Graça Fonseca entrou na Casa da Cidade Criativa de Leiria pela porta dos fundos. Se tivesse entrado pela frente do Centro Cívico (que aberta agora o espaço), a primeira imagem que a ministra da Cultura teria visto eram dois cestos, a encher de latas de grão, feijão, atum e outros bens alimentares, no âmbito de uma campanha de angariação de bens de primeira necessidade, para apoiar os artistas em dificuldade..A iniciativa era do Nariz- Teatro de Grupo, que também é responsável pela organização do festival de jazz que, entre junho e agosto, sempre ao final da tarde de cada domingo, vai ser palco de espetáculos na zona histórica de Leiria. O primeiro aconteceu precisamente este domingo, no âmbito do Dia Europeu da Música, abrindo as portas daquela que será a casa de Leira, cidade criativa - assim classificada pela Unesco em outubro último. E teve como espetadora especial a ministra da Cultura..Gonçalo Lopes, o presidente da Câmara, acredita que esta é uma alavanca para a candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura, em 2027. A ministra anui, mas não pode comprometer-se especialmente com nenhuma das 9 cidades portuguesas com a mesma ambição, e por isso prefere elogiar o que encontrou por ali. Ou melhor, o que encontrou antes de chegar ali. À margem do programa, acabou por visitar primeiro o projeto Serra - espaço cultural, na aldeia de Reixida, em Cortes (onde de resto funciona a Casa Museu João Soares, pai de Mário Soares, que era natural da freguesia)..E Graça Fonseca não escondeu o encanto pelo projeto: "eles não gostam de se autointitular como incubadora, mas na verdade é um espaço onde artistas de diferentes áreas (música, audiovisual, artes visuais) que se juntam e criam entre si, e têm condições de criar, colocar as suas criações no mercado nacional e internacional. É uma parceria feliz entre uma associação privada e e uma das grandes empresas da região, que revela bem o que pode ser uma casa criativa e qual é o impacto que uma casa com diferentes projetos criativos pode ter num território". É ali, de resto, que funcionam projetos tão distintos como o coletivo Casota (uma produtora audiovisual) ou os internacionais First Breath After Coma, a designer Sandrine Vieira, entre muitos outros de diversas áreas..O exemplo que veio da Serra.E uma vez entusiasmada com a(s) ideia(s), o que pode a ministra da Cultura fazer para apoiar aquela Serra? "Podem sempre ter o apoio da DG Artes", disse ao DN Graça Fonseca, aproveitando para salientar o exemplo que trouxe de lá: "durante os três meses difíceis que todos vivemos, os projetos e muitos dos criativos conseguiram reinventar-se. Há aliás o caso de um coletivo que contratou mais uma pessoa. Pensaram de forma muito rápida como se adaptar a uma situação que ninguém estava à espera"..E poderiam os artistas ter-se reinventado, com outra criatividade e menos queixas - quis saber uma jornalista. "Eu não sou daquelas que acho que os artistas se queixam demasiado. Só para que fique registado", atirou a ministra, sublinhando que "ninguém estava preparado para isto. Não há memória de nenhum de nós, nem os nossos avós terem sido forçados ao recolher obrigatório. Isto é algo extraordinariamente transformador de tudo. É preciso perceber a dimensão da mudança que coloca nalguns setores. E o setor da cultura está na linha da frente com maior impacto. Porque a cultura necessita que estejamos juntos. Não é igual ver uma peça na tv ou num palco. O teatro precisa do seu público e o público precisa do teatro, quando não podemos estar numa sala, o impacto que tem sobre artistas, sobre técnicos, é brutal", conclui Graça Fonseca..A importância do estatuto do artista.Partindo desse princípio, e da forma brusca como o país e o mundo mergulharam em pandemia, a ministra da Cultura sublinha, de novo, como ninguém estava preparado. Agora, "estamos todos [o governo] a tentar fazer o melhor possível para responder com medidas concretas para fazer face a esta situação de emergência, procurando ao mesmo tempo continuar a trabalhar e a construir medidas estruturantes para o futuro que preparem melhor o setor para situações como esta, como o estatuto dos artista, a discussão das carreiras contributivas e condições laborais"..Graça Fonseca considera que "os países que colocam a cultura no centro da sua coesão territorial tendem sempre a ser casos de sucesso". E é assim que quer ver Portugal, com a ajuda da diplomacia. Mais tarde, haveria de explicar a importância da ação cultural externa - um programa que tem já três anos, em que Cultura e Ministério dos Negócios Estrangeiros se uniram para ter um programa conjunto de diplomacia cultural - "que visa todos os anos identificar os projetos da música, da literatura, das artes permormativas, que identifica os projetos e promove de forma integrada e estratégica a promoção internacional da cultura portuguesa".."Existem bom exemplos a nível mundial de cruzamento entre media e arte, tecnologia e arte e as estratégias territoriais assentes na criatividade, são estratégias que têm sempre impacto positivo no nível económico e social e da capacidade que as regiões têm de dar condições aos seus artistas para criarem, em tempos difíceis e serem capazes de continuar a trabalhar. Leiria tem feito esse trabalho, com a casa da criatividade, ou com a Serra, e essa é uma estratégia que deve ser adotada territorialmente, que deve funcionar em rede", considera Graça Fonseca, confiante no impacto nacional que daí resultará..No dia europeu da música, enquanto lá fora decorria o concerto de Paulo Santo Quinteto (o primeiro do festival Criajazz), a ministra da Cultura deixou em Leiria a ideia de que "existe um extraordinário talento em Portugal, nas diferentes regiões". Ali, em tempo de pandemia, as ruas da zona histórica não acolheram o já celebre festival A Porta, neste junho. Mas estão a reinventar-se, graças ao talento local.