A Direção-Geral da Saúde (DGS) e a Direção-Geral da Educação (DGE) desaconselham, mas as escolas continuam a vender alimentos que deveriam evitar. Em 2012, ambas as entidades uniram-se para criar um documento orientador sobre o procedimento que os estabelecimentos de ensino deveriam ter face à oferta alimentar que apresentam aos seus alunos. Passada quase uma década, as recomendações parecem estar a ser ignoradas: desde o dia 1 de janeiro deste ano, registaram-se no Portal Base (o portal da contratação pública) mais de uma centena de contratos entre escolas e empresas para aquisição de produtos alimentares que deveriam evitar. Pedem o fornecimento de bolos, bolachas, chocolates, gelados, refrigerantes e, para o prato, até enchidos. A obesidade em Portugal está a diminuir, mas continua a ser das mais altas da Europa..Uma vez que "o buffet escolar constitui um serviço complementar ao refeitório, de fornecimento de refeições intercalares aos alunos e restante comunidade educativa, deve observar os princípios de uma alimentação equilibrada e promotora de saúde", lê-se no documento. Logo a seguir, uma longa lista, em que a DGS e a DGE nomeiam os alimentos recomendados, aqueles a limitar e outros a evitar..Fica claro que "refrigerantes deverão ser eliminados do buffet escolar", bem como charcutaria rica em lípidos e sal. Também pastelaria ("palmiéres, jesuítas, mil-folhas, bola-de-berlim, donuts", entre outros). Bolos, só "à fatia", ainda que não sejam recomendados. Relativamente aos chocolates: as embalagens superiores a 50 gramas devem ser evitadas, embora todo o tipo deva ser limitado, "preferindo aqueles com maior teor de cacau". Deve restringir-se a oferta de gelados de leite e de frutas, e ainda evitar mesmo os gelados de água..Ainda que não haja "alimentos proibidos", há "alimentos que devem comer-se com muita [com ênfase no determinante] baixa frequência", diz o médico de saúde pública Ricardo Racha-Pacheco, em entrevista ao DN. No entanto, todos estes produtos continuam a ser disponibilizados em escolas. Algo já denunciado, aliás, num estudo do Conselho Nacional de Saúde (CNS), "Gerações mais saudáveis", publicado no final de 2018, que alertava para o facto de a maioria não estar a cumprir a proporção entre produtos a promover e a limitar. As que cumprem são "somente 1,3%"..Dados que acompanham as estatísticas ainda negativas da obesidade infantil em Portugal, que, apesar de ter diminuído significativamente desde 2008 (37,9%), aumentou em 2019 para 29,6%, face aos anos anteriores, e continua a ser das mais altas da Europa. Os dados são da Childhood Obesity Surveillance Initiative e dizem que 15,3% do total das crianças de 8 anos são consideradas obesas e 5,4% têm obesidade severa..Bons exemplos são "um nicho".A educação para a alimentação parte de casa, daquilo que a família disponibiliza na mesa às refeições ou a comida que acompanha as crianças na lancheira que carregam. Contudo, não sendo a origem da luta, a escola pode ser um motor contra os maus hábitos..É o primeiro dia de escola depois das férias de Carnaval e uma turma de crianças com 5 anos do externato As Descobertas, no Restelo, mostra que a lição está bem aprendida. Sentados no chão da sala, formam uma roda na qual incluem a jovem Maria, que se deslocou até à sua escola para lhes ensinar boas práticas, que levam a uma alimentação mais saudável. Não demora muito até que conquiste a atenção de todos, lembrando-os de que está ali para brincar - ao mesmo tempo que ensina, mas isso eles já não precisariam de saber..Dá a todos um círculo de cartão, cada um com a imagem de um alimento impresso. Depois, mostra-lhes três pequenas torres de esferovite: uma vermelha, uma amarela e outra verde, representando alimentos que se deve evitar, aqueles que se podem comer de vez em quando e os que não fará mal comer todos os dias. Cabe a cada um deles concluir a que a torre pertence o alimento que levantam, em riste, na mão. Maria vai como representante do programa de combate à obesidade da DGE e da DGS, designado Nestlé por Crianças mais Saudáveis, resultante de uma parceria com a transnacional suíça..O pequeno Duarte segura o cartão que retrata um molho de batatas fritas e sobre isto nenhuma das crianças parece ter dúvidas: "faz mal", "são muito salgadas", argumentam. Assim como a barra de chocolate no cartão da Francisca. "Faz mal à barriga e aos dentes", dizem com certeza. Não é que não gostem, admitem, mas reconhecem que pode ter efeitos nefastos na sua saúde. Já as cenouras, essas, não há muitos que pareçam gostar de comer, embora digam sem hesitar que é um alimento saudável. Num outro cartão, um copo de água, atiçando a vontade de falar de todos para dizer como era bom optar por esta bebida em vez de sumos, "cheios de açúcar". Sobre isto, parece que já sabem quase tudo: "70% do nosso corpo é feito de água", lembra um dos meninos nesta sala..Nesta escola, as crianças estão habituadas a comer bem, dizem os professores. Há décadas, aliás, que ali se aplica a chamada "hora da fruta" - o relógio bate as 10.30 e todos agarram uma peça de fruta para ingerir. Pouco a pouco, as mudanças acontecem: "Há festas de aniversário em que as crianças já implementam este princípio, com os pais a disponibilizar peças de fruta para as crianças", conta a professora de Português, Ângela. As boas práticas devem-se, em grande parte, à educação que recebem em casa. Os pais incluem-se numa classe média-alta, por isso estão também mais bem informadas. "Se os pais põem fruta, eles comem fruta; se fosse smarties, eles comiam smarties", diz a professora..No entanto, o que acontece aqui é "um nicho", alerta o professor da disciplina de História e membro da direção António Bonito. Assim lhe diz a experiência, depois de ter passado por outros estabelecimentos de ensino com "contextos socioeconómicos muito complicados", onde os "alunos só se alimentam do que é mais fácil" de comprar - normalmente, alimentos processados. "Este colégio não é a nossa população, não é representativo do nosso país", acrescenta o membro da direção com o pelouro do pré-escolar, Leonor Varanda Martins..Ainda assim, a professora mostra-se confiante com o futuro. "Acho que isto tem vindo a evoluir ao longo dos anos. Cada vez está melhor", diz. Até na sua escola, que partiria com vantagem face a outras mais desfavorecidas, é possível assistir a uma mudança provocada pelos novos tempos. Recorda que, na altura em que deu entrada neste estabelecimento de ensino, "havia miúdos que bebiam Coca-Cola ao pequeno-almoço". Isso mudou, em parte devido à implementação de determinadas medidas em ambiente escolar..Na cantina, são os professores que servem a comida aos alunos, sentando-se depois na mesma mesa que eles. "Uns tentam fugir da sopa, outros da sala. Mas nós pedimos sempre para tentarem. Insistimos e não desistimos", diz o professor António. Para uma ação reivindicativa experimental, a escola decidiu abrir inscrições para uma atividade extracurricular de culinária, para alunos a partir do 1.º ano, onde podem fazer "propostas de ingredientes, de receitas, e depois cozinhar"..Ainda assim, há velhos hábitos transversais a grande parte das escolas que o ensino não tem conseguido controlar. Até ao 6.º ano, diz a professora Ângela, "não podem sair daqui durante a hora de almoço e nós sabemos perfeitamente que eles vão aos cafés aqui das esquinas comer coisas menos saudáveis, depois de almoçarem na nossa cantina"..Costumes que a DGE e a DGS, em conjunto com a Nestlé, procuram promover, através do seu programa de combate à obesidade infantil, que já celebra 20 anos em Portugal. O objetivo passa por ajudar 50 milhões de crianças até 2030..Só no ano passado, a equipa coordenada por Ana Macedo e pelo médico de saúde pública Ricardo Racha-Pacheco orientou 503 atividades presenciais, chegando a 32 105 crianças de todo o país. Quando se mede o impacto, os números são outros, acrescenta o médico. Feitas as contas, "através das atividades vocacionadas para as famílias (jogos, eventos, parcerias), impactou diretamente 41 898 pessoas e indiretamente 96 412".