God save TV
A terceira temporada da popularíssima série sobre a realeza britânica The Crown (disponível desde Novembro na Netflix) não comete o erro de experimentar truques novos e começa da maneira esperada - e tematicamente apropriada: devagarinho, respeitando o protocolo e com todo o aspecto de ter custado imenso dinheiro. Cabeças ornadas com tiaras, criados de libré, batalhões de conselheiros com ar atarefado, planos demorados de longos corredores, tapetes magníficos, tectos altíssimos de onde pendem duas toneladas de lustre e diálogos decorosamente estilizados, capazes de humedecer os olhos de João Carlos Espada a três mil quilómetros de distância ("Majestade", "Sua Excelência", "Madame", "Lord Cecil Feldspath-Badminton, ao seu dispor").
A sequência inicial culmina com a rainha - agora interpretada por Olivia Colman - a olhar para dois selos postais gigantes, num dos quais se vê a cara da rainha - previamente interpretada por Claire Foy. "As diferenças são mínimas", assegura nervosamente um dos conselheiros, numa violenta piscadela de olho ao público. A rainha responde que a idade quase nunca é generosa. "A única coisa a fazer é seguir em frente."
"Seguir em frente" é um incaracterístico espasmo retórico para uma personagem que passa grande parte da série a pregar as virtudes da imobilidade. Muitas das suas interacções com o resto da família - a irmã Margaret, que julga ter uma "personalidade", o filho Charles, que quer desesperadamente arranjar uma - são rematadas com elogios da inércia. "O nosso dever é quase sempre ficar em silêncio", explica a uma. "Muitas vezes, não fazer nada é a nossa função", explica ao outro.
É uma doutrina que o argumento cumpre quase à risca. Nada de interessante acontece na história, a não ser a história. Nos intervalos, membros da família vão lendo o guião na presença uns dos outros, ou então por telefone ou telegrama. Há várias cerimónias, alguns discursos, e uma ou outra cena em que a realeza se dedica aos seus desportos predilectos (caça, pólo, gafes públicas, incesto competitivo). "Ficar em silêncio" e "não fazer nada" podem não parecer as fundações mais promissoras para construir um drama empolgante, mas seria um erro metodológico (e um erro de categoria) injectar um frenesim de peripécias artificiais naquilo que é essencialmente a história de uma instituição que se autodefine ficando quieta no mesmo sítio enquanto o tempo vai passando à sua volta.
O tempo a passar, de resto, é o grande antagonista silencioso da série. E, nisso, The Crown não é substancialmente diferente de outros dramas históricos que, diferenças de qualidade à parte, pertencem à sua linhagem. Como em O Leopardo, Parade's End, Brideshead Revisited ou Downton Abbey, o "fim de uma era" é o tropo central, e o pavor que assalta o numeroso elenco é que as coisas deixem de ser como sempre foram. Em séries como esta, é uma questão de tempo até uma personagem lamentar num tom fatalista que "o mundo está a mudar...", normalmente enquanto olha pela janela do palácio.
Permanecer imutável no meio do fluxo é como a rainha entende a sua função. Como é evidente, isto também é explicado em voz alta, porque não há aqui lugar para mecanismos tão plebeus como "subtexto". The Crown não é o tipo de série que dramatiza duas ou três cenas para mostrar que duas irmãs são o oposto uma da outra; é o tipo de série que dramatiza catorze ou quinze cenas para mostrar que duas irmãs são o oposto uma da outra - e depois encena um diálogo entre as duas irmãs, durante o qual uma delas diz literalmente "sabes... nós somos o oposto uma da outra".
Ainda assim, o mundo moderno (a tal coisa que insiste em mudar) talvez não seja uma ameaça existencial. Quatro séculos depois de o último monarca britânico ter sido decapitado, o mais grave que lhe pode acontecer é que a hashtag #guilhotina apareça breve e semi-ironicamente nas tendências do Twitter. Quatro séculos de contingências políticas, culturais, tecnológicas e genéticas transformaram a família real britânica num reality show constitucionalmente consagrado: um desfile ininterrupto de casamentos, divórcios, "presenças" e fotos em topless cujo propósito tem hoje muito menos a ver com poder do que com entretenimento.
Um episódio posterior da terceira temporada é dedicado ao infame e catastrófico documentário de 1969, para o qual a família escancarou a sua privacidade às câmaras da BBC durante meses, e que é consensualmente visto como crucial na sua própria desmistificação - e como o primeiro passo na sua despromoção a manchete de tablóides. A dada altura no episódio, a família é filmada enquanto vê televisão, momento que antecipou em três décadas o principal apelo de programas como Big Brother e Casa dos Segredos, e que arranca à princesa Margaret o comentário: "Vamos aparecer na televisão a ver televisão, isto é o cúmulo da banalidade."
Talvez, mas também revela a instituição com a qual um monarca constitucional mais tem em comum: o drama televisivo de prestígio, especialmente a série de época. Ambos apoiam-se em tradições, protocolos e hábitos ancestrais que degeneraram em automatismos (pescoços ungidos com óleo, lenços escarrados com sangue, pessoas a dizer umas às outras aquilo que já sabem). Ambos abdicam das suas características individuais para se tornarem cifras neutrais e infinitamente maleáveis: símbolos cuja utilidade é ajudar a escoar a necessidade colectiva mais premente (orgulho nacional, ansiedade cultural, luto, nostalgia, uma hora livre ao fim de um dia de trabalho, etc.). Ambos aspiram à condição de anacronismo permanente; ambos desejam (idealmente) durar para sempre. O Fundo Soberano - a quantia anual fornecida pelo governo para sustentar a família real - ascendeu no ano passado a 82 milhões de libras. Cada temporada de The Crown custa à volta de 97. É fazer as contas.
A melhor frase da série inteira - e também a mais sucinta e honesta descrição tanto de The Crown como de inúmeras congéneres televisivas - é dita pelo príncipe Phillip, numa tirada carrancuda durante uma digressão pela Austrália: "Se os vestidos forem suficientemente grandiosos, se as tiaras forem suficientemente brilhantes, se os títulos forem suficientemente ridículos, se a mitologia for suficientemente incompreensível, então vai correr tudo bem."
Escreve de acordo com a antiga ortografia.