Investir no mar, investir na Marinha

Publicado a
Atualizado a

Portugal tem uma Zona Económica Exclusiva (ZEE) de impressionante dimensão, hoje cerca de 20 vezes o território terrestre do país, mas potencialmente o dobro, se a ONU atender às nossas reivindicações marítimas com base na extensão da plataforma continental. Nesse caso, seriam cerca de quatro milhões de km2 para um país de apenas 92 mil km2.

Esse mar português, curiosamente o grande legado dos Descobrimentos, não é uma soma de várias ZEE espalhadas pelo mundo, como acontece, por exemplo, com França, cuja maior influência marítima é no Pacífico. Quis a História que todas as colónias se emancipassem e que o país pós-1975 se resumisse ao Portugal Continental com fronteiras vindas do século XIII mais os arquipélagos da Madeira e dos Açores, tão relativamente próximos que logo no início do século XV, mal ainda as caravelas se tinham lançado nos oceanos, foram descobertos e povoados. A ausência de povoamento prévio e a instalação precoce de populações do continente, com alguns flamengos à mistura no caso das ilhas açorianas, garantiram uma identificação com Portugal que até hoje ninguém questiona, até porque a governação autonómica foi uma das conquistas da democracia e faz justiça à especificidade dos arquipélagos, um na placa africana, o outro tão no meio do Atlântico que tem uma ilha também localizada na placa africana, duas na americana e seis (São Miguel e as ilhas do Grupo Central) numa espécie de cruzamento das placas europeia, africana e americana.

As minhas referências mais extensas aos dois arquipélagos devem-se a serem eles a razão da tão vasta ZEE portuguesa. Apesar de a linha costeira entre a foz do Minho e a foz do Guadiana ser extensa e à sua frente não se encontrar território de nenhum país, a ZEE de Portugal Continental é mais pequena do que a madeirense e a açoriana. E no caso dos Açores, por causa da centralidade do arquipélago, essa ZEE tem uma relevância geopolítica que é reconhecida, no mínimo, há um século - basta pensar nos ataques de submarinos alemães na Primeira Guerra Mundial e na pressão de britânicos e americanos na Segunda Guerra Mundial para ali instalarem uma base. Hoje sabemos que as Lajes, mesmo com redução de pessoal militar americano desde o fim da Guerra Fria, se mantêm de alto valor para os Estados Unidos, ainda mais perante a nova tensão com a Rússia e antecipando uma luta de influência global com a China.

A comparação com a dispersão da ZEE da França (e também se pode dizer o mesmo da ZEE britânica) tem que ver com essa centralidade garantida pelos águas açorianas, mas também pelas madeirenses e pelas continentais. A navegação de África para a Europa passa obrigatoriamente pela ZEE portuguesa, a do Mediterrâneo para o norte da Europa também, assim como a que vem da América do Sul para a Europa e ainda boa parte da que une a América do Norte à Europa. Isto significa, e basta ver notícias recentes, que estamos à mercê de atividades como trasfegas ilegais de petróleo potencialmente poluidoras, tráfico de cocaína, até de rotas de imigração ilegal. Tudo preocupações que, somadas a atividades rotineiras, como vigilância de navios de guerra estrangeiros de passagem, socorros a náufragos (a área de responsabilidade portuguesa é até maior do que a ZEE), garante de segurança no abastecimento energético, ou combate à pesca ilegal, exigem meios que o país tem de procurar adquirir, reforçando a sua Marinha.

Não estão em causa saudosismos do século XV e XVI, quando Portugal se afirmou como a primeira potência marítima global, ao ponto de D. Manuel ter sido o primeiro governante na História a ter Exércitos em quatro continentes, ou melhor ainda, Armadas nos três grandes oceanos. Trata-se sim de pensar que quando se fala do mar como a maior fonte de riqueza para alicerçar o futuro de Portugal é obrigatório pensar que essa riqueza tem de ser defendida. Precisamos pois de submarinos, de fragatas, também muito de um navio multiúsos, uma espécie de porta-helicópteros que seja também um hospital de campanha (não esquecer a atividade sísmica dos Açores, ligada à tal confluência de placas tectónicas). E quem sabe, teremos bastante a ganhar também com o tal porta-drones que o almirante Gouveia e Melo, inovador, tem nos seus planos como chefe do Estado-Maior da Marinha.

Terá de haver investimento - e muito? Sim, mas além da questão da soberania (e dai a necessidade de dar condições a todos os ramos das Forças Armadas, como tem consciência a ministra Helena Carreiras), existe o potencial económico a explorar e que tem de ser protegido. Não pode ser um acaso que o Ministério da Economia seja agora também do Mar e que à sua frente esteja António Costa Silva, cuja visão sobre o papel do oceano no futuro de Portugal é bem conhecida. Investir é ganhar e daí a importância de haver na classe política consenso nesta estratégia.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt