Há dez anos a fotografar gente de nenhures, que não existe

Há pelo menos 10 milhões de apátridas por todo o mundo. Greg Constantine fotografou as suas histórias, agora reunidas em 'Nowhere People'
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Imagine que o seu país lhe nega ou retira a cidadania. Fica sem cartão de cidadão ou passaporte, torna-se apátrida. Como recorreria a serviços de saúde ou à justiça? Como arranjaria emprego, abriria uma conta bancária ou encontraria casa? Como sairia do país? Há pelo menos dez milhões que vivem assim, afirmam as Nações Unidas. Tantos quantos habitantes tem Portugal.

Muitos dos apátridas são perseguidos, muitos, assim como aqueles de quem descendem, nunca viveram noutro sítio senão no país que não os reconhece. São pessoas de parte alguma, de nenhures. São Nowhere People, como lhes chama o fotojornalista americano Greg Constantine, que sobre eles acaba de editar o livro homónimo onde mostra um trabalho de dez anos feito ao longo de 18 países, do Nepal à Ucrânia ou ao Iraque.

Para Greg, a história começa quando encontra pessoas que conseguiram fugir da Coreia do Norte para a China. Dois anos depois, em 2005, assume que trabalhará sobre apátridas. Da minoria étnica rohingya em Myanmar, onde organizações de direitos humanos alegam decorrer um genocídio, aos núbios do Quénia ou aos haitianos que vivem na República Dominicana.

Entre os apátridas que o fotógrafo visitou, um terá proferido a seguinte frase que se lê em Nowhere People: "Estou aqui, mas não sinto que pertenço a este mundo." Ao telefone com o DN, Greg explica que este problema tem dois níveis. "Por um lado, os desafios práticos da vida: não ter documentos, não poder viajar, não ter um emprego legal, não poder ir à escola... Depois há o nível invisível, que a maior parte das pessoas não compreende: o sentimento de pertença a um sítio."

A certa altura, ilustra a ausência de cidadania daqueles que conheceu como alguns desses lha explicaram. "É como respirar! Respiramos ar, mas estamos inconscientes quanto a isso, nem sabemos que o respiramos. Para os apátridas, quando esses direitos são retirados, percebemos que estamos a arfar, a respirar com dificuldade, e é assim que muitos se sentem."

Referindo a crescente - embora "insuficiente" - atenção para o problema, o fotógrafo diz: "Provavelmente muitas crianças que nasceram refugiadas sírios, fora da Síria, filhos de migrantes que entraram agora na Europa, estão em grande risco de se tornarem apátridas." Não seriam, todavia, os primeiros deste continente. Em Nowhere People conta histórias de Holanda, Itália, Sérvia, Polónia e Malta.

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