O Centro Escolar Republicano Almirante Reis nasceu, como todos os outros, para politizar e ensinar a língua portuguesa aos mais carenciados do bairro, que tinham saído do campo para a cidade à procura de melhores condições. Agora, volta a ter um papel importante no ensino do português aos imigrantes que aqui procuram uma vida melhor. "Tivemos sempre uma preocupação de fraternidade e de solidariedade. Primeiro, para com os migrantes que vinham da província e, hoje, são os estrangeiros que chegam a Portugal. A situação é a mesma, só que as pessoas vêm de mais longe", simplifica Maria Helena Correia, da direção..Os que atualmente se sentam nas aulas do Centro Escolar Republicano Almirante Reis (CERAR)vêm do Bangladesh, do Paquistão e da Índia. Frequentam os cursos da Portugal Multicultural Academy, a quem os dirigentes do CERAR cederam o espaço. Querem falar e escrever a língua do país de acolhimento, importante para a integração e um requisito fundamental para obter a nacionalidade..Os centros escolares republicanos tinham uma função política - defender o ideário republicano e promover o voto - e educativa. Ideais refletidos no tipo de ensino: uma escola laica, sem obediência a qualquer credo religioso; e mista, onde rapazes e raparigas, homens e mulheres, aprendiam em conjunto..Rasel Ahamed, presidente da Portugal Multicultural Academy, do Bangladesh, é o primeiro a chamar a atenção para a coincidência de objetivos com a associação a que preside. "A principal vertente é a educação e a formação, embora, com a pandemia, estejamos mais vocacionados para o apoio social. Há muitas pessoas que perderam o emprego, que estão sem rendimentos e que precisam de ajuda, não só os imigrantes como os portugueses que vivem no bairro", diz..Fornecem 100 cabazes alimentares ao sábado, numa entrega realizada no pátio interior do centro, onde antes se disputava o "jogo da amarelinha". Têm, também, refeições e prestam apoio jurídico..No fundo, é um círculo que se completa: solidariedade para com os habitantes do bairro. Um sublinhado de Maria Helena Correia, 89 anos, parte dos quais à frente da instituição, nomeadamente presidente da direção e diretora pedagógica. Reconhece que perderam muito da dinâmica do século passado, mas continuam a ceder o espaço para as iniciativas locais. Agora, são maioritariamente das comunidades imigrantes que se instalaram no bairro. Esporadicamente, realizam colóquios e comemorações",como a implementação da República.."Conheci muita gente interessante, tínhamos muitas iniciativas, apoiámos muitas pessoas, Havia um balneário para os habitantes tomarem banho. As casas do bairro não tinham casa de banho, era muita a pobreza", recorda Maria Helena Correia. Acrescenta: "Os centros contribuíram para o desenvolvimento da cidade e do ensino em Portugal, a alfabetização era nula. A maior parte das famílias que aqui viviam eram analfabetas. Durante o dia, estudavam os filhos, e, à noite, os pais aprendiam a ler. Aconteceu isso durante anos"..O CERAR foi fundado a 1 de abril de 1911, com a porta principal para a rua do Benformoso e as traseiras para a do Terreirinho. É uma característica dos centros escolares republicanos para permitir a fuga se chegassem as autoridades, aquando das reuniões da oposição..O centro da Almirante Reis tem 110 anos. Os estatutos, aprovados a 12 de dezembro de 1924, sublinhavam a abertura do ensino primário misto, "com o fim de educar cidadãos úteis à República". Devia "derramar a instrução sem a qual nenhum povo pode prosperar"..A Portugal Multicultural Academy disponibiliza "o Curso Certificado de Língua Portuguesa (níveis A1 e A 2) para a aplicação da nacionalidade portuguesa e também para o desenvolvimento de comunidades de imigrantes com formação profissional, informação, seminário e educação"..O Centro Escolar Republicano da Almirante deixou a componente letiva em finais de 1980 , o que se deveu à expansão do ensino público. Mas é dos poucos que mantém as portas abertas entre as dezenas de centros escolares republicanos que abriram em todo o país, particularmente em Lisboa. Tem resistido à idade avançada dos sócios e à falta de meios. Esperam que a situação da pandemia melhore para avaliarem o que fazer no futuro..Cumpriu um papel importante e não apenas no ensino. Teve uma participação fundamental na oposição ao Estado Novo. As suas instalações acolheram muitas encontros e reuniões políticas. Entre estas, a sessão que levou à fundação do Movimento da Unidade Democrática, a 8 de outubro de 1945..Este século, o espaço mudou de proprietário. A Câmara de Lisboa, que tinha feito obras de requalificação, não exerceu o direito de preferência. A lei do arrendamento foi alterada e renda mensal passou de 70 para 450 euros. E só conseguiram um contrato por dez anos por terem utilidade pública (1926) com estatutos renovados em 1987. É uma "instituição particular de solidariedade social" (IPSS)..Há três anos, Maria Helena Correia, então presidente, convidou Ricardo Santos para assumir a direção. "Convidaram-me a mim a e outros jovens para renovar a direção, mas coincidiu com a alteração da lei do arrendamento e a renda aumentou substancialmente. Foi o golpe final", explica o atual presidente do CERAR. Ainda abriu um bar, que não teve êxito. Não conseguiu concretizar algumas ideias devido à pandemia. Também a sua vida mudou: é um dos dispensados da TAP. Foi para Tomar, onde estuda restauro e conservação, mantendo vivo o sonho dos sócios. "Quando peguei no centro, o objetivo era criar um núcleo museológico dos centros escolares republicanos. Têm um espólio muito interessante e que não se deve perder. Gostava de o concretizar, apesar das dificuldades.". ceuneves@dn.pt