Guerra dentro do governo. Pedro Nuno Santos desafia João Leão
Pedro Nuno Santos já tinha avisado, há cerca de duas semanas, falando com jornalistas à margem da Train Summit, no Porto. "É uma tarefa muito difícil. Nós estamos a trabalhar com o Ministério das Finanças para conseguirmos encontrar um nível de dívida aceitável para uma empresa como a CP", dizia então o ministro das Infraestruturas e Habitação. Acrescentando, ainda sobre a dívida histórica da empresa, 2,1 mil milhões de euros: "Espero, agora, que no quadro do Orçamento para 2022 nós possamos ter novidades sobre isso."
Ou seja (dizia então): "A CP não pode comprar com este nível de dívida, porque não consegue financiamento em lado nenhum", sendo que o problema "já devia estar resolvido há muitos anos" (e reconhecendo, pelo meio, que seria difícil conseguir "um saneamento para zero"). "É com esse espírito que estamos a trabalhar com o Ministério das Finanças", afirmava - mas reconhecendo que era "mais fácil" para si do que "para as Finanças" resolver a questão. Na mesma ocasião, Pedro Nuno Santos chegou ao ponto de dar razão à greve marcada para 8 de outubro pelos trabalhadores da empresa, greve onde se reivindicam melhores salários. "Compreendo perfeitamente os trabalhadores. Acho que eles têm razão, e eu estou também na luta para conseguir o reconhecimento daquela gente, que está a fazer um trabalho fantástico pelo país e precisa de ser reconhecida", afirmou então.
Aparentemente, o "trabalhar com o Ministério das Finanças" não redundou em nada ou então em muito menos do que o ministro pretenderia. E o presidente da CP, Nuno Freitas, resolveu demitir-se ontem - três meses antes do prazo previsto.
Ao reagir, Pedro Nuno Santos foi o mais direto que podia a criticar o seu colega das Finanças, João Leão - e assim acabando também por, indiretamente, pôr em xeque o primeiro-ministro, agora na posição de ter de arbitrar um conflito já público dentro do seu governo.
O ministro começou por elogiar o gestor demissionário: "Perdemos hoje o melhor presidente que a CP já teve em toda a sua história. O engenheiro Nuno Freitas estava a liderar uma revolução na CP, a fazer um trabalho extraordinário, a permitir que o Estado poupasse milhões de euros com a recuperação de material que nós estávamos a fazer. É uma grande perda para a CP, uma grande perda para mim, é uma grande perda para o Estado português."
E a seguir acrescentou: "Conheço as razões do engenheiro Nuno Freitas há muito tempo, não são de agora. É muito difícil gerir uma empresa pública com as regras que nós temos. E é muito difícil pedirmos a um grande gestor, homem sério, de grande capacidade de trabalho e de realização, que fique muito tempo numa empresa que não consegue ter um plano de atividades e orçamento aprovado, que tem uma dívida histórica acumulada gigantesca e que não pode ser saneada, portanto retirando capacidade e autonomia de gestão à empresa, que demora meses para ter uma autorização para comprar umas rodas. É absolutamente compreensível o desalento do presidente da CP."
Questionado sobre a origem das dificuldades na gestão da CP, o ministro assegurou que se dependesse dele o problema estava resolvido, mas, pelo que disse, tudo indica que o problema maior poderá estar na demora das respostas à empresa por parte do Ministério das Finanças. "Se dependesse de mim, o problema estava resolvido. Tínhamos um plano de atividades e orçamento aprovado em tempo, a empresa não esperava meses para conseguir autorização para fazer as compras que são fundamentais para o seu funcionamento, não tínhamos uma dívida histórica, com a dimensão que ela tem, durante tanto tempo sem a resolver."
Deixou também uma promessa: "Trabalhamos todos os dias, eu trabalho todos os dias, para conseguir que a CP possa funcionar como uma empresa a sério, e não um departamento da Administração Pública. Esse é o trabalho de todos os dias. É um trabalho duro, é um trabalho difícil, mas eu faço-o."