Grande Prémio EDP para o "acutilante" Artur Barrio, luso-brasileiro

Artur Barrio é o sétimo artista a ser distinguido com o grande prémio da Fundação EDP. No seu trabalho -- "efémero", segundo o próprio, "acutilante, segundo o diretor do MAAT -- usa materiais como lixo, carne ou sangue.
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"A leitura deste livro é feito do corte/ ação da faca do açougueiro a carne com o consequente seccionamento das fibras; / finuras, etc., etc.. - assim como as diferentes tonalidades e colorações. Para terminar é necessário não esquecer das temperaturas, do contacto sensorial (dos dedos), dos problemas sociais etc. e etc.", escreve o artista plástico luso-brasileiro Artur Barrio em 1979 sobre o modo de ler a obra de arte Livro de Carne, uma das várias em que usa materiais orgânicos para se expressar e uma das mais emblemáticas de uma carreira distinguida com o Grande Prémio Fundação EDP Arte para artistas portugueses.

"Minha obra é toda a efémera", afirma o artista, 72 anos cumpridos na quarta-feira, após a conferência de imprensa na Fundação EDP, ontem, após o anúncio do prémio. "Acutilante", nas palavras de Pedro Gadanho, diretor do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), um dos oito membros do júri que escolheu o vencedor deste ano: António Mexia, presidente do Conselho de Administração da EDP; João Pinharanda, ex-programador da Fundação EDP e atual adido cultural da embaixada de Portugal em Paris; Hans Ulrich Obrist, diretor artístico da Serpentine Gallery, em Londres; Suzanne Cotter, diretora do Museu de Serralves; Emília Tavares, conservadora de fotografia e novos media do Museu Nacional de Arte Contemporânea; Nuno Crespo, crítico de arte; e a diretora do Basel Art Institute, Chus Martínez.

Prémio Velázquez em 2011, em Espanha, Barrio foi escolhido "por unanimidade", disse António Mexia. "O objetivo deste prémio é reconhecer as pessoas que têm um contributo decisivo para a disciplina, seja a pessoa mais ou menos conhecida", justificou, sobre a distinção e a atribuição a um artista que fez a sua carreira no Brasil.

Voz ativa na luta contra a ditadura militar , a denúncia da violência contra os opositores ao regime esteve presente logo numa das suas primeiras obras, Situações, de 1970, também conhecida como Trouxas Ensanguentadas - fardos de pano cheios de detritos orgânicos (carne, de novo), com uma forma que lembra corpos com sangue. Usou-os na exposição coletiva Do Corpo à Terra. Arremessou cerca de 40 fardos no Rio Arrudas, Belo Horizonte.

Nascido em Santo Ildefonso, Porto, em 1945, Artur Alípio Barrio de Sousa Lopes, é filho de um industrial dono de uma fábrica no Rio Ave e emigrou para o Brasil em 1955, com a família. Num breve discurso, justificado pelo pânico de falar em público, agradeceu o prémio "como reconhecimento do seu trabalho e incentivo à continuação". Considerou-o um "regresso a casa". "Chega a um momento em que a gente tem de pôr a mala em algum sítio".

"Todos os anos venho aqui [Portugal], três, quatro vezes", conta ao DN. "Voltei em 1974 com a revolução dos cravos. A guerra colonial ainda estava em curso, era um país muito pobre, semi-destruído, a estrada Lisboa-Porto era um buraco", recorda o artista, 19 anos na altura. "Eu vim porque podia vir. Eu era contra o regime, não aceitava, e não tinha interesse nenhum em servir o exército em parte nenhuma", relembra.

Por essa altura, começou também a mostrar a sua obra em Portugal. "Participei nos encontros de Viana do Castelo, fiz muito trabalho no campo, que, aliás, continuo a fazer. Portugal dá-me uma informação muito grande para o meu trabalho e isso, por si só, já é muito", justifica.

O luso-brasileiro é o sétimo artista a receber este prémio, sucedendo a Lourdes Castro, Mário Cesariny, Álvaro Lapa, Eduardo Batarda, Jorge Molder e Ana Jotta.

Os vencedores recebem um prémio de 50 mil euros e são contemplados com uma exposição que se realiza num período até três anos. A antológica da obra da artista Ana Jotta, a última vencedora, está a ser preparada para o último trimestre do ano e poderá ocupar um espaço fora do campus da Fundação EDP, assumiu Pedro Gadanho.

A exposição que celebra a obra de Artur Barrio foi apontada para fins de 2019. Garante que não vai pensar nada até ao momento em que tiver de mostrar o seu trabalho. "É preguiça criativa", afirmou, sobre o método de trabalho, na conferência de imprensa, ladeado pelo presidente da EDP, o diretor do MAAT e o diretor executivo da Fundação. Sublinhou-o depois ao DN. Assegura que o fará quando vir o espaço. "Vou chegar e vou fazer", disse. "Não faço projetos pré-programados, crio no momento. É uma conquista, uma direção que o meu trabalho vem seguindo", refere. Tem sido assim nas várias instituições por onde tem passado, diz, diz, desfiando os seus nomes: Gens, Tóquio, Paris...

Será assim, promete, no próximo ano, no Museu Reina Sofia, em Madrid, onde vai reencontrar João Fernandes. O atual subdiretor da instituição espanhola comissariou a exposição Navegações / Divagações apresentada no Museu de Serralves em 2012.


Artur Barrio (ao centro) nasceu no Porto e vive desde 1955 no Brasil

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