Hollande defende justiça para acalmar subúrbios parisienses

Amigo do jovem alegadamente violado pela polícia revelou que terá sido espancado por um dos agentes envolvidos no caso Théo
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Sarah fez questão de falar. De deitar cá para fora a revolta. De apontar o dedo. "A culpa é da polícia. É preciso dizer a verdade. Sempre que há uma detenção há um polícia que levanta a mão para a vítima", disse a jovem. Sentado à mesma mesa, num centro de reinserção social em Aubervilliers, François Hollande ouviu ontem as suas queixas antes de falar. "É preciso que seja feita Justiça e que não persista uma sensação de impunidade", sublinhou depois o presidente francês.

A presidência e o governo têm procurado passar uma mensagem de tranquilidade em resposta à violência que tem incendiado as noites nos subúrbios de Paris. De um lado, a polícia. Do outro, jovens que vivem em bairros desfavorecidos.

Tudo começou no início do mês, depois de Théo, de 22 anos, ter sido, ao que tudo indica, abusado por quatro agentes e violado com recurso a um cassetete durante um interrogatório. Três dos polícias estão acusados por agressão e outro por violação. Os apelos do jovem - que recebeu a visita de Hollande no hospital - para que as manifestações fossem pacíficas acabaram por não ser ouvidos. Em vários locais dos arredores da capital francesa, especialmente em comunas pertencentes a Seine-Sant-Denis, os protestos tornaram-se violentos e os confrontos com a polícia arrastam-se desde então. Montras partidas, carros incendiados e cocktails Molotov têm feito parte do enredo das noites nos chamados banlieue, ou subúrbios. Na madrugada de terça-feira houve pelo menos 25 jovens interrogados e 17 automóveis queimados.

Ontem o Le Nouvel Observateur divulgou o testemunho de um amigo de Théo. Mohamed K. revelou ao jornal que uma semana antes também ele foi espancado por um dos polícias envolvidos no caso Théo. "Algemaram-me, atiraram-me ao chão, esmagaram-me a cabeça, deram-me pontapés nos olhos. Eu via o meu sangue no chão", relatou o jovem também de 22 anos. "São acusações muito graves. É preciso esclarecer o assunto", disse à agência AFP um porta-voz do Ministério do Interior. "Não quero deixar passar nada em claro, mas não quero confundir assuntos. Quando há comportamentos que merecem ser sancionados então devem sê-lo", acrescentou ainda, tal como explica o Le Monde, o ministro Bruno Le Roux.

São cada vez mais as comparações entre os distúrbios dos últimos dias e os protestos de novembro de 2005, que se saldaram em 10 mil carros incendiados e duas pessoas mortas. Também aí os incidentes começaram em Seine-Saint-Denis, espalhando-se depois por outras cidades. A violência explodiu quando os jovens Zyed Benna (17 anos) e Bouna Traoré (15 anos) morreram ao tentar fugir de um controlo policial. A situação piorou depois de o então ministro do Interior Nicolas Sarkozy - que viria a ser presidente de França entre 2007 e 2012 - ter classificado os jovens dos subúrbios parisienses como racaille (escumalha). Terminologia que ainda ontem voltou a ser utilizada por Marine Le Pen, líder da Frente Nacional e favorita à vitória na primeira volta das eleições presidenciais.

Em entrevista ao Le Figaro, Sebastian Roché - diretor do centro nacional francês para a investigação científica e especialista em segurança e subúrbios - não tem dúvidas de que é possível estabelecer um paralelo entre as duas situações. "É o mesmo contexto de fundo, os mesmos bairros, as mesmas populações e, sobretudo, o mesmo antagonismo em relação à polícia".

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