"O crime violento, como assaltos armados e homicídios, é comum. A atividade de gangues, como extorsão, crime de rua violento e tráfico de droga, é generalizada." Este é o alerta que os EUA dão, no site do Departamento de Estado, a quem queira viajar para a Guatemala. Mas o que é perigoso para os seus cidadãos não parece ser para migrantes e refugiados..Os EUA assinaram na semana passada um acordo de "terceiro país seguro" com a Guatemala, que estabelece que os migrantes não têm direito à proteção nos EUA se tiverem passado por este país sem pedir asilo. O acordo permite ainda às autoridades norte-americanas devolverem à Guatemala os migrantes que cheguem à sua fronteira, aliviando a pressão no seu próprio sistema de imigração..A assinatura do acordo surgiu depois de o presidente dos EUA ter ameaçado a Guatemala. Donald Trump disse que ia travar toda e qualquer imigração deste país, aumentar as tarifas sobre as trocas comerciais, taxar o envio de remessas ou "todas essas hipóteses". No passado, ameaças semelhantes não foram suficientes para o México assinar um acordo do género, mas o presidente Andrés Manuel López Obrador enviou a sua recém-formada Guarda Nacional para a fronteira, de forma a travar os imigrantes de entrarem nos EUA..A ideia do "terceiro país seguro" é semelhante à que existe na União Europeia, que ao abrigo dos acordos de Dublim estabelece que um refugiado tem de pedir asilo no primeiro país de entrada na comunidade. Ou ao acordo que Bruxelas tem com Ancara, que permitiu devolver à Turquia cerca de 2400 pessoas apanhadas ilegalmente na Grécia. Os EUA já têm um acordo do género com o Canadá, mas há dúvidas de que a Guatemala possa ser considerado um país seguro. E Washington quer chegar a acordos iguais com as Honduras e El Salvador..De acordo com a Convenção de Genebra Relativa ao Estatuto de Refugiados, assinada em 1951, o país tem de cumprir algumas regras, como garantir o direito à habitação, serviços médicos, educação ou emprego. Os analistas consideram que a Guatemala não tem condições económicas ou de segurança para se converter num território seguro - de facto, há muitos guatemaltecos que estão a tentar deixar o país e entrar também nos EUA..Mais de 115 mil dos que entraram no ano fiscal de 2018 eram precisamente guatemaltecos (que não estarão abrangidos pelo acordo), só sendo suplantados pelos mexicanos. Hondurenhos e salvadorenhos são os que se seguem na lista e os principais visados do acordo. Segundo os números oficiais dos serviços de fronteiras dos EUA, nos primeiros seis meses deste ano foram apanhadas 534 766 pessoas a entrar ilegalmente pela fronteira com o México, um número que já ultrapassa o total registado em todo o ano passado (466 620). Entre janeiro e junho de 2018 foram apanhadas 202 702 pessoas..Porquê partir?.São várias as razões que levam os cidadãos centro-americanos a deixar os seus países. Fogem da seca (muitas famílias da região dependem da agricultura para subsistir), da pobreza (mais de metade da população da Guatemala vive abaixo do nível de pobreza), da instabilidade política e da corrupção ou da violência (a taxa de homicídio é das mais elevadas no mundo em El Salvador ou nas Honduras). E são atraídos por uma economia em crescimento nos EUA, pela segurança e pela rapidez de uma viagem em caravana, mas também pelas ameaças de Trump (muitos sentem que têm de tentar agora entrar nos EUA porque a situação vai piorar)..O acordo pode ter sido assinado com a Guatemala, mas existem dúvidas de que possa vir a ser implementado. Desde logo porque, segundo uma decisão do Tribunal Constitucional do país, este tipo de acordo tem de ter luz verde do Congresso. É por isso que o presidente Jimmy Morales evita falar num "acordo de terceiro país seguro". A oposição já deixou claro que vai recorrer aos tribunais, mas ações legais são esperadas também a norte: um juiz federal já disse que a Guatemala não reúne as condições para ser considerada um "terceiro país seguro"..Um problema para Trump é que Morales está no final de mandato - no dia 11 realiza-se a segunda volta das presidenciais entre a ex-primeira-dama Sandra Torres e o médico Alejandro Giammattei. Nenhum dos candidatos é do partido do atual presidente e ambos já puseram em causa a legitimidade do acordo. "É preciso ver se o ministro tinha o poder de assinar um acordo com estas características internacionais", disse Torres num comício. Já Giammattei falou de um "mau acordo" para a Guatemala..México.Trump recorre às ameaças para levar os vizinhos do sul a travar a sua própria guerra contra a imigração - enquanto espera pela construção do muro na fronteira do México que prometeu na campanha..Pressionado por Trump para assinar também um acordo de "terceiro país seguro", o México resistiu às ameaças do presidente norte-americano, mas cedeu ao enviar milhares de membros da recém-formada Guarda Nacional para as fronteiras. Na semana passada, uma imagem de um fotógrafo da Reuters que mostra uma mãe da Guatemala a implorar a um dos guardas que a deixasse passar para entrar nos EUA tornou-se viral - mãe e filho de 6 anos aproveitaram o facto de o guarda olhar para o outro lado para se lançarem para a fronteira, ficando sob custódia das autoridades norte-americanas..Segundo um balanço do ministro dos Negócios Estrangeiros mexicano, Marcelo Ebrard, o número de migrantes que chegam à fronteira com os EUA caiu quase 40% desde maio - um balanço destinado a acalmar as críticas de Trump. Ebrard acredita que a diminuição dos números se deve ao apoio que o México tem dado aos países da América Central para a criação de novos empregos e fomentar o crescimento económico na Guatemala, em El Salvador e nas Honduras..A pressão de Trump sobre os vizinhos junta-se às tentativas da Administração norte-americana de tornar praticamente todos os migrantes inelegíveis para receber asilo nos EUA. Outro mecanismo para travar as entradas é o programa Ficar no México, que devolve os migrantes a este país enquanto aguardam o processamento do pedido de asilo. Há ainda o limite do número dos que, diariamente, podem aproximar-se dos postos fronteiriços para tentar entrar. E depois há as expulsões: Trump quer que todos os migrantes ilegais apanhados nos EUA que não consigam provar que vivem há mais de dois anos no país sejam expulsos sem serem ouvidos por um juiz primeiro..Atentado em El Paso.A retórica anti-imigração de Trump é criticada pela oposição democrata, que o acusa de incentivas as divisões raciais. O presidente defende contudo que "o ódio não tem lugar" nos EUA..No sábado, um tiroteio num centro comercial de El Paso provocou pelos menos 20 mortos e 26 feridos. As autoridades norte-americanas já definiram o ataque protagonizado por Patrick Crusius, um branco de 21 anos, como um "crime de ódio" e o procurador de El Paso informou que vai ser solicitada a pena de morte..Entre as vítimas mortais há seis mexicanos (outros nove ficaram feridos) e o Governo do México vai apresentar uma queixa por terrorismo, analisando a possibilidade de pedir aos EUA a extradição do autor do tiroteio. "Temos estado em contacto com a Procuradoria Geral da República para que nos seja fornecida toda a informação necessária e, caso o decidam, iniciar uma queixa [judicial] por terrorismo relacionada com cidadãos mexicanos em território dos EUA", disse Ebrard..O chefe da diplomacia mexicano já tinha referido que México vai promover "ações jurídicas" para exigir a proteção dos mexicanos nos EUA.