Desde as eleições presidenciais dos EUA de 2016, com as suas revelações sobre a intromissão russa, que as autoridades europeias têm estado em alerta para ataques semelhantes. Mas os europeus não são os únicos a estar atentos. Os líderes da China também estão a analisar o que podem aprender com os sucessos do Kremlin..Para o presidente chinês, Xi Jinping, manter a estabilidade interna é uma prioridade, como demonstra o orçamento anual da China para a segurança interna. Bem acima dos cem mil milhões de dólares, o número oficial é baixo. Tal como o dos gastos de defesa, o número real é muito superior, devido a despesas ocultas, inclusive em investigação e desenvolvimento..Por exemplo, a China está a explorar como se pode usar a inteligência artificial (IA) e os big data para monitorizar tudo, desde as redes sociais até aos gastos com cartões de crédito, e planeia atribuir a todos os cidadãos uma classificação de confiabilidade social para eliminar potenciais agitadores. A estratégia orwelliana do regime está centrada diretamente nas redes sociais e controla não apenas o que é dito, mas também como a informação flui para dentro do país e através dele..Além disso, as autoridades estão a impor às empresas de tecnologia novas leis e investigações de cibersegurança. Para Xi, a facilidade com que o Kremlin manipulou o Facebook e o Twitter demonstra a necessidade de um controlo mais apertado nas plataformas de redes sociais chinesas. O governo chinês está agora a solicitar assentos nos conselhos de administração de empresas como WeChat, Weibo e Tencent, e a exigir acesso aos dados pessoais dos seus utilizadores..Os ciberespiões chineses também estão a estudar o sucesso da Rússia. É evidente que não falta conhecimento técnico aos hackers chineses. Eles lançaram ciberataques contra campanhas presidenciais dos EUA, movimentos tibetanos exilados e ativistas uigures; conseguiram imiscuir-se em grupos de reflexão e universidades ocidentais que estudam a China; entraram até em órgãos de informação ocidentais que publicaram histórias embaraçosas sobre a riqueza dos líderes chineses. Ainda assim, os chineses podem ter algo a aprender com o bem coreografado exército de trolls e bots da Rússia..Da mesma forma, os estrategas do Exército de Libertação do Povo (ELP) estão provavelmente a examinar as ações do Kremlin para atualizarem as suas próprias táticas de guerra cibernética. O pensamento estratégico chinês sobre a "guerra política" sustenta que as instituições políticas, sociais e económicas de um adversário - particularmente os meios de comunicação - devem ser os alvos antes de começar uma guerra de tiros. Nesse sentido, a difusão russa de notícias falsas e teorias da conspiração através dos seus meios de comunicação financiados pelo Estado, RT e Sputnik pode ser instrutiva..Além de expandir as capacidades cibernéticas da China, Xi também tem vindo a desenvolver o poder suave da China através de iniciativas económicas, sociais, culturais e de comunicação. E, embora ele ainda não tenha acoplado esses programas com as forças clandestinas da China para lançar o tipo de ataque audacioso que agitou as águas nas eleições presidenciais de 2016, está claramente a montar os meios para o fazer. Foi revelado recentemente que a China tem vindo a realizar operações de influência abrangentes na Austrália, usando organizações oficiais dos campus para monitorizar estudantes universitários chineses, associações empresariais para divulgar interesses chineses e diplomatas para policiar os media locais em língua chinesa. No fim do ano passado, um senador australiano foi forçado a demitir -se devido às suas alegadas ligações a um bilionário chinês..A China também está a expandir a sua presença nos media globais. Segundo alguns cálculos, o governo está a investir cerca de sete mil milhões de dólares em novas redes e canais de transmissão no exterior todos os anos. A sua agência de notícias oficial, a Xinhua, possui mais de 170 delegações em todo o mundo e publica em oito idiomas. A Televisão Central da China (CCTV) possui mais de 70 delegações no estrangeiro e transmite para 171 países em seis idiomas. A Rádio Internacional da China é a segunda maior produtora de rádio do mundo depois da BBC, transmitindo em 64 idiomas de 32 delegações no estrangeiro para 90 estações de rádio em todo o mundo..Nenhuma dessas organizações se distingue ainda como fonte de notícias de referência. Mas tornaram-se uma fonte importante de informação para pessoas em regiões com insuficiente cobertura mediática, como o Médio Oriente e a África, onde divulgam os pontos de vista da China e estão a conseguir audiências simpatizantes..Ao mesmo tempo, a China está a comprar "publicidade nativa" em jornais australianos, americanos e europeus. Isso permite que a China coloque conteúdo de autoria oficial sobre questões controversas - como a construção de uma ilha militarizada no mar do Sul da China - ao lado das ofertas editoriais dessas publicações..Xi também está a apostar a longo prazo, aprovando investimentos em filmes e outras formas de entretenimento em massa para influenciar a forma como a cultura popular mundial trata todas as coisas chinesas. Apesar da recente repressão do governo chinês aos fluxos de saída de capital, as empresas chinesas ainda estão a aumentar as suas principais participações nas propriedades de Hollywood. O conglomerado chinês Dalien Wanda detém sozinho cerca de dez mil milhões de dólares em ativos de entretenimento nos Estados Unidos, Europa e Austrália. E outros gigantes chineses da internet e financeiros, como o Alibaba, Tencent e Hony Capital, bem como empresas estatais, como o China Film Group, investiram dezenas de milhares de milhões de dólares em projetos cinematográficos nos EUA..Com essas participações financeiras, o governo chinês tem uma influência que vai além da antiga censura. Os chefes dos estúdios de Hollywood, com um olho no imenso mercado interno da China, sentir-se-ão tentados a aceitar os pedidos "criativos" do governo no que respeita a argumentos, decisões de elencos e por aí fora. Com 8,6 mil milhões de dólares de receitas de bilheteira em 2017, os chineses estão em segundo lugar, perdendo apenas para a América do Norte. No entanto, a China permite apenas 38 filmes estrangeiros no país por ano, induzindo os cineastas a curvarem-se perante os censores..Claro que os executivos de Hollywood não são os únicos ocidentais a ajudar Xi a implementar a sua agenda. Entre a recente decisão da Apple de renunciar ao armazenamento de dados dos seus utilizadores chineses e entregá-lo a um parceiro chinês e o anúncio da Google de que vai instalar um novo centro de pesquisa de IA na China, os gigantes tecnológicos dos EUA não estão apenas a fazer negócios para beneficiar os seus "acionistas". Estão também a entregar a Xi e aos seus ciberoperativos as suas tecnologias patenteadas e os seus conhecimentos e, até mesmo, o acesso potencial a alvos americanos..Isto levanta uma questão óbvia: se a Rússia conseguiu intrometer-se numa eleição presidencial dos EUA sem relações comerciais tão íntimas, o que poderá a China fazer nos próximos anos? Um executivo de Hollywood reconheceu recentemente que pensar que o único interesse da China é ganhar dinheiro poderá ser "muito ingénuo e perigoso"..Foi também diretor nacional de Informação para a Ásia Oriental e chefe da Delegação na Ásia..© 2018 Project Syndicate.Ex-analista sénior e diretor de assuntos públicos da CIA