Helena Roseta: "Não temos falta de casas, temos é falta de casas acessíveis"

As votações para o pacote legislativo da habitação deviam ter começado nesta quinta-feira, mas foram adiadas porque o PS apresentou novas propostas de alteração. Helena Roseta falou com o DN sobre as medidas para a habitação e a falta de insistência dos partidos nesta matéria.
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A deputada do PS Helena Roseta é a coordenadora do primeiro grupo de trabalho sobre Habitação, Reabilitação Urbana e Políticas de Cidades da Assembleia da República. Um grupo que foi aceite "com muita dificuldade", como frisou. Aos 70 anos a arquiteta tem em mãos a maior crise que Portugal vive: a da habitação. O início da resolução deste problema poderá estar na aprovação da primeira Lei de Bases da Habitação. O DN conversou com a deputada, que também é presidente da Assembleia Municipal de Lisboa desde 2013 (para onde foi eleita como independente), sobre um assunto que ainda não está assumido "em termos de prioridade" pelos partidos políticos no Parlamento, sobre a situação "insustentável" que a capital vive e sobre a urgência de investir mais na habitação.

uma urgência na criação desta Lei de Bases da Habitação?

As matérias de habitação são matérias que durante muito tempo estiveram fora da agenda [política]. Fui eu que propus, no início desta legislatura, que se criasse um grupo de trabalho de habitação. Lá foi aceite, com muita dificuldade, a constituição de um grupo dedicado à Habitação na Comissão de Poder Local. Isto porque, antigamente, as questões da habitação estavam dispersas. Umas iam para a Comissão de Economia, outras para a dos Direitos, outras para a das Finanças e agora passa tudo pelos mesmos deputados. O projeto de Lei de Bases da Habitação prevê dar algum sentido ao conjunto de políticas que integram as políticas públicas de habitação. Essa é a razão de ser desta lei.

Até porque o direito à habitação é o Artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa, de 1976...

É um direito constitucional, tal como é a saúde, tal como é a segurança social, tal como é a educação. Todas têm leis de bases há muitos anos, porque é que a habitação nunca teve lei de bases? A habitação é um direito e é um mercado. Acontece o mesmo com outras áreas. Na educação também há educação privada e pública, na saúde também. Mas havendo uma lei de bases que define claramente o papel do público, os cidadãos ficam mais defendidos. Qual é a diferença entre a habitação e estes outros setores? Não temos propriamente um sistema público de habitação.

Lisboa, Porto e outras cidades vivem agora uma situação em que os antigos prédios de habitação foram convertidos em alojamento local [AL].

Entramos numa fase de espiral que está subir muito rapidamente. Em vez de haver mais arrendamento, as pessoas querem ver-se livres do arrendamento para irem para o alojamento local. Os senhorios começaram a enviar cartas para as pessoas - que julgavam ter casas mais ou menos seguras e que a renovação [do contrato de arrendamento] era automática -, e nem precisavam de despejar os inquilinos, bastava dizer que não renovavam.

E em Lisboa a situação está mais degradada...

Neste momento, em termos de habitação, na cidade de Lisboa estamos com uma situação insustentável!

Mas acha que a Câmara Municipal de Lisboa está a fazer os possíveis para mitigar o problema?

A Câmara de Lisboa está a tentar responder... Costumo dizer que é uma luta de David contra Golias. Mas não acontece apenas em Lisboa. O que está acontecer é global. Enquanto as taxas de juro estiverem assim tão baixas e o investimento seguro for rentável, o capital desloca-se para aqui e, portanto, a pressão é muita. Se a este quadro juntarmos o facto de que não havia uma política de habitação nem havia nada com esse nome... Havia apenas uma estratégia aprovada no final do anterior governo, mas que também era teórica. Ainda hoje acho que a habitação não está assumida em termos de prioridade. No Orçamento do Estado para 2019, nas exigências feitas pelos partidos, não se vê nada em matéria de habitação e acho que se devia estar a bater o pé para subir o investimento público na habitação.

"Senhorios ganham mais no AL"

As medidas para a habitação não integram o Orçamento do Estado para o próximo ano?

Está a ser discutido, mas não está no Orçamento do Estado, está neste pacote legislativo [que devia ter começado a ser discutido nesta quinta-feira].

E o que está em cima da mesa?

Os partidos apresentaram várias propostas de alteração. Do lado dos que querem alterações em função da duração do contrato, o CDS-PP propõe baixar a taxa liberatória logo a partir de um ano de arrendamento para os 23% - atualmente são 28% - para cinco ou mais anos para 15% e para mais de oito anos de arrendamento para os 12%, mas independentemente do valor da renda. Para o CDS-PP tanto fazia ser uma renda de 500 euros ou de cinco mil euros. O PSD vai por um caminho mais complexo. Para contratos de arrendamento entre dois e cinco anos, propõe baixar gradualmente a taxa liberatória de dois em dois anos. Para os contratos de de cinco ou mais anos, o PSD quer baixar já para 21% e depois para 12%. A dificuldade deste mecanismo é não sabermos os que vão ser os Orçamentos do Estado dos próximos anos. Do lado do governo, há uma proposta para o arrendamento acessível, que é zero por cento de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares [IRS], mas para ter zero por cento é preciso ter uma autorização da Assembleia da República para isentar as casas que vierem a entrar neste programa e, neste momento, não há nenhuma garantia de que esta proposta seja aprovada. É uma proposta altamente interessante, [porque] é para rendas com duração de contrato igual ou maior do que três anos, renováveis até cinco. Ou, então, é para estudantes.

Que essencialmente é...

Pedir [aos senhorios] que baixem na renda para ter uma compensação de 28%. Este programa foi pedido para o OE de 2018, mas a proposta foi chumbada pela esquerda, razão pela qual está a ser negociada [novamente] agora.

Mas será que compensa aderir a estes programas em vez de ir para o alojamento local?

No alojamento local [os proprietários] ganham mais, mas aqui podem ter uma coisa segura, associada a um rendimento certo. Não há falhas, sobretudo para investidores coletivos, os chamados investidores da "família prudência".

E se este pacote não entrar no OE?

No Orçamento do Estado para 2019 não vai entrar, depois fica só para o ano fiscal de 2020, que já não é connosco, é com quem cá fica.

Mesmo que o PS fique no governo?

Pode ser o mesmo partido, mas não é o mesmo governo. Agora temos de dar o tudo por tudo.

Vai ser possível?

Tenho muita pena de que não se tenha começado pela Lei de Bases da Habitação. De repente temos 20 e tal diplomas e estamos a resolver coisas pontuais em vez de ter uma visão global.

Em linhas gerais o que é que se pode esperar deste pacote legislativo?

Há quatro tipos de medidas: promoção pública direta; medidas fiscais (que estivemos aqui a discutir); apoios financeiros (juros bonificados antigos de há 30 anos que o Estado ainda está a pagar quando devia tudo ser reanalisado, mais do que dá para a Porta 65 Jovem, que é uma politica de subsídio de renda - falta aqui o subsídio de renda para ajudar a pagar o resto da renda que as pessoas não conseguem pagar e não podem ser retirados de casa - pessoas idosas, etc. - e isto vai arrancar. E depois faltam regras, leis, etc., que foi onde nos atrasamos mais. Umas isenções, etc. A ferramenta que propomos é o Estado ter uma estratégia nacional [para a habitação] com relatórios anuais, para sabermos o estado da habitação. Tudo isto demora tempo. Se criarmos um programa com muitos incentivos para o privado, talvez consigamos atrair ativos para este programa. Estamos [em suma] a pedir aos privados que participem nisto, sendo certo que vão ter um benefício fiscal. Tem de haver estabilidade no mercado, mas não há.

O governo e o Parlamento estão alinhados nesta ideia?

As políticas públicas não estão sintonizadas com a necessidade de habitação. A política fiscal não está a rimar com a política de habitação, com grande resistência do Ministério das Finanças. Na minha opinião, excessiva prudência, porque não vão ganhar de um lado, mas vão ganhar de outro. Há relatos, por exemplo, de empresas no Algarve que não conseguem expandir porque não conseguem dar habitação aos trabalhadores e [também afeta] o ensino superior.

Lisboa atualmente tem condições para reaver habitantes?

A rede de equipamentos sociais em Lisboa é muito boa, exceto [ao nível de] creches. A certa altura decidiu-se que Lisboa já não precisava de creches. O que é uma perfeita estupidez. Há uma geração que vai ficando mais velha e os novos não vêm para Lisboa pois não têm onde deixar as crianças. Nem será só o preço das casas que os impede. É essencial que existam para ajudar ao rejuvenescimento das cidades.

E quanto representa a fatia do Estado no mercado de habitação do país?

A habitação pública em Portugal são 2% da habitação total do país. - 2% é público, 98% é privado. É muito difícil conseguir garantir através de políticas públicas o direito à habitação de toda a gente, quando os recursos públicos afetos à habitação são tão poucos em relação ao património [total disponível]. No Orçamento do Estado para 2018, em recursos diretamente afetos do OE para a habitação - e não estou a falar de fundos alavancados com fundos comunitários, estou a falar direta do OE -, eram cem milhões de euros. Para a saúde eram dez mil milhões, e na educação eram seis mil milhões.

Então há falta de património público para resolver esta questão?

Nós temos - em Lisboa e no país - tantas casas vazias, se calhar não precisamos de construir assim tanto de novo. Se essas casas entrarem no mercado... Nós não temos falta de casas, temos falta de casas acessíveis. Temos de ver bem o mecanismo para pôr casas disponíveis. Se o pacote [legislativo de habitação] for aprovado, a partir de janeiro do ano que vem alguma coisa tem de estar a acontecer. Vou estar muito atenta ao Orçamento do Estado para ver que dinheiro vai lá estar para o Primeiro Direito - programa para quem não tem qualquer possibilidade de ter acesso a uma casa.

Está contemplada a ajuda dos municípios?

O que estamos a fazer é a legislação nacional. A Associação Nacional de Municípios Portugueses [ANMP] veio dizer que não concorda com a Plataforma Eletrónica do Arrendamento Apoiado do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana [IHRU]. Não têm de meter tudo na plataforma do IHRU, mas quem o fizer tem IRS zero em matérias de rendas.

Mas voltando à questão da participação das autarquias...

A lei de bases é nacional, não é só para Lisboa como não é só para o Porto.

Há uma semana disse, durante o balanço do ano do movimento Cidadãos por Lisboa, que há realidades diferentes em todo o país e que é preciso incentivar a ida para o centro do país. Há pessoas a tomar essa decisão de ir, mas porque não há mais a seguir o mesmo rumo?

Consideramos uma responsabilidade pública o que se pode fazer no interior. Temos autoestradas por todo o país, mas depois há zonas sem transportes públicos. Há um défice grande de cobertura do transporte público na cobertura do país. Há um reequilíbrio a fazer. Tem de se pensar nas condições de transportes e sociais - as pessoas querem ir para o interior, mas depois não têm como lá chegar. Não têm creches, por exemplos. Isto mudou tudo muito depressa. Estamos a tentar ajustar rapidamente.

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Disse há pouco que a habitação no país ainda não é vista como uma prioridade. Acha que não faz parte da agenda dos partidos com assento parlamentar?

O Bloco e o PCP têm uma agenda de habitação muito forte, mas não estão a fazer forcing para que entre no Orçamento do Estado. Por vezes, as propostas que o Bloco de Esquerda faz acabam por não ter maioria.

Porquê?

Tem de ser tudo investimento público, mas onde está o dinheiro? O Bloco e o PCP não reagem bem ao investimento privado. Também gostaria muito que fosse através de investimento público, mas tem de haver um meio-termo.

E o que é que espera para os próximos tempos?

Espero que o Orçamento do Estado corra bem. Espero que no resto da legislatura a Lei de Bases da Habitação surja. É que com outra geometria parlamentar pode ser mais difícil. Há uma altura em que as politicas políticas tem de pôr regras, o mercado não resolve tudo.

E sobre o caso dos edifícios da Fidelidade Seguros?

Tentámos fazer uma lei para resolver esse e outros problemas. Essa lei não passou à primeira, mas agora já está - o diploma sobre o direito de preferência pelos arrendatários tinha sido vetado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, mas foi, conscientemente, alterado pelos partidos. PS e PSD defenderam que o direito de preferência seja dado a inquilinos com mais de dois anos, ao contrário dos três anos na redação inicial do diploma.

Há casos semelhantes?

O Novo Banco tem um conjunto de nove mil terrenos e habitações para vender. Pode ser um problema idêntico ao da Fidelidade, mas muita coisa é terrenos. Nem tudo é habitação...

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