Guerra dos spreads. Já há dois bancos a cobrar apenas 1%

Instituições financeiras estão a reduzir as margens de lucro no crédito à habitação para ganhar clientes. Banco de Portugal alerta para risco de aumento dos níveis de incumprimento.
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Mais crédito e mais barato. Nos primeiros seis meses deste ano, a banca emprestou às famílias 4,9 mil milhões de euros para a compra de casa, qualquer coisa como 27,2 milhões de euros por dia. É o valor mais elevado desde a primeira metade de 2010, apesar dos "travões" à concessão de crédito a particulares criados pelo Banco de Portugal. E as instituições financeiras não só têm aberto os cordões à bolsa como têm também vindo a esmagar as margens de lucro, já pressionadas pelas taxas de juro negativas e pela concorrência das fintechs, para ganhar clientes e negócio. Desde o início do ano, quase todos os bancos baixaram o spread mínimo. O último foi o Santander, que neste mês anunciou um spread mínimo de 1% para os clientes Select, com maiores rendimentos, e para aqueles que têm cartão Mundo. Junta-se ao Bankinter, que era até agora o único banco a oferecer um spread de 1%, ainda que também só em determinadas condições.

"Esta é uma descida que tem vindo a acontecer de forma gradual, e que está em linha com o que se passa no mercado de crédito à habitação em outros países da Europa", reflexo da política de compra de dívida e de taxas de juro zero do Banco Central Europeu, refere João Fernandes, economista da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (Deco). "Obviamente, acaba por ser vantajoso para o consumidor e afasta-se da tendência de spreads na ordem dos 5%, 6% e mesmo 7% praticados durante a crise financeira de 2008. Contudo, esta avidez pela necessidade de comercializar crédito deverá ser sempre acompanhada por uma política de concessão de crédito responsável, fundamentada numa correta avaliação de solvabilidade do cliente e da qualidade das garantias apresentadas", alerta.

A plataforma ComparaJá.pt analisou, a pedido do DN/Dinheiro Vivo, a evolução das ofertas das diferentes instituições para empréstimos com finalidade de aquisição de habitação própria e permanente. Todos os bancos reduziram o valor do spread mínimo nos últimos meses.

Além do Santander, desde maio, reduziram também as suas margens comerciais o Millennium BCP e o BPI. O primeiro passou de um spread mínimo de 1,25% para 1,1% e o segundo de 1,25% para 1,2%. No top 5 dos spreads mais baixos estão Bankinter, Santander, Banco CTT, Crédito Agrícola e Millennium BCP, com margens a variar entre 1% e 1,1%.

"Os spreads mínimos já estão muito baixos. É provável que no futuro próximo se assista a um ajuste para baixo nas margens máximas e que esta tendência acabe por generalizar-se a toda a banca", afirma o economista da Deco. Mas é pouco provável que, apesar desta guerra da concorrência, os spreads venham a baixar para os níveis de antes da crise, a rondar os 0,5%.

"Para o consumidor, quanto menor for a taxa de juro, seja por via da redução da Euribor seja por via da redução do spread, menos encargos com o crédito terá de suportar. Tudo isso acaba por gerar uma maior folga no orçamento mensal das famílias, o que é naturalmente positivo", salienta João Fernandes. "O reverso da medalha são as taxas praticadas em produtos de poupança, que, com taxas de mercado tão reduzidas, acabam por ter uma remuneração igualmente muito reduzida (ou nula, em muitos casos)", como acontece com os depósitos a prazo ou planos de poupança-reforma.

E há riscos. No relatório de estabilidade, o Banco de Portugal avisa que "é importante que as instituições tenham particular cuidado na definição dos critérios de concessão de crédito", uma vez que "continua a existir evidência, em termos agregados, de sobrevalorização no mercado imobiliário residencial desde a segunda metade de 2017". O supervisor alerta que "a tentativa de aumentar o volume de crédito através da fixação de spreads de taxa de juro que não cubram o risco de crédito de maneira sustentável poderá resultar, no futuro, num maior nível de incumprimento".

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