Igreja com floreiras no local onde antes dormiam sem-abrigo

Nem todas as pessoas que dormiam no local aceitaram ser encaminhadas. Associação fala no risco de as equipas perderem o rasto dos sem-abrigo e diz que a solução para o problema da população sem teto não pode ser "continuar a colocar barreiras" na cidade.
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Há agora floreiras onde antes dormiam os sem-abrigo junto à Igreja de Arroios, em Lisboa. As pessoas que costumavam pernoitar no local foram retiradas e a pedido da Junta de Freguesia de Arroios, o espaço foi limpo - no local onde dormiam os sem-abrigo, foram colocadas floreiras. Uma medida que não é bem vista pela Associação Conversa Amiga, que apoia as pessoas nesta situação. Embora a Junta de Freguesia garanta que todas as pessoas foram encaminhadas para diferentes tipos de alojamento, a associação considera que a resposta não é adequada.

No início da semana, o espaço onde os sem-abrigo costumavam dormir, que fica junto à casa mortuária, foi cercado por grades. Contactado pelo DN, o pároco da freguesia de Arroios, Pedro Pedro, remeteu esclarecimentos para a Câmara de Lisboa, que nesta quarta-feira adiantou estar a decorrer "uma intervenção de limpeza do espaço, a pedido da Junta de Freguesia de Arroios".

Margarida Martins, presidente da Junta, confirmou ao DN que decorreu uma "limpeza junto à igreja", onde existia "um problema de higiene pública". "As pessoas que estavam ali não foram postas na rua. Com o apoio de equipas multidisciplinares, foram incorporadas em quartos e associações", assegura, destacando que as pessoas em situação de sem-abrigo que ali pernoitavam "têm direito à sua dignidade".

Junto à parede onde sete ou oito pessoas costumavam passar as noites, foram colocadas "floreiras simples, baixas, pequenas". O objetivo, diz Margarida Martins, "é que as pessoas que cheguem ali não sejam escorraçadas, mas encaminhadas pelas entidades competentes". Para o realojamento dos sem-abrigo, a junta de freguesia contou com o apoio de entidades como a Santa Casa da Misericórdia e o Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA) de Lisboa.

Teresa Bispo, coordenadora do NPISA de Lisboa, confirma que "houve uma decisão por parte da junta de freguesia e do pároco de fazer uma intervenção e colocar floreiras" naquela zona. Juntamente com "a orgânica da câmara", o NPISA tratou de "reforçar o trabalho diário para fazer o encaminhamento das pessoas e dar apoio". Consoante cada caso, prossegue, foram dadas alternativas de pernoita em centros de acolhimento e resposta de emergência, "mas há pessoas que não querem nenhuma destas respostas".

Numa primeira fase, conta Teresa Bispo, as pessoas em situação de sem-abrigo foram encaminhadas para alojamentos, mas chegaram mais pessoas à igreja de Arroios no fim de semana passado. "E nem todas aceitaram o encaminhamento". Isto porque, explica, "aceitar o apoio decorre de um trabalho de continuidade".

"É assim que vamos tratar esta questão?"

Duarte Paiva, presidente da Associação Conversa Amiga, não concorda com a medida adotada na freguesia de Arroios. "Se quiserem continuar a colocar barreiras arquitetónicas, vão-se arranjar muitos argumentos para o fazer. Mas é assim que vamos tratar esta questão?"

Esta medida, critica Duarte Paiva, "só resolve o problema daquela paróquia e daquele padre". "Se todas freguesias, paróquias e cantos da cidade resolverem empurrar as pessoas, não sei o que esperam que aconteça". Um dos problemas que decorre deste tipo de iniciativas é "as equipas de rua perderem constantemente o rasto das pessoas, pelo que o trabalho que é feito e os resultados perdem-se".

Embora tenha sido feito o encaminhamento da maioria das pessoas, Duarte Paiva diz que "isso não significa que haja sucesso a curto e médio prazo". Se não houver "uma boa inclusão", o realojamento pode falhar. "O processo de inclusão requer mais esforço do que colocar as pessoas num determinado sítio. E não sei se isso foi garantido em todas as situações", sublinha.

O responsável pela ACA diz que "normalmente, quem dorme num determinado local cuida do sítio". Contudo, reconhece que, "por vezes, há problemas de saúde mental associados".

Sobre as questões de higiene, Duarte Paiva considera que "se calhar o que precisamos são mais casas de banho e balneários públicos, que também sirvam a população em geral".

O DN sabe que, além dos problemas de higiene, chegaram a existir queixas relacionadas com a perturbação de velórios, que decorrem junto ao local onde a população sem-abrigo costumava pernoitar.

De acordo com os dados do "Plano municipal para a pessoa em situação de sem-abrigo 2019/2021", que se encontra em discussão pública, há 361 pessoas a viver na rua na cidade de Lisboa, sendo que o executivo pretende tirar todas as pessoas da rua até 2021.

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