Há mais de 80 anos no Chiado, Academia de Amadores de Música está em risco de sair
A Academia de Amadores de Música, associação cultural centenária que tem atualmente cerca de 300 alunos, foi notificada para deixar o espaço arrendado que ocupa há décadas no Chiado. A instituição teme agora pelo futuro num dos bairros de Lisboa onde os preços do imobiliário atingem valores mais altos. O espaço deverá ser vendido, mas este é um campeonato em que a escola de música não consegue entrar. "A valores de mercado é completamente incomportável", diz ao DN Pedro Martins Barata, presidente da direção da Academia, que dá como exemplo um andar nas proximidades, semelhante às instalações da escola, vendido recentemente por quatro milhões e meio de euros.
Instalada na Rua Nova da Trindade há 84 anos, e há quase 70 no segundo andar do edifício que ocupa atualmente (mesmo ao lado da cervejaria Trindade), a Academia funciona num espaço de 700 metros quadrados, divididos por 20 salas de aulas e um salão para audições e concertos. Com 300 alunos e 40 professores, a escola de música - uma associação cultural sem fins lucrativos, de utilidade pública - olha com muita preocupação para uma futura mudança. Por meios próprios dificilmente conseguirá manter-se no centro, ou mesmo na cidade. "Lisboa pode perder a Academia", diz Pedro Martins Barata.
O caso foi levado pelo PCP à última reunião do executivo da Câmara de Lisboa, com o vereador João Ferreira a questionar se a autarquia tem conhecimento desta situação e que medidas estão a ser tomadas para salvaguardar a continuidade da instituição. Diogo Moura, vereador com os pelouros da Cultura e da Educação, disse não conhecer a situação em concreto, mas garantiu que entrará em contacto com a Academia e lembrou que a instituição está protegida até 2023.
Uma proteção que resulta do regime de reconhecimento e proteção de estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local, uma lei aprovada em 2017 que conferiu maior proteção no arrendamento a estabelecimentos e instituições consideradas de particular relevância - o mesmo regime que se aplica às Lojas com História. Pouco depois, em 2018, a Academia de Amadores de Música foi uma das instituições da cidade classificada pela Câmara de Lisboa como uma "entidade de interesse histórico e cultural ". Uma distinção que a coloca ao abrigo da lei de 2017, permitindo-lhe agora, face à notificação de não renovação, manter o arrendamento até 2023.
Mas esta é uma proteção provisória e é precisamente esse o problema, sublinha o presidente da direção da Academia, lembrando que este não é um horizonte temporal muito longínquo e que a preocupação da instituição passa por encontrar uma solução definitiva. "Estamos a dois anos [de ter de sair]. Na prática, o ano letivo que começa em 2022 pode ser o último nestas instalações". Pedro Martins Barata mostra alguma esperança que este prazo ainda possa ser derrogado, mas "se 2023 for mesmo o prazo final, tem que se encontrar rapidamente uma solução para a nossa situação".
Idealmente, os responsáveis da Academia gostariam de manter-se no mesmo espaço, com um projeto para a requalificação das instalações. "Parece utópico", admite Pedro Martins Barata, mas não necessariamente impossível, embora tivesse que passar sempre pelo apoio da autarquia, a par de outras formas de angariação de fundos: "Havendo vontade... Há formas de angariar dinheiro, crowdfunding, mecenato cultural".
Se esta solução não for possível, a segunda hipótese passa por "tentar encontrar uma localização alternativa", preferencialmente "o mais próxima possível", diz Pedro Martins Barata, lembrando que, desde a fundação a Academia nunca se afastou do centro de Lisboa.
Fundada em 1884 com o propósito de "difundir o gosto pela boa música, por meio de cursos regulares, concertos sinfónicos, palestras", a Academia de Amadores de Música - que receberia ainda no mesmo ano o título de "Real", atribuído por D. Luís I - começou por instalar-se na Rua do Alecrim, passou pela Calçada do Combro, pelo Largo do Carmo e pelo Príncipe Real, até se instalar na Rua Nova da Trindade em 1938, mudando-se para a localização atual em 1953 - "Em 140 anos nunca saímos da faixa que está entre o Cais Sodré e o Príncipe Real" .
O responsável da Academia admite que a renda que paga atualmente, na ordem de algumas centenas de euros, é um valor baixo - "É um subsídio que o proprietário nos está a dar". Mas, sublinhando que há outras instituições na zona a confrontar-se com o mesmo problema, questiona se é este o futuro que se quer para o Chiado. "Se nos tirarem a nós e depois tirarem os outros sobra o quê? Sobra o São Carlos e o São Luiz", além do Teatro da Trindade, logo ali ao lado, como os sobreviventes de um bairro que sempre teve um forte pendor cultural - "Não como presidente da associação, mas como lisboeta, acho isto trágico para a cidade".
Com ensino articulado de música (ensino oficial a partir do 5º ano), cursos livres em 15 instrumentos, dois coros e uma orquestra de câmara, a escola olha agora com preocupação para o futuro, puxando pelos pergaminhos dos seus quase 140 anos para lembrar que por ali passou o maestro e compositor Fernando Lopes-Graça (foi diretor da Academia) e nomes distintos da música portuguesa: "Carlos Bica foi nosso aluno, Teresa Salgueiro, Pedro Ayres de Magalhães. Na música clássica temos antigos alunos em orquestras em Londres, Nova Iorque, Xangai".
susete.francisco@dn.pt