Irresponsabilidade nuclear

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A Guerra Fria acabou em 1991 sem ter havido um verdadeiro confronto entre os Estados Unidos e a União Soviética, que teria sido no mínimo "quente" dado o vasto arsenal nuclear das superpotências. É verdade que houve momentos críticos, como em 1962 a Crise dos Mísseis de Cuba, mas tanto a liderança americana como a soviética souberam sempre evitar o pior, e o pior seria, continua a ser, uma guerra com recurso a armas nucleares.

Em reportagem para o DN, tive a oportunidade de visitar Hiroxima e Nagasáqui e noutra ocasião Semipalatinsk. O que se passou nesses três locais explica em boa medida a Guerra Fria não ter sido "quente", apesar de americanos e soviéticos se terem enfrentado em múltiplas guerras por procuração em vários continentes. Nas duas cidades japonesas, em agosto de 1945, as bombas atómicas americanas mostraram o terror da nova arma, deixando evidente a todos o risco de a reutilizar, ainda mais quando a evolução tecnológica para o chamado nuclear foi multiplicando muito a capacidade destrutiva; depois, no polígono hoje no Cazaquistão, os soviéticos testaram em agosto de 1949 a sua primeira bomba e conseguiram assim a paridade nuclear com os americanos. O chamado equilíbrio do terror estava garantido.

Bem, estamos em agosto de 2022 e volta-se a falar muito do nuclear. Na realidade, tem-se falado do nuclear com demasiada frequência desde que em fevereiro a Rússia (principal herdeira da União Soviética e ainda senhora de milhares de ogivas, tal como os Estados Unidos) invadiu a Ucrânia (outra ex-república soviética, mas que, como o Cazaquistão, renunciou ao arsenal nuclear) o Ocidente decidiu retaliar com sanções económicas a Moscovo e apoio militar a Kiev. Desta vez, porém, não se trata do risco de guerra nuclear, mas sim da irresponsabilidade de se fazer guerra junto de uma central nuclear, no caso a de Zaporíjia, no sul da Ucrânia, em território ocupado pelos russos. Só o facto de Chernobyl, outra central ucraniana, ainda na era soviética, ter sido palco de um acidente dramático deveria fazer soar os alarmes em Kiev e em Moscovo.

Ucranianos e russos trocam agora acusações sobre a responsabilidade do que está a acontecer em Zaporíjia e o mais certo é que haja responsabilidade dos dois lados, um por se tentar defender em desespero contra forças superiores, o outro por procurar por todos os meios fazer da invasão um êxito, apesar das dificuldades. Não faltam argumentos contra uns e outros, e sobretudo contra uma Rússia que está na origem do problema ao ter invadido o país vizinho em fevereiro e ali ter instalado armamento, mas o momento é demasiado perigoso para não se dizer o essencial a Kiev e Moscovo: acabem já com os combates junto a Zaporíjia. E Moscovo, que desde março controla a central apesar de ter mantido os funcionários ucranianos a trabalhar nos seis reatores, deve autorizar uma inspeção imediata pela Agência Internacional da Energia Atómica.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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