"Há um fascínio mórbido"

José Henriques Santos, psicólogo e um dos autores do Plano Nacional de Prevenção do Suicídio, defende que jovens se sentem atraídos por outra dimensão da realidade
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O que leva os jovens a juntar-se a estas comunidades que lhes pedem para fazer desafios perigosos?

Obedece a um certo fascínio, sobre o visual e sobre o virtual. Porque a ação é posta noutra dimensão da realidade, que parece que não vai fazer mal. É um bocado como os desenhos animados e nesta deslocação da realidade, as pessoas têm um fascínio por estas situações alternativas. É a realidade, mas não é, ao mesmo tempo. Sentem um fascínio por projetarem algo que gostariam de ser. Outro aspeto, por exemplo, é o de haver uma projeção de si próprios e essa eventualmente como é uma imagem construída, contém um certo fascínio. É um modo alternativo em que se pode projetar da maneira que quer, pode atingir, digamos, uma satisfação intelectual momentânea e falsa.

Mas neste caso há desafios que são reais. As coisas não ficam apenas pelo mundo virtual.

Nesse caso, tem que ver com a identificação com um grupo. São dinâmicas de identificação. Os seres humanos são muito sociais e agrupam-se em núcleos com uma determinada cartilha de valores. Mas voltando ainda à questão do fascínio, há aqui uma dimensão mórbida, por tratar-se de induzir autolesões. De uma forma muito simples, a autolesão, que muitas vezes é sentida como ritual de purificação, pode funcionar como forma de adiar acontecimentos. Uma pessoa com auto- lesão também teria propensão para fazer autolesão maior, o que seria um suicídio. Depois há novos movimentos na sociedade em que tem de haver uma afirmação e esta pode ser uma forma de o fazer. Seguramente na maioria dos casos, não há noção do perigo que as coisas acarretam. E depois depende da personalidade. Se for dependente como no jogo ou no álcool, estes comportamentos já existiam, os modelos vão-se é desdobrando.

O que se pode fazer para evitar estas situações?

Procurar um psicólogo ou um psiquiatra. A questão sobre estes novos modelos. A diferença do apelo do Daesh e deste desafio se calhar não é muito grande. Na minha opinião subjetiva, mas que alarga o debate, a Europa não atravessa um bom momento e os países não têm uma boa resposta para dar aos jovens. Todos nós, sociedade e jovens, temos culpa disso. Como é que se pode explicar que durante muito tempo existiu recrutamento e alistamento em massa de jovens europeus no Daesh, seguindo uma cultura que lhe é adversa. Este tipo de coisas exerce um fascínio e os jovens ainda não têm um equipamento de pensamento desenvolvido e não conseguem resistir. Os jovens precisam de ver uma luz ao fundo do túnel, e a Europa tem de fazer um investimento nos jovens para que eles vejam um futuro estável, e isto é muito difícil, tudo isto contribui para desequilíbrios emocionais, que levam a uma série de caminhos. Não há alternativas e a falta de noção de risco dos jovens leva a isto.

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