Greve geral contra a reforma das pensões. Mais um teste a Emmanuel Macron

Dia de paralisação em França para contestar o projeto da reforma do regime das pensões. A greve pode continuar por vários dias.
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Vindo de dois dias de alta tensão em Londres, onde participou na cimeira da NATO, Emmanuel Macron regressa a Paris em dia de mobilização popular. Uma greve geral que junta sindicatos, partidos da oposição e coletes amarelos, todos contra a reforma das pensões.

Há dois anos, em visita a Bucareste, ainda em estado de graça, o mais novo presidente da história de França dizia que o seu país "não é reformável". "Os franceses detestam as reformas", justificou então, não sem depois, em nota otimista, recordar que os eleitores "fizeram uma escolha de um político que não existia no seu quotidiano há muito tempo".

Um ano depois, já com as sondagens a castigá-lo, a demissão do mais popular ministro, Nicolas Hulot, que tinha a pasta da Transição Ecológica, trouxe de novo a questão à tona: a França é irreformável?

O combate às alterações climáticas faz parte do discurso oficial do governo francês, orgulhoso do Acordo de Paris, mas na prática o dossiê está longe de receber um impulso. À demissão de Hulot, desiludido com o governo, seguiu-se François de Rugy, que também se demitiu, embora este devido a um escândalo de jantares de luxo e de obras no gabinete enquanto foi presidente da Assembleia Nacional.

E é de recordar que o movimento popular dos coletes amarelos nasceu devido ao aumento dos impostos sobre os combustíveis, uma medida justificada pelo governo para desincentivar o transporte particular e financiar a transição energética.

Transformar 42 regimes num só

Agora o que está em causa é a reforma do sistema de pensões. O governo quer um sistema universal por pontos em vez dos 42 regimes de pensões existentes. Esta alteração consta do programa de candidatura de Emmanuel Macron: "Um sistema universal com regras comuns de cálculo de pensões será progressivamente posto em prática."

Ainda ninguém sabe o que o governo liderado por Édouard Philippe vai propor ao pormenor no dia 12 para depois ser discutido no Parlamento em 2020, embora no domingo passado o primeiro-ministro tenha recebido os seus colegas para lhes transmitir detalhes sobre o plano.

Os sindicatos temem que as mudanças, na prática, obriguem milhões de pessoas a trabalhar para lá da idade legal de reforma, 62 anos, para poderem obter a pensão por inteiro.

"Se nessa reforma existir a ideia de que se tem de trabalhar durante mais tempo, a resposta é niet", disse o secretário da Confederação Francesa Democrática do Trabalho, Laurent Berger.

Nos dias 9 ou 10 de dezembro, o responsável pela pasta, o alto-comissário das Pensões Jean-Paul Delevoye, vai fazer as suas propostas. A ministra dos Transportes, Élisabeth Borne, mostrou abertura para negociações. Embora quer o presidente quer o primeiro-ministro tenham dado sinais de resolução.

O curioso é que uma larga maioria dos franceses concorda com a necessidade de se reformar o sistema de pensões, porém não confia no governo para realizar a tarefa. É o que conclui a sondagem do Journal du Dimanche: 76% estão de acordo com uma reforma e 61% também concordam com a harmonização dos diferentes regimes, mas 64% desconfiam de Emmanuel Macron e de Édouard Philippe.

Quanto à greve, 46% dos franceses declaram-se favoráveis, 33% contra e 21% dizem-se indiferentes.

No Le Monde , 180 artistas e intelectuais, entre os quais o economista Thomas Piketty, assinaram um texto de apoio à greve. "Temos de o reafirmar hoje: apesar da intimidação constante e da repressão extrema que se tornou sistémica, a democracia não deve continuar a ter medo do povo. Liberdade e igualdade, ecologia e justiça, todos os fundamentos essenciais da nossa República não podem continuar a ser conceitos vazios."

Também em 1995, o sociólogo Pierre Bourdieu se declarou favorável à greve da reforma das pensões. Nesse ano, o chamado plano Juppé, contestado nas ruas durante três semanas, acabou com o governo a ceder.

"Black thursday"

Depois da Black Friday, "vai ser uma black thursday [quinta-feira negra] nos transportes", anunciou o Le Parisien. A maior parte das ligações de comboio vai ser cancelada, 11 das 16 linhas de metro de Paris estarão fechadas, centenas de voos vão ser cancelados. A maior parte das escolas e infantários não vão abrir portas. São esperadas 245 manifestações em todo o país, duas delas em Paris, que irão terminar na Place de la Nation. O comércio e as empresas nas ruas dos desfiles têm ordem da polícia para encerrar.

"Sabemos que vão estar muitas pessoas nos protestos e sabemos dos riscos associados. Solicitei que onde houver vandalismo ou violência que se façam detenções", anunciou o ministro do Interior, Christophe Castaner. Durante meses, os protestos dos coletes amarelos levaram à capital francesa manifestantes que recorreram ao vandalismo, embora também se queixem da atuação da polícia, que deixou um rasto de feridos (22 pessoas perderam um olho e cinco sofreram amputações devido às armas LBD).

Aos sindicatos, juntam-se os coletes amarelos e o Partido Socialista, Partido Comunista, a França Insubmissa de Jean-Luc Mélenchon, e à direita a União Nacional de Marine Le Pen.

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