Green Book - O guia para deixar o público feliz
Uma história verdadeira escondida no baú das memórias. Green Book - Um Guia para a Vida, de Peter Farrelly, está nomeado a alguns dos principais Óscares e continua a ser o filme mais forte para combater o favoritismo de Roma, de Alfonso Cuáron. A história em questão é a relação de amizade entre o pianista gay afro-americano Donald Shirley e Tony Lip, um motorista ítalo-americano obeso e preconceituoso. Uma amizade que nasceu nos anos 1960 durante uma digressão do músico de jazz pelo sul da América, em plena luta pelos direitos raciais, e que testemunha a velha máxima dos encontros improváveis.
Esta dupla é interpretada por Viggo Mortensen e Mahershala Ali, ambos nomeados respetivamente para ator principal e ator secundário, sendo mesmo evidentes favoritos (Mortensen divide o favoritismo com Christian Bale, de Vice). Mas GreenBook, autêntico "crowdpleaser", é um campeão da simpatia, um objeto de cinema que mistura habilmente referências de melodrama com uma cintilante doçura de comédia. Ao mesmo tempo, funciona numa narração de "road-movie" sempre perfeita e sem medos de evocar uma certa ressonância classicista. Uma obra de puro entretenimento que aborda traumas racistas de um passado americano e que aqui, pela câmara de Farrelly, têm sempre uma espessura emocional notável, mesmo quando o processo esteja montado por uma simplicidade desarmante.
Dir-se-ia que o Peter Farrelly de Doidos por Mary e Doidos à Solta encontrou uma profundidade quase luminosa, encontrando uma adjudicação de olhar pela América nos limites da armadura ética. Há grandes momentos de realização, sobretudo quando as próprias personagens olham pela janela do carro e descobrem um pesadelo racista que não bate certo com o "sonho americano".
Green Book é também um cartão postal de tolerância; contido e justo. Emociona-nos sem ser piegas, eleva-se a algo mais transcendente sem necessitar de truques de alto cinema. É a tal simplicidade de um cineasta que, aqui e ali no passado, já dava indícios de outros voos. A tal sombra Capriana do filme faz bem ao cinismo das plateias modernas. Mais do que nunca, chegou um filme para ser visto com o coração, fulcral nestes tempos de Trump.
Por muito que o sua montada de esgueira de exploração do cliché das mais belas histórias de amizades masculinas possa estar exposta, o argumento é tão bem escrito que narrativamente tudo acaba por estar no sítio e dentro de uma força de emaravilhamento total.
É claro que Farrelly mostra não ter unhas para as sequências dramáticas mais fortes, embora toda a afinidade por uma raiz de cinema humanista compense tudo. O fôlego desta câmara é subtil e com um sentido de humor muito feliz.
Não é por acaso que venceu no Festival de Toronto o prémio do público e muito menos é coincidência aquela salva de palmas no mesmo festival com lágrimas e "hurras" durante mais de 15 minutos. Green Book toca a quem não for cínico e em França há críticos a dizer que é um filme que "faz bem". Em Portugal, para não variar, vai ser muito atacado...