Ian Bonhôte: " Este documentário foi escrito como uma tragédia grega"

O realizador de <em>McQueen</em>, o documentário sobre Alexander McQueen em estreia nos cinemas nesta quinta-feira, veio a Lisboa lançar o filme numa festa nos jardins do Museu da Cidade e o DN falou com ele. Um cineasta que acredita nas benesses do documentário-entretenimento
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A vida e a obra de Alexander McQueen, o maior criador de moda da Grã-Bretanha. O filme de Ian Bonhôte e Peter Ettedgui é um documentário que vive de imagens de arquivo e de uma pesquisa através de entrevistas com cúmplices, família e os amores de um rapaz com peso a mais e uma educação num bairro social e que se tornou a maior sensação da indústria de moda mundial.

A câmara dos dois realizadores compõe um retrato de um artista que ficou afetado pela forma como ficou famoso e como conseguiu criar uma máquina profissional que o levou às maiores casas de moda, em especial a sua transferência para Paris, para a Givenchi. Mas McQueen é também um retrato da sua toxicodependência e da forma como nunca conseguiu abrandar num exigente e canibal ritmo de trabalho. Pontuado pela música de Michael Nyman, o documentário é uma dissertação entretida sobre como podemos vender a alma ao diabo. É destinado sobretudo aos fãs deste ícone que faleceu em 2010 após não conseguir aguentar tanta pressão de um mundo que o vampirizava.

Viram Alexander McQueen como alguém que era sobretudo um artista e não tanto um designer de moda, certo?

Era um génio. No Canadá tivemos uma pessoa que veio ter connosco e que nos confessou que graças a ele não se suicidou... Tratava-se de um ícone que era também um moço gay gordo que inspirou muita gente. Foram muitos os que perceberam pelo exemplo de Lee [Alexander McQueen] que não precisavam de ter um corpo sexy para serem livres na sua sexualidade. Apesar de ter muitos problemas, o Lee fez que muitos rapazes gay aceitassem os seus corpos imperfeitos. Acredite, na comunidade LGBT ele é mesmo um enorme símbolo! Libertou muita gente do estigma que sem beleza não é possível ser aceite socialmente.

Quiserem dar ao filme um certo fôlego punk?

Preferimos uma vibração aleatória. Sou também um tipo sem fórmulas e estou muito feliz por estarmos a viver dias no cinema-documentário em que não há só uma maneira de fazer as coisas. Mas, mais do que as histórias, no cinema atraem-me as emoções. No cinema quero fazer que o público sinta coisas! Sentir através dos outros...

A maneira como usam a música de Michael Nyman no filme é muito forte. Surge, de alguma forma, como uma personagem...

O Michael Nyman é muito igual ao Lee...Um gajo que é tradição, punk e contemporaneidade. Ao reinventar a tradição criou algo novo! São muitos que desconhecem o facto de Nyman já ter feito música eletrónica, nomeadamente com um carácter experimental. E não esquecer que o Lee estava obcecado com O Piano [banda sonora a cargo de Michael Nyman]. Muitas vezes ele trabalhava de noite a ouvir essa banda sonora. Depois de ver o filme, Lee obrigou amigos e família a verem e a reverem o filme uma série de vezes. O Piano tornou-se uma obsessão e os dois ficaram depois amigos. Aliás, o Nyman tocou no memorial de Lee. Não é por acaso que eram rapazes de Stratford, de famílias de classe baixa. Tudo isso fez-nos ir ao encontro de Nyman, que quando nos conheceu começou logo por contar que tinha música especialmente composta para um desfile de Lee. E nós usámos essas músicas. Músicas que nunca tinham sido usadas por Lee em nenhum desfile. Um dos temas pusemos naquele momento em que aparece a Kate Moss. É interessante, depois da morte de Lee acabámos por voltar a juntá-lo com o Michael Nyman. Também é interessante o seguinte: quando acabamos um filme ficamos perante uma perceção visual e emocional, mas depois falta a música. Só que aqui foi diferente. O Michael ofereceu-nos a sua música e nós usámo-la durante a feitura do filme. Muitas vezes fomos à procura das imagens para servir a música.

Tem dito que queria fazer um filme emocional, mas pergunto se não terá querido também ir para a tragédia...

McQueen é um filme muito trágico mas há partes pelas quais estou apaixonado. Uma delas é o começo, que é muito divertido. Já mostrámos este filme nos quatro cantos do mundo e muita gente ri imenso. Este documentário foi escrito como uma tragédia grega e, como em todas as tragédias gregas, sabes que vai acabar mal. Logo, o nosso desafio era fazer que as pessoas nunca perdessem o envolvimento. Queríamos que o envolvimento fosse pela personagem e pela história. A ideia era que a dada altura o público se esquecesse sobre o destino de Lee ou, mesmo que não se esqueça, que espere secretamente que não aconteça a tragédia.

Com aquela estrutura e todas as traições em redor de Alexander McQueen, o feeling também não é shakespeariano?

Por completo. Você não está doido. Ouça, muita gente quando realiza um documentário pensa nas entrevistas como informação. Nós não. Esforçámo-nos para que todos os que falem no filme tivessem um papel e que depois não surgissem mais. Só um ou outro é que reaparece na história.

A Madonna postou nas redes sociais a favor deste filme. Ficou surpreendido?

Ela é uma grande fã. Foi ela quem nos contactou para ver o filme, mas o que é incrível é que o Woody Allen também nos pediu para ver o filme. Foi através do seu assistente e, a princípio, nem queríamos acreditar. Quando vi que era verdade apenas pedi ao assistente para pedir ao senhor Allen a sua opinião, coisa que ele nunca dá, goste ou não dos filmes. Isso foi algo que o assistente avisou logo. E qual não é o nosso espanto quando, três dias depois, recebo um e-mail do Woody Allen a dizer que gostou muito!

Não é nada mau ter a Madonna e o Woody Allen a apoiarem o filme...

Sim. Mas não fiz este filme para este tipo de pessoas. Faço cinema para o público e para mim próprio. Para mim porque sou o primeiro que tem de se emocionar. Se me comovo com o meu filme, então espero que as outras pessoas também o possam fazer. McQueen está a ser uma viagem espantosa em termos de resposta das plateias.

Fez um filme publicitário com Lionel Messi, é verdade que lhe falta carisma?

Ele tem carisma, mas não é como o Cristiano Ronaldo - não está a tentar conquistar nada. O Lionel tem o seu estilo e é um génio. Um génio que não teve de trabalhar para chegar onde chegou, enquanto o Ronaldo é ao contrário: teve de trabalhar muito. Gosto do Lionel, é um tipo sério, um homem de família, fiel à sua seleção e ao seu Barça.

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