"Hoje a comunidade judaico-americana está no seu melhor no que toca a poder, educação, recursos"

O diretor-executivo da Associação para o Estudo do Médio Oriente e África (ASMEA, sedeada em Washington) esteve em Portugal para uma conferência na Universidade Nova sobre segurança e geopolítica. O DN conversou com o historiador Asaf Romirowsky durante a sua passagem por Lisboa, sobretudo sobre o tema do judaísmo no EUA e as relações EUA-Israel.
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É possível dizer-se que ainda existe um consenso nos dois grandes partidos americanos no que respeita ao apoio a Israel?

Sim. Se olharmos para o Congresso vemos que existe uma maioria abrangente no aparelho político americano que considera que as relações entre os Estados Unidos e Israel são um valor acrescentado, o que assegura esse apoio. Alexander Haig disse uma vez que no que toca a Israel e às relações com os EUA, elas representam o porta-aviões no âmbito da própria região. A América continua comprometida com o que é conhecido como a Vantagem Militar Qualitativa de Israel no que respeita ao Médio Oriente e penso que eles compreendem e apreciam isso, para não falar do facto de que a tecnologia militar de Israel tem ajudado o exército americano no Iraque, no Afeganistão, e eles compreendem o valor militar tangível. As ligações continuam relativamente às informações militares e essas coisas são boas e muito sólidas. As divergências políticas representam um lado diferente do debate e é isso que está a acontecer, mas no geral a maioria concorda com os valores e um sistema partilhados e entende que isso tem de ser mantido e trabalhado. Não é um dado adquirido o ponto em que nos encontramos hoje no que respeita ao crescimento de novos partidos políticos, de partidos de franja, que são uma espécie de detratores, mas a maioria apoia a ideia da ligação com Israel. Os Estados Unidos foram o primeiro país a reconhecer o governo do Estado de Israel.

Em relação à integração dos judeus na América, às vezes as pessoas comparam com Israel que é o tal lar nacional para os judeus, mas, da mesma maneira, os EUA são um excelente lugar para os judeus viverem. Como é que é a integração dos judeus na sociedade americana? Eles são cada vez mais judeus americanos ou ainda mantêm uma ligação forte com Israel?

A América é um caldo cultural. Atualmente a comunidade judaico-americana está no seu melhor no que toca a poder, educação, recursos. As histórias de sucesso no que respeita à integração continuam a existir e penso que é importante manter esse legado da comunidade. No meu ponto de vista, os problemas que existem hoje são sobre o debate dessa identidade judaica nos Estados Unidos, que está a tentar separar o sionismo dessa identidade, e se os judeus americanos estão ou não céticos em relação ao que está a acontecer dentro do poder israelita. Houve duas gerações anteriores, das quais a maior foi a do pós-Segunda Guerra Mundial, que percebiam as implicações de não terem um Estado. Passados 75 anos há fissuras nessa perceção e temos de trabalhar nisso no campo educacional e ajudar a compreender o facto de que o sionismo e a identidade judaica são um componente crucial dessa identidade. Penso que o importante é que a comunidade judaica americana é uma história de sucesso e que a questão agora está na próxima geração, porque atualmente, historicamente falando, esta é a última geração em que ainda há sobreviventes do holocausto. Estes devem partilhar a história para que o legado continue, de forma a manter o maravilhoso americanismo, mas também para manter o judaísmo.

De que forma é que pensa que os judeus influenciaram os Estados Unidos? Qual é a maior contribuição dos judeus para o que são os Estados Unidos hoje, uma vez que estão nas artes, nos negócios, em todo o lado?

Em todo o lado. Isso faz parte da sua história de sucesso, essa capacidade de integração na sociedade americana, que acolheu bem os judeus, deixando-os ser qualquer espécie de judeus que quisessem ser, desde os mais conservadores e ortodoxos aos mais liberais. Existem todas as matizes de judeus que se sentem confortáveis a viver nos Estados Unidos devido àquilo que o país lhes deu. Uma coisa crucial na história dos judeus americanos é o facto de eles terem sentido a necessidade de retribuir, de contribuir. Historicamente falando, quando Israel foi fundado em 1948, a única pessoa judia que o presidente Harry Truman conhecia era Eddie Jacobson, mas devido a essa relação, Eddie Jacobson abriu a porta a Chaim Weizmann para que este pudesse explicar ao presidente a razão pela qual os judeus mereciam ter a sua própria terra. Aqui estamos, 75 anos depois, e temos judeus envolvidos em todos os aspetos da sociedade americana, tal como já disse, na cultura, na política, na música, vencedores de prémios Nobel... Só ainda não houve um presidente americano judeu...

Mas não há nenhum tabu em relação a isso, é apenas uma questão de oportunidade?

Certo. Claro que há estereótipos, nós lutamos contra o racismo, o antissemitismo e outros desafios, mas penso que no que respeita ao tecido da sociedade americana, as contribuições judaicas são todas cruciais. Acho que é exatamente por isso que vemos atualmente um aumento da preocupação com os níveis de antissemitismo, porque eles são vistos como uma ameaça direta aos americanos. Eles são judeus americanos e devido ao crescimento das ameaças contra os judeus, com vários ataques a sinagogas, etc., estes ataques são vistos como sendo contra os próprios americanos.

Esse antissemitismo na América é principalmente contra a ação de Israel?

Não. Também, mas não só. Os judeus ortodoxos estão a ser atacados em Nova Iorque, aqueles que usam as vestes tradicionais, e estão a ser atacados porque são judeus, não pelas suas políticas em relação a Israel. Os ataques às casas de oração dos judeus, às sinagogas onde os judeus estão a rezar, não têm nada que ver com Israel. Como vimos, por exemplo, em Pittsburgh, em 2018, eles entram nas sinagogas porque os judeus estão a orar. É como quando entram numa igreja ou numa mesquita, os alvos são indivíduos. A intelectualização do debate, que salienta a atitude para com a política de Israel, está atentar normalizar o antissemitismo, mas os ataques de ódio contra judeus acontecem porque eles são judeus.

Disse que existia consenso entre os partidos políticos dos EUA em relação a Israel. Como é que está a imagem de Israel na população americana?

Penso que no que toca aos valores partilhados, as pessoas entendem Israel como tendo os mesmos valores americanos que elas próprias têm. Acho que não há conhecimento suficiente sobre Israel na generalidade das pessoas, a maioria dos americanos não são assim tão versadas em política internacional, mas também acho que a nível político e mesmo a níveis locais as pessoas compreendem o valor da interação com Israel, até em questões de direitos humanos, ou de colaboração militar, que são tangíveis. Quando falo na universidade, tenho muitos dos meus estudantes que já serviram no exército e que fizeram jogos de guerra com os israelitas e que compreendem que Israel ajuda no combate e na proteção das tropas dos explosivos não convencionais. São coisas importantes e cruciais. Já para não falar a nível cultural, hoje em dia há um crescimento fenomenal de restaurantes israelitas na América, há um fascínio cultural pelo Médio Oriente. Penso que isso são coisas que permitem às pessoas apreciar Israel como um país normal.

Enquanto judeu americano e académico que estuda o Médio Oriente, qual é a sua opinião sobre Israel 75 anos depois da independência? Sei que há muitas divisões na sociedade, entre judeus liberais e judeus religiosos e entre judeus e a minoria árabe, mas pode-se dizer que é uma história de sucesso, mesmo com todos os problemas e com tanta hostilidade à volta?

Sim. Na minha cabeça, o empreendimento sionista e a experiência de 75 anos é uma história de sucesso. Mesmo a nível diplomático, o facto de Israel ter normalizado as relações com o Egito, a Jordânia, e agora Emirados, Bahrein, Sudão e até Marrocos... É uma normalização fenomenal da mudança no paradigma de Israel. Além das contribuições culturais e tecnológicas - muitas das bases de Pesquisa e Desenvolvimento para as indústrias americanas de Silicon Valley estão em Israel, carros elétricos, irrigação, toda a tecnologia. Para um país tão jovem, com 75 anos de vida, as contribuições a nível económico, político, cultural, são fenomenais. Acho que isso é sucesso. O debate interno que vemos faz parte do crescimento de um país que, com 75 anos, é relativamente jovem, portanto vamos ter de esperar para ver como Israel evolui para o próximo milénio. Vai avançar e os debates vão acontecer.

Pensa que a ideia de manter Israel democrático e judeu é um desafio?

Sim, penso que é. Temos a antiga questão no que se refere ao Estado de Israel que é ser um Estado de judeus ou um Estado judeu, que era uma questão fundacional - manter a natureza e o caráter democráticos do Estado de Israel sendo o único país judeu. Muitos dos seus valores são sinónimos dos valores ocidentais, muito das relações entre os Estados Unidos e Israel deve-se a esses valores partilhados, mas o debate a que assistimos agora sobre a Constituição e sobre a tentativa de uma reforma é uma coisa que faz parte da evolução. Israel precisa de olhar cuidadosamente para estes elementos, para pensar no caminho por onde vai a seguir. Os pais fundadores do Estado de Israel eram comunistas, socialistas e mesmo assim o país evoluiu e tornou-se uma sociedade democrática. Penso que o que eles precisam de resolver é a maneira de manter isso e de avançar em direção ao futuro. Os pais fundadores já não fazem parte do mosaico da sociedade israelita, agora estamos a falar da próxima geração e das que virão a seguir e de tentar formatar e manter o caráter e as intenções dos pais fundadores assim como de manter o Estado de Israel.

Pensa que para o futuro de Israel, uma solução para o problema palestiniano - sei que há vários tipos de soluções propostos que vão desde o Estado Único aos Dois Estados - deve ser uma prioridade para o governo israelita?

Penso que é uma prioridade. O status quo continua neste padrão a que chamo uma guerra entre guerras. Estamos perante pelo menos três entidades - Gaza com o Hamas; com as organizações islâmicas não vai haver relações porque elas estão comprometidas com destruir o Estado de Israel; a normalização tem de ser entre a Autoridade Palestiniana, a OLP, e o Estado de Israel, mas para que isso aconteça o trabalho duro tem de ter lugar à volta da mesa das negociações. A ideia de tentarem um acordo caído de paraquedas vindo das Nações Unidas ou outras potências estrangeiras, não vai acontecer. O trabalho tem de ser feito à mesa de negociações e exige uma mentalidade de cedência de parte a parte. Eu penso que o que mudou foi que por causa da normalização com outros países da região, o aspeto palestiniano não é considerado uma peça central, por isso há uma continuação de uma espécie de avançar com o status quo, mas tem de haver algum debate sobre a forma como é que se pode avançar. Portanto, penso que é uma prioridade, mas cai na prioridade de todos os outros aspetos que existem à frente - ameaças que podem chegar, como a ameaça do Irão, que é um aspeto existencial. Tem de haver uma compreensão do que é mutuamente benéfico para ambas as partes. O que os laços com o Golfo têm agora de bom é que, pela primeira vez, vimos durante o Dia em Memória das Vítimas do Holocausto, académicos muçulmanos, membros dos Emirados a dizerem que compreendiam agora a história judaica, o valor de compreender o outro. Isso tem de ser traduzido numa dinâmica entre israelitas e palestinianos. Compreender o outro e perceber o que pode ser a paz é compreender a história do outro. Acho que para isso é necessário educação e muita compreensão.

Também exige coragem.

Sim, coragem claro, totalmente de acordo.

leonidio.ferreira@dn.pt

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