Greve. Costa "forjou" geringonça sindical que poupa Pedro Nuno Santos

A proposta governamental de aumentos salariais de 0,3% para a função pública provoca hoje uma rara unidade entre as duas centrais sindicais - e respetivos sindicatos. Os transportes, contudo, não paralisam.
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Oficiais de justiça, médicos, enfermeiros e auxiliares, professores e funcionários das escolas públicas, bombeiros, polícias, trabalhadores da recolha do lixo, funcionários da Segurança Social e de IPSS.

Estes são os principais setores convocados para a greve da função pública, convocada por sindicatos afetos às duas centrais sindicais, que começou às 00h00 de hoje, prolongando-se até às 24h00.

O governo está na mira dos grevistas por causa dos aumentos salariais da função pública propostos para este ano (0,3%, a taxa de inflação de 2019). A proposta "forjou" uma rara - mas não inédita - geringonça entre as centrais sindicais. Contudo, não atingirá o ministro que é, dentro do governo do PS, notoriamente o mais amigo do espírito da unidade de esquerda, Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e Habitação (que há dias lamentou a ausência nesta legislatura de um acordo escrito entre o PS e os partidos à sua esquerda, como houve na legislatura anterior).

Não atingirá porque o setor dos transportes - e designadamente a CP - não está em greve. E não está porque, com empenho direto do ministro, os sindicatos dos trabalhadores ferroviários (FECTRANS) e a administração da CP assinaram, em 10 de janeiro, um acordo de princípio parcial relativo a um novo acordo de empresa, prosseguindo agora as negociações, tendo em vista melhorias salariais e de condições de trabalho.

Poupado é também o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, que tutela empresas de transportes urbanos como a Carris ou o Metro. Na Carris estão também em curso negociações para revisão do acordo de empresa.

A mobilização da UGT e dos seus sindicatos surge como mais um sinal do mal-estar crescente entre sindicalistas do PS e o governo do PS. Carlos Silva, líder da central, voltou ontem a queixar-se da "desconsideração do movimento sindical" que, no seu entender, está a ser levada a cabo pelo executivo, começando pelo próprio António Costa.

"Ao não querer reunir com a central [UGT] e quando em reuniões setoriais com a administração pública chegam lá os nossos sindicatos e dizem 'só temos isto para vos dar, ponto final'... Isso não é negociar. Para isso, mandavam uma carta e diziam 'nós só podemos dar 0,3'. Não ofendiam tanto os sindicatos. Portanto, há uma desconsideração para com o movimento sindical", afirmou Carlos Silva, no final da reunião do secretariado nacional da central que decorreu em Castelo Branco.

"Quando chegamos à concertação social somos surpreendidos, por um lado, em vez de discutirmos rendimentos, discutimos competitividade. Isso é para as empresas e para a economia. E a economia é para acomodar um conjunto de exigências dos empresários portugueses e bem, que nós não pomos em causa, mas também queremos igual tratamento para os trabalhadores. E então onde é que está o social? Foi comido pelo económico, foi comido pelas questões empresariais. E o governo tem de perceber isto", sustentou ainda.

Alvo particular da insatisfação da UGT parece ser mesmo o primeiro-ministro: "Se já afirmei que desde 2016, quando o Presidente da República foi eleito, que já veio três vezes à UGT e de todas essas vezes nós convidamos o primeiro-ministro e ele nunca veio, alguma coisa se passa", disse o líder da central - para quem é "tremendamente incómoda" a situação de o chefe do governo receber a CGTP mas não a sua central sindical.

Para a UGT, o que está em causa é mesmo, por parte do governo, "o esvaziamento da concertação social" e o "esvaziamento da negociação coletiva", afirmou Carlos Silva.

E agora o que se passa é que um acordo geral sobre política de salários, rendimentos e competitividade com os parceiros sociais está "cada vez mais distante" porque essa ideia foi "contaminada por uma proposta de Orçamento do Estado que pouco ou nada responde às necessidades e expectativas dos trabalhadores portugueses" e pela "proposta de aumentos salariais para a administração pública de 0,3%" que resulta de uma "decisão unilateral à margem de qualquer processo negocial efetivo".

Queixando-se de falta de atenção por parte do governo, Carlos Silva já anunciou que não se voltará a recandidatar à liderança da UGT. Deverá suceder-lhes o secretário-geral da Federação dos Sindicatos da Administração Pública (Fesap), José Abrãao, também militante (e dirigente) do PS.

Na CGTP, Arménio Carlos também está de saída. O congresso da sucessão decorrerá dentro de duas semanas (14 e 15 de fevereiro), no Seixal.

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