"Guerra pode perturbar mais o verão do que a pandemia", diz bastonário dos médicos
A diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, apelou ontem aos portugueses para que mantenham as regras de proteção, nomeadamente o uso de máscara, durante o período da Páscoa, relembrando que "a pandemia não acabou a nível global", nem tão pouco em Portugal. "Estamos longe de chegar à atividade [do vírus] que nos permita ter um verão descontraído e seguro", afirmou ontem, durante a primeira conferência de Imprensa que realiza ao fim de alguns meses, sobre a evolução epidemiológica da covid-19 no nosso país.
Graça Freitas sublinhou mesmo que o país mantém "uma transmissibilidade muito elevada, com tendência geral decrescente, é certo, e com R(t) inferior a 1, mas com um número de novos casos a sete dias que ainda ronda os 60 mil", como aconteceu na semana anterior. Portanto, "um número que é superior aos picos das curvas epidémicas anteriores, exceto ao do último inverno".
As suas declarações surpreenderam alguns, nomeadamente o bastonário dos médicos, que comentou ao DN não fazer sentido que se lancem alertas sobre "elevada transmissibilidade" ou sobre um "verão que pode não ser seguro e descontraído", quando "não é dada à população e à comunidade científica toda a informação necessária - como incidência, transmissibilidade e gravidade (internamentos graves por covid-19 e mortalidade) -, para que estes possam fazer a sua análise da evolução da doença, da perceção dos riscos que se correm e, se for caso disso, até algumas recomendações".
Miguel Guimarães diz mesmo: "Não me parece que o verão vá ser particularmente problemático por causa da pandemia. Acho que a Guerra que temos na Europa o poderá torná-lo mais intranquilo". Aliás, "vai ser um verão diferente dos dois últimos, porque as pessoas vão andar muito mais à vontade e a fazer uma vida mais normal". E isto porque, "podemos ter ainda muita transmissibilidade, mas o que se sabe, e apesar de não termos números oficiais diariamente, é que a gravidade da doença é baixa. Isto muda tudo". Ao passo que, "a situação da guerra é bem mais preocupante e pode ter muito mais impacto do que a questão da covid e da discussão sobre o uso ou não de máscara".
Em relação à pandemia, o representante da classe médica reforça o que considera importantes: em primeiro lugar, a necessidade de dar toda a informação necessária ao cidadão e à comunidade científica para que possam fazer a leitura correta da evolução da doença e dos riscos que correm em cada circunstâncias. "Isto é fundamental, até para que as regras de proteção não tenham de ser impostas pelo Governo. É cidadão que deve saber quando deve usar máscara para se proteger a si e aos outros, nomeadamente os mais idosos, os doentes imunodeprimidos e outros doentes crónicos que corram mais riscos de desenvolverem doença grave. Esta informação deve ser dada também à comunidade científica, "um pedido que já foi feito através de uma carta assinada por vários médicos, de forma a que esta possa emitir recomendações, caso seja necessário.
E para que a população tenha a noção correta dos riscos, "a DGS deveria estar a divulgar diariamente não só o número de pessoas que testam positivo, porque este número até deve ser mais elevado, já que estamos a fazer muito menos testes, mas também o número de pessoas internadas em enfermarias ou em cuidados intensivos com doença grave por covid. São os números sobre a gravidade da doença que os portugueses deveriam saber, porque podemos ter 10 mil a 11 mil pessoas a testar positivo por dia, mas se a taxa de internamento de situações graves for muito baixa, isto quer dizer que a doença e a pandemia estão muito mais atenuadas".
Para Miguel Guimarães "estamos numa fase em que é incontornável que as pessoas tenham tendência para fazer uma vida mais liberta de regras, porque, embora haja ainda muita gente a contrair a infeção, a gravidade da doença é muitíssimo mais baixa. E as pessoas começam a encarar a pandemia de forma diferente".
Aliás, por isso mesmo, sublinha, "é que neste momento as restrições que temos em Portugal também são muito mais reduzidas dos que as que tínhamos no início do ano. A única restrição que ainda temos é o uso de máscara em espaços públicos fechados, nos lares e unidades de saúde e transportes públicos e, na minha opinião, caminhamos para que esta medida caia nos espaços públicos".
No entanto, defende que esta se mantenha por mais tempo "nos lares, unidades de saúde e nos transportes públicos, precisamente, para se proteger os mais vulneráveis".
O bastonário diz fazer sentido o Governo ter prolongado a obrigatoriedade da máscara nos espaços fechados até dia 22 de abril. "Faz sentido. São mais alguns dias após a Páscoa, que é um período de muita mobilização e o governo quis dar um sinal de que é preciso ter alguns cuidados, mas depois disso acho que as coisas vão mudar e faz sentido que comecem a mudar". Até porque, entramos na Primavera e "a atividade do vírus vai começar a decrescer com o aumento da temperatura".
De acordo com os dados divulgados diariamente pela DGS, Portugal registou ontem 11 373 novas infeções e 12 óbitos, o número mais baixo de mortes na última semana. Segunda e terça-feira registaram-se 23 e 22 óbitos. Como confirmou Graça Freitas na conferência, e revelando alguma preocupação, "a mortalidade específica por covid-19, foi de 28,5 óbitos por um milhão de habitantes em 14 dias". Ou seja, o país mantém "uma tendência estável e ligeiramente decrescente. Vamos ver se esta diminuição se mantém ou não".
Conforme têm explicado os analistas que fazem a modelação da evolução da doença, o número de óbitos não está a descer como se estimava devido a um aumento de casos nas faixas etárias mais idosa. E é com estes e com outros doentes vulneráveis que é preciso ter mais cautelas.