Heroína da revolução no Egito é insultada na rua cinco anos depois

A bloguista e jornalista Esraa Abdel-Fattah, que ajudou a derrubar o regime de Hosni Mubarak, a 11 de fevereiro de 2011, denuncia que os egípcios continuam a viver no medo
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Em 2011, a ativista Esraa Abdel-Fattah ajudou a acender a revolução nas ruas do Egito e foi nomeada para o Prémio Nobel da Paz. Cinco anos depois da queda do regime do ditador Hosni Mubarak, é ignorada e insultada pelos egípcios nessas mesmas ruas.

"Dizem que eu sou traidora, uma agente do estrangeiro e que nós somos responsáveis pela destruição do país", disse Esraa Abdel-Fattah. "Algumas pessoas ainda perguntam: "Qual era o problema com Mubarak?"

Abdel-Fattah e o seu pequeno grupo de ativistas foram em tempos vistos no Egito como a esperança para o fim da corrupção e da repressão e o despertar de uma nova era marcada pela liberdade de expressão e por um Estado que respeita os seus cidadãos. Hoje, solitária no seu apartamento, espera que os egípcios se revoltem novamente para lutar pela democracia, apesar de a repressão feroz que o seu país enfrenta novamente.

"Não sei se as pessoas vão sair à rua amanhã, no próximo ano ou no outro a seguir a esse", disse a jornalista de 39 anos à Reuters na sua casa em Sheikh Zayed, nos subúrbios da cidade do Cairo. "A revolução acontece quando as pessoas exigem liberdade, justiça e dignidade. As pessoas não vão parar de exigir esses direitos."

Abdel-Fattah ajudou a organizar as manifestações que se iniciaram a 25 de janeiro de 2011 e, 18 dias depois, levaram ao fim de 30 anos de regime de Mubarak (mais precisamente a 11 de fevereiro). Mas desde então o Egito regressou ao que os defensores dos direitos humanos consideram um Estado autoritário, depois de anos em conflito. A Irmandade Muçulmana foi eleita após a queda de Mubarak. Um ano depois, o movimento islamita foi derrubado pelo chefe das Forças Armadas Abdel Fattah al-Sisi, na sequência dos protestos contra o seu governo turbulento.

Esraa Abdel-Fattah foi uma das fundadoras do Movimento Juvenil 6 de Abril, que ganhou força nos protestos de rua de 2011. Conhecida como "a rapariga do Facebook", juntou-se a outros ativistas das redes sociais na criação de uma página da web para convencer jovens a participarem numa manifestação de apoio aos trabalhadores de uma cidade industrial. Foi detida, mas não por muito tempo.

40 mil ativistas detidos

Para Abdel-Fattah, não compensa ser ativista num Egito dominado por Sisi, que acabou por ser eleito presidente, tornando-se o último militar a governar o país. Desde que Sisi assumiu o poder, estimativas de grupos de defesa dos direitos humanos indicam que as forças de segurança detiveram cerca de 40 mil ativistas políticos, tanto islamitas como liberais.

Protestar sem a autorização da polícia é agora um crime, motivo pelo qual Abdel-Fattah não planeia organizar manifestações num futuro mais próximo.

Muitos egípcios, ansiosos por estabilidade depois de anos de turbulência política, apoiaram a repressão de Sisi, que o governo descreve como um esforço para acabar com os terroristas islamitas. "Todos aqueles que protestarem serão presos. Mesmo aqueles que escrevem as suas opiniões no Facebook ou no Twitter serão questionados pelas suas palavras", explicou Abdel--Fattah.

Os poderosos media estatais classificam agora Abdel-Fattah e outros elementos essenciais das manifestações de 2011 como "inimigos do Egito. Aqueles que não estão atrás das grades sentem-se como párias". Abdel-Fattah não perde, porém, a esperança.

Famílias destruídas

"Ninguém estava à espera de que a revolução de 25 de janeiro de 2011 tivesse aquele resultado. Eu vi nos olhos das gerações mais novas a ideia e o sonho de uma revolução que ainda está presente", disse aquela ativista egípcia na sua conversa com a Reuters. "Estou pronta para desempenhar o meu papel - quer ele seja grande ou pequeno - e completar esta revolução. Posso ir presa por causa de um tweet ou qualquer coisa que diga."

Abdel-Fattah acredita que a constante pressão contra opositores do governo irá, eventualmente, virar-se contra ele e gerar novos apelos à liberdade. "A prisão constante de pessoas inocentes não pode continuar. As famílias estão a ser destruídas", disse Abdel-Fattah.

"Também há pessoas que são detidas sem acusações e podem ficar presas até durante três ou quatro anos. Não acredito que isto possa continuar assim. A revolução vive dentro de nós. Ela vai chegar", garantiu a ativista.

Esraa Abdel- Fattah não precisa de procurar muito para encontrar uma prova de que Sisi está bem agarrado ao poder. Ao seu lado tem um poster, feito pelos seus amigos para a animar, no qual se pode ler "Deixem a Esraa voar".

Apoiantes do governo dizem que ela e outros ativistas receberam fundos do estrangeiro para organizarem protestos e conspirarem contra o Estado. Eles negam todas essas acusações, que não foram atestadas em tribunal, mas Abdel-Fattah está proibida de abandonar o Egito.

No Cairo,

jornalista da agência Reuters

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