"Il est interdit d'interdire" - Maio maduro maio, quem te pintou

Das universidades para as ruas, das ruas para as fábricas. Maio de 68 é o momento em que os jovens põem tudo em causa, nas ocupações, nas barricadas e nas greves. E é um toque de despertar para a contemporaneidade de uma França que parecia cristalizada. Confluência de reivindicações e ideologias, é um sonho para quem o vive e um pesadelo para quem o combate. Cinquenta anos depois, recordamos alguns dos protagonistas, entre estudantes, políticos, artistas e intelectuais
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Marguerite Duras

> "Il est interdit d"interdire" ("É proibido proibir") ou "Não sabemos para onde vamos, mas isso não é motivo para não irmos" são duas frases que ficaram na iconografia do Maio de 68 e que são atribuídas à romancista. Duras tem 54 anos mas vive aquele mês com a fogosidade de uma adolescente, nas barricadas, nas reuniões em que incita os contestatários à rebelião, nos textos inflamatórios, nos apelos ao boicote à ORTF (a estação pública de rádio e TV).

François Truffaut

> Nos meses que antecederam a revolta os sinais de descontentamento social multiplicaram-se. O realizador teve um papel central na luta pela manutenção da Cinemateca francesa nas mãos do fundador, Henri Langlois. O ministro das Finanças quis pôr ordem na gestão "anárquica" da Cinemateca, passando o Estado a acionista principal. O ministro da Cultura, o escritor André Malraux, colabora na nacionalização da casa do cinema (que preservou inúmeros filmes da destruição) e no afastamento de Langlois. Dia 14 de fevereiro, umas três mil pessoas manifestam-se e são reprimidas pela polícia. No dia seguinte é criado o comité de defesa da Cinemateca, que junta os cineastas da Nouvelle Vague aos mais velhos. Jean Rouch declara: "Uma revolução cultural está em vias de começar." Dia 18 de março, nova manifestação. Desta vez os estudantes invadem os escritórios da Cinemateca. Um mês depois, o governo recua em toda a linha. Na reabertura das salas de cinema, 2 de maio, véspera da revolta, Langlois agradece a Truffaut, "o homem que salvou a Cinemateca". O autor de Jules e Jim fica na vice-presidência da casa do cinema.

Daniel Cohn-Bendit

> O estudante de Sociologia em Nanterre é um dos contestatários de primeira hora. Em janeiro, quando o ministro da Juventude e do Desporto vai inaugurar a piscina do campus universitário, é confrontado com Dany Le Rouge. Este acusa François Missoffe de escrever "600 páginas de inépcia" no livro branco da juventude, e dá como exemplo ter ignorado a sexualidade. Uma das reivindicações dos estudantes era a criação de residências universitárias mistas. O ministro aconselha-o a dar um mergulho na piscina. No mês seguinte vai a Berlim participar num encontro internacional de estudantes a favor do Vietname. Também por causa da guerra naquele país asiático, participa na primeira ocupação, por horas, do Quartier Latin, quando regressa. No dia 22 de março nasce o movimento com o nome dessa data: 142 estudantes, liderados pelo franco-alemão, ocupam o último piso da universidade. Protestam contra a guerra e contra a prisão de um colega. O estado de revolta prossegue. Com a polícia a fechar Nanterre, Cohn-Bendit e companheiros dirigem-se para a Sorbonne, no dia 3 de maio. A universidade, ocupada por cerca de 400 estudantes, é alvo de intervenção policial. É o eclodir do Maio de 68.

Líderes da juventude

> Se Cohn-Bendit, aos 23 anos, é o líder dos estudantes anarquistas e libertários, Alain Krivine (27 anos) é o comandante dos jovens trotskistas, Alain Geismar (28) chefia o sindicato de professores e Jacques Sauvageot (25) lidera a associação dos estudantes. Cohn-Bendit acaba expulso do país (embora regresse dias depois). Em junho, são proibidas 11 organizações de extrema-esquerda, de maoistas, trotskistas e demais esquerdistas expulsos do PCF. Krivine e Geismar foram presos.

Guy Debord

> As centenas de cartazes e frases poéticas que inundaram o espaço público parisiense em parte devem a inspiração a Debord e seus companheiros situacionistas. Em 1952 funda a Internacional Letrista, movimento artístico de vanguarda que desemboca, cinco anos depois, na Internacional Situacionista, movimento revolucionário e artístico. Marxistas antileninistas e antiestalinistas, também antiburgueses, estão na hora zero da revolta de 68: a edição do panfleto De la misère en milieu étudiant, em 1966, causou escândalo e ondas de choque. No ano seguinte Debord publica A sociedade do Espetáculo, uma crítica à sociedade de consumo. A frase "Ne travaillez jamais" ("Nunca trabalhe"), de Debord, foi uma das primeiras a aparecer nas paredes de Nanterre.

Jean-Paul Sartre

> O filósofo existencialista libertara-se do comunismo há uma dúzia de anos, mas mantinha o fervor do compromisso com a política (apoiou a independência da Argélia e a revolução cubana, por exemplo). Aos 63 anos, vai falar aos estudantes na Sorbonne, aos operários nas fábricas em greve e entrevista Cohn-Bendit para o Le Nouvel Observateur.

Louis Althusser

> Noutro campo do pensamento, o estruturalismo, o professor da École Normale Supérieure introduziu o estudo de Marx na universidade em 1965, tendo influenciado muitos estudantes.

Charles de Gaulle

> Estava no poder há dez anos, os mesmos da V República. O herói da libertação de França era a figura de proa de um regime onde coexistia a censura, a governação por decreto, um conservadorismo com tons de autoritarismo e uma organização pró-colonialista, OAS, a aterrorizar a população (e que atentou contra De Gaulle). A abertura dá-se com eleições presidenciais em 1965, ou com o direito das mulheres a abrir contas bancárias, mas ainda havia muito caminho a percorrer. Às greves gerais que mobilizaram sete a oito milhões de franceses responde com negociações e aumentos salariais, e à crise social com eleições antecipadas, que vence.

Maurice Grimaud

> Revolta contra todos os poderes estabelecidos - e contra a polícia, a primeira linha de defesa da ordem e da autoridade. Já em abril, uma manifestação junto à embaixada da Alemanha, contra o atentado que sofreu o líder estudantil Rudi Dutschke em Berlim, degenerou numa chuva de garrafas contra a polícia. O comandante da polícia de Paris, Maurice Grimaud, nada tem que ver com o antecessor, Maurice Papon, que reprimiu de forma selvática as manifestações pela independência da Argélia em 1961 e 1962 em Paris (mais de cem mortos). "É absolutamente normal que os estudantes se manifestem. Errado é haver violência", dizia na época em que os estudantes ergueram barricadas.

Monique Wittig

> Escritora e revisora nas Editions de Minuit, adere às barricadas, mas cedo conclui que os homens não estão interessados em partilhar o poder. No ano seguinte publica o manual feminista As Guerrilheiras. Funda o Movimento de Libertação da Mulher, com Antoinette Fouque, e em 1970 lidera uma ação de protesto no Arco do Triunfo que a leva à prisão: "Mais desconhecida do que o soldado desconhecido, a sua mulher."

Jean-Luc Godard

> Aos 37 anos, o cineasta franco-suíço envolve-se (e depois casa-se) com a atriz Anne Wiazemsky. É através dela, estudante em Nanterre, que se envolve no meio universitário. Em 1967 realiza dois filmes que anunciam o Maio de 68, La Chinoise (sobre um grupo de estudantes maoistas) e Week-End, uma paródia sobre o rapto de um casal burguês por uma organização revolucionária-canibal. No Maio de 68 vai para as ruas participar e filmar. Com outros colegas de profissão exige a suspensão do Festival de Cannes, em solidariedade para com os estudantes.

Caroline de Bendern

> No dia 13 de maio, a convite de amigos, a manequim de 23 anos participa na sua primeira manifestação. Cansada, salta para as cavalitas do amigo, o pintor Jacques Lebel. Este estende-lhe a bandeira da Frente Nacional para a Libertação do Vietname (que lutava contra os Estados Unidos). "Percebi que estava rodeada de fotógrafos. O instinto de manequim despertou e comecei a entrar no jogo." A foto de Jean-Pierre Rey acabaria por ser publicada um pouco por todo o mundo. A inglesa ficou conhecida como a La Marianne de Mai 68, em referência à efígie da República. Mas pagou um preço: foi deserdada pelo pai, o conde de Bendern, e não recebeu sete milhões de libras.

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