Nesta quarta-feira, quando o calendário assinalava dia 15, Nuno Tavares Pereira enviou mais um comunicado para as dezenas de endereços que o computador já memorizou. No assunto, o mesmo de sempre: "abandonados" - tal como acontece desde outubro de 2017, quando no dia 15 o fogo destruiu centenas de casas e matou 45 pessoas naqueles concelhos da região centro..O empresário de Oliveira do Hospital escreve todos os meses aos ministérios da Agricultura e Infraestruturas, aos grupos parlamentares, à sétima comissão do Parlamento e a dezenas de órgãos de comunicação social, na qualidade de porta-voz do MAAVIM (Movimento Associativo de Apoio às Vítimas dos Incêndios de Midões). A esse rol de destinatários junta-se ainda a Presidência da República, a Comissão de Coordenação da Região Centro (que até outubro passado era presidida por Ana Abrunhosa, agora ministra da Coesão Territorial)..O ritual de comunicações que Nuno Pereira persegue começou logo a seguir ao incêndio, quando nasceu a associação. Ao princípio, os comunicados eram mais extensos, davam conta da imensa lista de prejuízos causados e dos milhares de pessoas que precisavam de ajuda. No documento que neste primeiro mês do ano seguiu para todos os destinatários, a MAAVIM é mais sucinta: "No novo ano de 2020, o desejo é que todos os que perderam os seus bens em outubro de 2017 sejam ressarcidos e apoiados a estarem nas suas terras. A lei é clara no apoio às populações. Mas não foi para todos. Milhares nunca receberam nada", insiste o porta-voz..Neste 27.º comunicado, a associação denuncia que continuam a existir "pessoas em rulotes por falta de apoio; pessoas sem habitação por falta de apoio, crianças sem frequentar a escola por falta de apoio; agricultores que nunca receberam apoio; infraestruturas que nunca foram reparadas; empresas em dificuldades por falta de apoio"..488 pedidos de apoio chumbados pela CCDR."Pelas nossas contas, há mais de 400 casas cujos pedidos de apoio foram chumbados", diz ao DN Nuno Pereira, que, ao leme da associação, apoiou no processo burocrático muitos dos moradores. Pelas contas oficiais, aquele incêndio de 2017 destruiu mais de mil casas de primeira e segunda habitação. De acordo com a CCDR - que atualizou os dados no final de 2019 -, chegaram àquele organismo "1339 pedidos de apoio, tendo sido enquadrados no Programa de Apoio à Recuperação de Habitação Permanente (Programa de Apoio) 851 pedidos. Isto significa que há 488 pedidos de apoio que não tiveram acolhimento no Programa de Apoio, o que corresponde a cerca de 36,44% dos pedidos de apoio", pode ler-se no site da Comissão. A CCDR elenca vários motivos para a recusa de apoio: "As famílias não usavam as habitações de forma permanente, as habitações não são legais do ponto de vista urbanístico e não são passíveis de legalização, a titularidade/propriedade das habitações não está regularizada, as habitações já estavam devolutas à data do incêndio.".As contas da CCDR registam 851 pedidos de apoio aprovados, dos quais 26 referem-se apenas a apetrechamento de habitações. "Das 825 habitações a reconstruir através do Programa de Apoio, estão concluídas 800 habitações e estão em diferentes fases de execução 25 habitações", conclui o relatório oficial. Ao mesmo tempo, "foram transferidos para as famílias e para as empresas de construção mais de 55 milhões de euros".."Mas é preciso apoiar estas pessoas, nomeadamente as que não conseguiram, por alguma razão, formalizar tudo", insiste Nuno Pereira. O porta-voz do movimento conhece bem o terreno e trata pelo nome praticamente todos os lesados. Mantém uma relação estreita até com as centenas de residentes estrangeiros que moram entre Arganil e Oliveira do Hospital, a maioria nos vales da serra do Açor.."Não podemos estar calados. Nem permitir que exista uma floresta abandonada por falta de apoio, toda uma região isolada por falta de apoio e agora até por terem um acesso principal (IP3) cortado há 20 dias. As segundas habitações continuam a ser uma incógnita, as contas solidárias das autarquias continuam com dinheiro, mas as pessoas continuam a ser tratadas como se tudo estivesse bem. Mas não é verdade", refere, mais uma vez, neste comunicado..Silêncios e respostas automáticas.Ao princípio, Nuno esperava respostas, mês após mês. E por isso fazia um relato exaustivo da situação vivida naquela região. "Com o passar do tempo fui-me habituando aos silêncios ou a respostas automáticas. De vez em quando um ou outro responde, a dizer que vai analisar o nosso caso." Foi o que aconteceu com o grupo parlamentar do PCP, em dezembro último. O chefe de gabinete fez saber que acusava a receção "da documentação enviada, cujo conteúdo tomaremos em boa nota. Mais informo que daremos conhecimento do mesmo à organização regional do PCP de Coimbra". Antes, a 14 de novembro, uma resposta automática do grupo parlamentar do CDS agradecia o contacto: "Analisaremos a questão que nos colocou logo que possível.".No comunicado agora emitido, a MAAVIM diz ter solicitado ao ministro das Infraestruturas e da Habitação, em fevereiro de 2019, uma reunião urgente para o colocar a par de todas as situações e dos apoios necessários na região do seu ministério, sem sucesso. No documento, diz também ter solicitado "à ministra da Agricultura, em outubro de 2019, uma audiência para solicitar apoio aos agricultores que ficaram de fora das ajudas e assim tornar possível que todos tenham acesso às ajudas prometidas"..O DN questionou ambos os ministérios a respeito destes pedidos. Apenas o da Agricultura respondeu (até à data), justificando "não existir qualquer pedido". O gabinete da ministra Maria do Céu Albuquerque garante que não tem na sua posse qualquer documento alusivo à dita reunião, reportando-se não apenas à atual ministra mas também ao anterior titular da pasta.