Hollywood não desistiu do realismo social
Face à estreia de um filme tão brilhante como Viver à Margem, com argumento e realização de Oren Moverman (cineasta americano, nascido em Israel, em 1966), talvez seja útil interrogarmo-nos sobre a perceção corrente, em particular no espaço televisivo, da atual produção americana. Ou seja: quando Hollywood e as suas filiais gastam a esmagadora percentagem dos seus orçamentos publicitários a promover aventuras de "super-heróis" (cada vez mais barulhentas, formatadas e repetitivas), será que ainda existe mercado capaz de acolher um filme tão diferente, ousado e inventivo como este?
A pergunta justifica-se tanto mais quanto, embora construído a partir da observação de um contexto contemporâneo - as atribulações de um sem-abrigo na imensidão da grande metrópole novaiorquina -, Viver à Margem é um objeto obviamente devedor de toda uma nobre tradição ("hollywoodiana", precisamente) em que a observação das convulsões sociais se traduz numa elaborada valorização das componentes dramáticas, da consistência das personagens e também do trabalho específico dos atores.
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Neste aspeto, Moverman consegue que o seu intérprete principal, Richard Gere, tenha em Viver à Margem uma das melhores composições de toda a sua filmografia, emprestando à personagem de George, o sem-abrigo, uma estranha densidade que nem sequer depende do conhecimento das atribulações do seu passado - em boa verdade, a resistência a lembrar tais atribulações constitui mesmo um dos fundamentais traços de definição da personagem. Aliás, o elenco é todo ele exemplar, com destaque para a sempre subtil Jena Malone, no papel da filha de George, e Ben Vereen (lembram-se dele em All That Jazz, há quase 40 anos?), compondo um sem-abrigo dotado de um contagiante gosto pela especulação moral.