Guardas da Revolução: "punho de ferro" do Irão contra os protestos.

Autoridades iranianas alertaram que manifestantes antigoverno vão "pagar o preço" dos seus atos e limitou o acesso às redes sociais através das quais muitos dos protestos dos últimos quatro dias foram convocados.
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Fundados pouco depois da criação da República Islâmica em 1979, os Guardas da Revolução obedecem apenas ao guia supremo - na altura o ayatollah Khomeini, hoje o seu sucessor, Ali Khamenei - e a sua tarefa é proteger o regime. Com 125 mil efetivos divididos pelos três ramos das forças armadas tradicionais (exército, força aérea e marinha), no controlo da milícia paramilitar Basij e das forças especiais Quds, para operações no estrangeiro, não espanta que tenha sido a eles que o governo recorreu para travar os protestos dos últimos dias.

"Se as pessoas vieram para a rua protestar contra os preços elevados, não deviam gritar estes slogans nem queimar propriedade pública e carros", afirmou à agência ISNA o brigadeiro-general Esmail Kowsari. Os Guardas da Revolução deixaram bem claro que quem"violar a lei e a ordem pública" enfrentará uma resposta com "punho de ferro". Com influência em todos os setores da sociedade iraniana - da política à economia - os Guardas da Revolução não deixam de ser uma temível força militar, um verdadeiro "Estado dentro do Estado". Em 2009, coube-lhes reprimir os protestos contra a reeleição do então presidente Mahmud Ahmadinejad - a chamada revolução verde -, recorrendo a bastonadas, gás lacrimogéneo e armas de fogo, bem como a prisões, com a oposição a denunciar torturas.

Ontem, as autoridades iranianas limitaram o acesso às redes sociais - sobretudo os serviços de mensagens do Instagram e do russo Telegram - para tentar travar os protestos. Se Khamenei ainda não se pronunciou sobre os protestos, ontem o presidente Hassan Rouhani, reeleito neste ano com a promessa de defender a liberdade de expressão, garantiu que os iranianos têm direito de se manifestar, mas devem evitar a violência.

As primeiras manifestações surgiram na quinta-feira em Mashhad, a segunda maior cidade do país com 2,8 milhões de habitantes. Alastraram a outras localidades no dia seguinte e chegaram a Teerão no sábado. A capital foi palco simultaneamente dos protestos da oposição e de uma manifestação de apoio ao regime. Em várias cidades, os manifestantes entraram em choque com a polícia, tendo duas pessoas sido mortas em Dorud. As autoridades negam que os Guardas da Revolução tenham sido responsáveis pelas vítimas, culpando extremistas sunitas ou potências estrangeiras. Uma referência indireta à Arábia Saudita, sunita, grande rival regional do Irão, xiita. Os dois países têm-se enfrentado por interposta pessoa em vários palcos, da Síria ao Iémen, apoiando grupos rivais.

Com o país a perder 15% da sua riqueza na última década e o desemprego nos 12,4%, a economia iraniana tem sofrido com as sanções impostas devido ao seu programa nuclear. E as ameaças do presidente dos EUA, Donald Trump, de rasgar o acordo sobre o nuclear assinado em 2015 só vêm reforçar as tensões e receios. Muitos dos manifestantes questionam a decisão do governo de concentrar tantos recursos em conflitos externos em vez de investir em assuntos internos. "Nem Gaza nem o Líbano, a minha vida pelo Irão", gritava-se nas ruas de Mashhad, segundo relatos que chegaram à BBC.

Ontem Trump voltou a tuitar o seu apoio ao povo iraniano. O presidente americano escreveu: "O povo está a ficar finalmente farto de ver o seu dinheiro roubado e desperdiçado no terrorismo. Parece que não o vão aceitar mais. Os EUA estão a vigiar de perto as violações dos direitos humanos."

Confinados inicialmente a pequenas bolsas e dinamizados sobretudo por jovens do sexo masculino (apesar de as imagens que nos chegam também mostrarem algumas mulheres envolvidas), os protestos alastraram a vários pontos de norte a sul do país. E, segundo os analistas, têm potencial para crescer. Isto apesar de a oposição não ter um líder óbvio, com muitos dos que ousaram desafiar o regime dos ayatollahs a serem silenciados ou exilados. Mas mesmo fora do Irão, nenhuma figura da oposição lidera uma grande base de apoio.

Nos últimos dias alguns dos manifestantes pediram o regresso ao país de Reza Pahlavi, o filho do xá derrubado pela Revolução Islâmica de 1979. Pahlavi, de 57 anos, vive nos Estados Unidos e é o fundador do Conselho Nacional do Irão. Mas faltam apoiantes a este movimento, talvez devido à resistência ao regresso da monarquia entre os iranianos. Em abril, numa entrevista à rádio Voz da América, Pahlavi mostrou-se convencido de que esse sentimento de desconfiança está a desaparecer entre os mais jovens. E perante um regime iraniano que diz que "não é reformável", defendeu "uma revolução pacífica".

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