações - fez com que o magistrado acusasse a acusação de mostrar "pouco rigor e consistência".

O mesmo se passou quanto à suspeita de que Ricardo Salgado - o antigo líder do Grupo Espírito Santo - teria pago 12 milhões de euros a José Sócrates para que não facilitasse essa OPA, dinheiro que o ex-primeiro-ministro teria recebido através de movimentações de verbas pelas contas de Joaquim Barroca e de Carlos Santos Silva. "Há suspeitas da forma como foram feitas as movimentações bancárias, mas não há provas suficientes para explicar o benefício de José Sócrates. Ou seja, não há prova de que Ricardo Salgado tenha pago 12 milhões e euros a Sócrates", frisou.

Também não encontrou provas de que o antigo governante teria recebido um milhão de euros para mover influências junto de Armando Vara (que também teria recebido um milhão) para este autorizar um empréstimo ao empreendimento de Vale de Lobo.

Armando Vara foi indiciado por um crime de branqueamento.

Dúvidas teve Ivo Rosa sobre os empréstimos em dinheiro - cerca de um milhão e 700 mil euros - que Carlos Santos Silva fez a José Sócrates. Segundo o juiz a entrega deste dinheiro, em vários levantamentos efetuados por diversas pessoas, "tinha como base conseguir uma vantagem", sobre o então líder do governo.

O magistrado frisou mesmo que esta situação apontava para o crime de corrupção passiva (Sócrates) e ativa (Carlos Santos Silva) se demonstração de ato em concreto. A questão, sublinhou, é que já tinham prescrito.

Como aliás aconteceu com os alegados crimes relacionados com o universo Grupo Espírito Santo; Lena (como as obras do TGV no troço Poceirão-Caia, que nunca avançaram e as eventuais reuniões entre dirigentes venezuelanos e Sócrates) e Vale de Lobo. Segundo Ivo Rosa além de não haver consistência na acusação os crimes também já tinham prescrito.

À saída do tribunal o antigo primeiro-ministro fez um ataque duríssimo ao Ministério Público. "Tudo isto é uma gravíssima injustiça, A acusação teve uma motivação política que é muito clara", sublinhou.

Acusou o MP de "manipular" e "viciar" a distribuição do processo da Operação Marquês para cair nas mãos do juiz Carlos Alexandre, que "nunca foi imparcial". "Alguém cometeu um crime. Não confio no Ministério Público porque foi conivente com essa distribuição, que foi orquestrada", disse.

Quanto ao facto de o juiz Ivo Rosa o levar a julgamento pelos crimes de branqueamento de capitais e falsificação de documentos, José Sócrates afirmou: "É mentira. Vou defender-me! Todas as mentiras contadas aos portugueses são falsas".

"É que prenderam e difamaram durante sete anos um inocente", garantiu ainda. E socorrendo-se do despacho de instrução do juiz Ivo Rosa, lido durante mais de três horas, sublinhou: "Todas as grandes acusações ruíram e com fulgor".

Foram pronunciados para julgamento:

José Sócrates: três crimes branqueamento e três de falsificação

Carlos Santos Silva: três crimes de branqueamento e três de falsificação de documentos.

Armando Vara: 1 crime de branqueamento.

Ricardo Salgado: 3 crimes de abuso de confiança.

João Perna: detenção ilegal de arma.

Não foram pronunciados:

Henrique Granadeiro, Zeinal Bava, Hélder Bataglia, Joaquim Barroca (ex-patrão grupo Lena), José Diogo Gaspar Ferreira, Rui Mão de Ferro, Rui Horta e Costa, Gonçalo Ferreira, Luís Ferreira da Silva Marques, José Luís Ribeiro dos Santos, Bárbara Vara, José Paulo Pinto de Sousa (primo de Sócrates), Sofia Fava (ex-mulher de Sócrates), Inês Rosário (mulher de Carlos Santos Silva).

O despacho de não pronúncia incidiu também sobre várias empresas: Lena Engenharia e Construções SA, XLM, Lena Engenharia e Construções SGPS, Lena SGPS, Oceano Clube, Vale do Lobo Resort Turístico de Luxo SA, XMI - Management & Investments SA, Pepelan e RMF.

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