"Há um interesse claro por parte dos empresários japoneses em projetos relacionados com energias renováveis"
A embaixada de Portugal em Tóquio tem novas instalações. Foi importante esse passo para a imagem do país?
Não tenho hesitação em dizer que foi absolutamente fundamental para toda a nossa estratégia de trazer o #portugalmodernoecompetitivo para o Japão. A Embaixada é o rosto do nosso país, é a plataforma que serve os interesses da comunidade portuguesa cá residente, e é a "casa" que acolhe todo o tipo de ações de afirmação nacional, das visitas económicas, às mostras culturais, ou o atendimento consular. As anteriores instalações, onde permanecemos por três décadas, não dignificavam, de todo, a relação de 480 anos com o país que nos acolhe. Passámos de dois esconsos andares para um prédio de seis, dotado das mais modernas tecnologias, segurança, com uma magnífica sala de reuniões à disposição dos nossos empresários/ agentes culturais, um espaço expositivo multiusos e onde se vê, no topo do edifício, a largas centenas de metros de distância, a beleza da nossa bandeira nacional. Por todas as razões, era imperativo trazer uma nova vida à presença desta representação diplomática, e a confiança em mim depositada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros também pretende sinalizar essa mudança de paradigma.
Sei que existe agora na embaixada um belo mural de Vhils alusivo às relações luso-japonesas. Como surgiu a ideia?
Continuando nesta senda de trazer o melhor de Portugal ao Japão, faz todo o sentido ter nesta nova presença diplomática uma obra original de um dos maiores ícones da cultura portuguesa contemporânea - Alexandre Farto a.k.a Vhils. Eu já havia colaborado com ele noutros projetos em anteriores missões, nomeadamente em Macau, onde deixou nos jardins do Consulado-Geral uma belíssima obra alusiva a Camilo Pessanha, e podia atestar do valor universal que a sua arte tem para unir povos e culturas. Vhils é, sem dúvida nenhuma, um dos grandes embaixadores de Portugal no mundo. O segundo passo, igualmente importante, foi o de obter o contributo benemérito da Cunha Vaz & Associados, na pessoa do seu CEO António Cunha Vaz, que desde o primeiro momento acreditou no projeto e decidiu tornar-se o mecenas desta iniciativa através de um protocolo tripartido celebrado com a Embaixada. Este é um exemplo das virtudes de uma colaboração mais estreita entre o setor público, o setor privado, e os artistas nacionais, para valorizar a "marca Portugal" e beneficiar todos os parceiros envolvidos. E não vamos parar por aqui.
Este ano estamos a celebrar os 480 anos da chegada dos portugueses ao Japão. Que atividades estão previstas da parte portuguesa no Japão?
O programa de atividades tem sido intenso, e algumas delas já tive oportunidade de anunciar num anterior artigo para o Diário de Notícias, de 16 de fevereiro. O mais importante evento foi a organização da "1.ª Semana de Portugal no Japão". Na realidade, tratou-se de um conjunto de várias ações económicas e culturais concentradas num único espaço - a emblemática galeria Hillside Forum, em Tóquio, desenhada por Maki Fumihiko, Prémio Pritzker de 1993. Os eventos decorreram de 30 de maio a 4 de junho e incluíram a inauguração da exposição de Ana Aragão intitulada "My Plan for Japan", com visita e apresentação a várias relevantes figuras e entidades da cena cultural de Tóquio para internacionalizar uma das mais criativas e promissoras artistas nacionais. Seguiram-se seminários de prova de vinhos portugueses, de enoturismo, a assinatura de um protocolo comercial, e um relevante fórum sobre oportunidades de investimento em Portugal na área das energias renováveis, que contou com a presença do ministro das Infraestruturas. Por querermos ver associadas estas comemorações ao Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas, antecipámos a Receção do Dia Nacional para 3 de junho, uma ocasião importante no calendário anual para renovarmos os contactos com a nossa comunidade e conjunto de parceiros e amigos. Os eventos terminaram a 4 de junho com a organização de um mercado de produtos portugueses. Foi um sucesso em toda a linha, demonstrando o grande espaço para aprofundarmos a todos os níveis o nosso relacionamento com o Japão.
Sente que os japoneses conhecem bem a relação histórica com Portugal?
Apesar de serem feitas alusões à chegada dos portugueses no século XVI nos manuais escolares, esse conhecimento está circunscrito às regiões meridionais de implantação histórica dos comerciantes e missionários portugueses. A nível académico, há que relevar um interesse sempre presente por parte de professores e investigadores nipónicos em abordar diferentes facetas desse relacionamento, que teríamos muito proveito em explorar através de colaboração com universidades e investigadores portugueses. Faz falta uma maior "polinização cruzada".
E conhecem o que é o Portugal de 2023?
Esse é o objetivo final de todo o nosso trabalho na Embaixada. E as tendências são claramente positivas, registando-se maior captação de investimento japonês, maior apetite pelos produtos portugueses, e um retomar das visitas políticas e dos fluxos de turismo. Permito-me salientar um dado relevante: as exportações nacionais para o Japão cresceram 83% no primeiro trimestre deste ano, face ao período homólogo de 2022. É claramente um sinal de estarmos a caminhar no bom sentido e dos retornos de uma relação mais próxima e intensa com o País do Sol Nascente.
O Japão é a terceira maior economia mundial. As nossas relações económicas refletem essa importância?
Apesar de termos um relacionamento duradouro entre os nossos países, ainda não alcançámos, de todo, resultados económicos que estejam à altura da magnitude do mercado japonês. A materialização desses resultados está muito aquém do que acreditamos ser possível. No entanto, também é importante ressaltar que 50% do comércio japonês ocorre com outros países asiáticos, como seria de esperar. Note que a União Europeia é o segundo principal parceiro comercial do Japão, mas a Alemanha, sendo o primeiro país europeu, ocupa a 9.ª posição. No que diz respeito aos produtos exportados pelos países europeus, os químicos representam cerca de 36% do total vendido, com destaque para os farmacêuticos. As exportações portuguesas têm aumentado, principalmente devido aos veículos, mas também produtos alimentares e agrícolas, instrumentos de ótica e precisão, máquinas e aparelhos. Com o acordo EPA entre a União Europeia e o Japão, cerca de 99% das taxas alfandegárias serão eliminadas até 2033, sendo que 90% delas já foram completamente eliminadas. Portanto, há muito espaço para crescer nas relações económicas entre os nossos países e eu e a minha equipa da AICEP estamos cá para fazer lobby pelas empresas portuguesas.
Que produtos portugueses podemos encontrar no Japão?
No Japão, com algumas exceções (como certos tipos de carne e enchidos), é possível encontrar produtos portugueses nas mais diversas áreas. No entanto, enfrentamos os desafios de falta de reconhecimento de marca, falta de concertação de esforços na abordagem ao mercado e, em alguns casos, volumes de exportação relativamente baixos. Num mercado altamente competitivo e exigente, onde produtos de várias origens estão presentes, é necessário adotar uma estratégia de médio e longo prazo e, sobretudo, estar disposto a investir. Aliás a questão da Marca Portugal preocupa-me imenso. Há uns tempos o secretário-geral da CAP, Engenheiro Luís Mira, fez o favor de partilhar comigo um estudo em que havia mais de duas dezenas de marcas alusivas a Portugal só no seu setor. Assim, na minha modesta opinião, não vamos lá. Uma marca única, com visão estratégica, para agregar valor e promover de forma integrada os diferentes produtos, serviços e setores relacionados com Portugal é fundamental para a afirmação dos nossos interesses (em todos os setores) no Japão.
Que produtos temos a possibilidade de exportar mais?
Acredito que podemos aumentar o valor agregado em muitos setores que já exportamos, como vinhos, azeite, produtos enlatados, calçados, têxteis para o lar e vestuário. Além disso, por meio de investimentos japoneses, podemos impulsionar as exportações de Portugal para o Japão, como é o caso da parceria entre Kagome/Italagro no setor do tomate preparado ou conservado. Acreditamos que o setor farmacêutico também pode contribuir para as exportações para o mercado japonês por meio de parcerias com empresas nipónicas. A Bial, é , aliás , um, excelente exemplo.
A nível de investimento japonês em Portugal, que já é relevante, nota interesse dos empresários em saber mais sobre oportunidades?
O investimento japonês tem apresentado um crescimento significativo desde aproximadamente 2017. Há um interesse claro por parte dos empresários japoneses em projetos relacionados com energias renováveis, como energia solar, eólica em terra e no mar, e hidrogénio, bem como nas infraestruturas associadas a esses setores, como a criação de zonas industriais nos portos para atender às necessidades dos projetos de eólica offshore. Empresas como Marubeni, Mitsui, Mitsubishi e Tokyo Gas têm participado em diversos projetos nesse sentido. Além disso, temos observado a instalação de diversos tech-hubs/ centros de competências por parte de importantes empresas japonesas, como Hitachi Ventara, NTT Data, Fujitsu e NEC. O setor automotivo também tem recebido investimentos, especialmente em componentes para veículos da próxima geração, contando com empresas como Denso, Yazaki e Toyota. Por fim, destaco o interesse crescente em startups, especialmente aquelas em estágios intermediários de financiamento e com investidores relevantes. Essa tendência demonstra o apetite dos empresários japoneses por projetos inovadores e com potencial de crescimento.
Como se integrou na sociedade e cultura japonesas? Foi fácil como diplomata português habituado a viver em diferentes países?
A adaptação foi rápida e fácil. Este é um dos países mais seguros do mundo, com infraestruturas e serviços da mais alta qualidade que facilitam uma transição suave para o que não deixa de representar uma cultura e sociedade muito diferentes da nossa. É claro que a barreira linguística continua a ser um obstáculo diário, mas é compensado pela cordialidade e genuíno interesse dos japoneses em saberem mais sobre nós individualmente, sobre o nosso país, sobre os nossos usos e costumes. Gosto muito do Japão e do seu povo. São de uma grande afabilidade e respeito pelo próximo. Quero aqui deixar uma marca importante e colocar Portugal na Liga dos Campeões.
Já visitou Nagasaki? Entre as memórias da presença portuguesa nos séculos XVI e XVII e o legado da explosão atómica de 1945 como sentiu essa cidade do sul do Japão?
Por força dos especiais laços históricos que deixámos em Nagasaki, decidi que esta província (com sensivelmente 1,5 milhões de habitantes) seria uma plataforma privilegiada para a afirmação de Portugal no Japão. Neste sentido, em pouco mais de um ano já aí me desloquei 4 vezes e desenvolvi encontros com todas as autoridades relevantes, da qual já resultou uma importante visita do Governador Oishi Kengo a Lisboa e ao Porto, que decorreu nos últimos dias. Importa, pois, aproveitar esse legado histórico para modernizar e revitalizar a nossa colaboração com aquela região do Japão. É verdade que são visíveis essas marcas da implantação portuguesa, como ficou bem patente no conjunto de ações que desenvolvemos em 2021 por ocasião dos 450 anos da fundação daquela cidade pelos portugueses, como também permanecem bem vivas as memórias da explosão atómica de 1945. Mas como já ouvi por diversas vezes, Nagasaki é uma cidade com uma história e um papel especial, não só para o Japão, como para a região e para o mundo. E eu quero que Portugal esteja intimamente associado a ela, não só no século XVI e XVII, mas também e sobretudo no século XXI.
leonidio.ferreira@dn.pt