Guerra na Ucrânia pode ser oportunidade para a indústria

Efacec, Siemens e ISQ marcaram presença na maior feira industrial do mundo. E admitem que as deslocalizações do Leste e a reindustrialização da Europa podem beneficiar Portugal.
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A guerra na Ucrânia provoca "efeitos devastadores" no curto prazo, mas trará, mais à frente, oportunidades, afirma o CEO da Efacec, que admite que as empresas portuguesas têm os recursos necessários para responder aos desafios que se colocam à Europa, designadamente, ao nível da diversificação das fontes energéticas e da reindustrialização da Europa."Portugal é um país com fontes renováveis diversas, o sol, a água, o vento, e as nossas experiências podem ser exportadas. Mesmo até do ponto de vista das redes de distribuição de gás natural, Portugal tem uma situação que lhe permite diversificar as suas fontes e que pode partilhá-las com os europeus, naturalmente com as limitações da dimensão do país", defende Ângelo Ramalho, que falou ao DN/Dinheiro Vivo à margem da Hannover Messe, a maior feira de indústria e tecnologia do mundo e que hoje termina na Alemanha.

Além disso, e no que à reindustrialização diz respeito, o gestor acredita que Portugal terá um papel importante a desempenhar neste domínio. "É uma realidade que já se vivia antes, mas que hoje foi acelerada, com um regresso a casa das indústrias que nos anos 70 e 80 foram deslocalizadas. Claro que não vêm nos mesmos pressupostos em que saíram, porque hoje fala-se em indústria 4.0 e no digital, mas isso é uma oportunidade para um país como o nosso", afirma. "A Efacec vai, não tenho dúvidas, aproveitar deste potencial naquilo que é o seu interesse imediato, enquadrando-se naturalmente no ecossistema do seu país, que saberá, de forma inteligente, e aqui falo de inteligência coletiva, tirar partido disso", acrescenta.

Sobre a presença na feira, Ângelo Ramalho destaca a aposta "muito forte" da Efacec nos mercados do centro e norte da Europa, mercados "sofisticados e competitivos", mas onde a empresa portuguesa está focada em "demonstrar as suas valências e competências", nos produtos e soluções que desenvolve na área da energia, ambiente e mobilidade. E dá o exemplo do metro de Odense, na Dinamarca, inaugurado no passado fim de semana.

E apesar do histórico da empresa neste palco, onde é presença habitual, Ângelo Ramalho considera que a Efacec tem tudo a ganhar com o destaque dado às empresas portuguesas por Portugal ser o país parceiro da edição deste ano da feira, uma iniciativa que considera "francamente louvável". "Os holofotes são importantes, claro que sim, são oportunidades que não podemos perder nunca. Até porque muitos dos nossos parceiros também aqui estão", sublinha.

O CEO da Siemens Portugal, por sua vez, diz que Portugal tem "sofrido bastante" com a disrupção das cadeias de fornecimento de componentes eletrónicos, e considera que esse constitui mesmo o "problema número 1 da indústria hoje" no país. Falando aos jornalistas no stand da multinacional alemã na Hannover Messe, Pedro Pires de Miranda admite que a grande preocupação com os componentes eletrónicos não é com o seu preço, mas com a falta dos mesmos. "Não podemos fazer o scale-up da produção. Os clientes querem e pedem-nos projetos, que não conseguimos executar", garante.

A situação, diz, foi agravada pela guerra na Ucrânia, que veio criar "um problema adicional" que ninguém esperava. "O calcanhar de Aquiles da Europa é não termos a cadeia de fornecimento de componentes eletrónicos dentro do território europeu", sublinha, defendendo que a deslocação de investimentos do Leste "pode ser uma grande oportunidade para Portugal".

A empresa levou à Hannover Messe alguns casos de estudo de projetos desenvolvidos a partir da engenharia portuguesa para o mundo, caso do software desenvolvido para o setor dos terminais portuários de contentores, que pretende otimizar a gestão de toda a carga, reduzindo significativamente os tempos de espera. Um projeto implementado em Leixões mas também em vários outros países europeus, do Médio Oriente e de África, designadamente em Espanha, França, Inglaterra, mas também no Egito, Dubai e Arruba, entre outros.

Já o sistema de localização em tempo real desenvolvido pela Siemens Portugal, em parceria com a Introsys, para a Autoeuropa, que permite saber sempre onde estão os veículos autónomos que circulam na fábrica de Palmela e otimizar o seu fluxo, tem potencial para ser replicado noutras fábricas do setor automóvel e não só. "Este projeto, que aproveitamos para divulgar aqui na feira, teve uma repercussão bastante interessante dentro do contexto não só do grupo Volkswagen internacionalmente, mas também da Siemens. É uma tecnologia que está a vingar e vai ser replicada em diferentes projetos, não tenho qualquer dúvida disso", avançou o responsável da área da indústria e da digitalização na Siemens Portugal. Luís Bastos admite "há uma série de projetos" que estão a ser estudados com parceiros para tirar partido dos benefícios desta tecnologia, designadamente nos setores da têxtil e do vinho, em Portugal.

O hidrogénio é uma das grandes apostas do momento e esteve sempre sobre a mesa nos contactos mantidos por António Costa com Olaf Scholz, chanceler alemão, nos vários eventos de arranque da feira. A transição energética estava já em marcha, mas, com invasão da Ucrânia, tornou-se ainda mais premente, e o ISQ levou à Hannover Messe um sistema ultrassónico avançado para deteção de micro fissuras e outros sinais de eventual degradação das tubagens por onde passará o hidrogénio.

Um sistema destinado a produtores de hidrogénio, a refinarias e a todas as infraestruturas industriais cujas tubagens venham a conter hidrogénio, que terá de ser injetado na rede de gás natural, a altas temperaturas e a alta pressão, o que poderá resultar em micro fissuras que, se não forem detetadas, podem levar a situações graves. "A utilização do hidrogénio vai ter consequências práticas em tudo o que é indústria e nós temos que garantir que a sua introdução não vai ter um impacto negativo, designadamente rebentando com uma conduta ou um pipeline. E, para isso, são precisos sistemas preventivos, para detetar eventuais problemas, que é o que estamos aqui a apresentar", diz Pedro Matias, responsável do ISQ. E acrescenta: "A introdução do gás natural obrigou a atuar sobre toda a infraestrutura de armazenamento, produção, transporte e distribuição para prevenir uma série de problemas. Com o hidrogénio vão-se colocar as mesmas questões e temos que estar preparados para esse impacto, que tem que ser estudado, para serem desenvolvidas novas metodologias". A REN - a empresa que gere as redes em Portugal, é um dos potenciais destinatários deste serviço.

Uma cápsula que irá a Marte recolher amostras de solo para as trazer de volta à terra, uma encomenda da Agência Espacial Europeia em parceria com a NASA, que envolveu o ISQ, a Amorim Cork Composites, a Stratosphere e o PIEP - Polo de Engenharia dos Polímeros, é outro dos projetos em exposição na feira de Hannover. O desafio era o de conseguir conceber e construir uma cápsula de reentrada na atmosfera, com características termomecânicas otimizadas que não necessitasse de paraquedas ou outro sistema qualquer auxiliar para atenuar o impacto da reentrada já atmosfera terrestre, assegurando a integridade estrutural do recipiente que contém as amostras. O recurso a novos materiais "desenvolvidos especificamente para este projeto" vai assegurar tudo isso, designadamente pela junção de cortiça ao revestimento da cápsula. O ISQ assegurou os testes de desenvolvimento deste projeto, desde a caracterização dos materiais e teste mecânico dos subsistemas à validação final do demonstrador. "É seguramente um dos projetos mais inovadores e disruptivos na feira", sublinha Pedro Matias.

*Em Hannover. A jornalista viajou a convite da Siemens

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