Giorgio Armani. Um homem para todas as estações (1.ª Parte)
A moda é rápida e passageira. É essa a questão. Os estilistas têm sorte se conseguirem apresentar o seu trabalho na passarela durante dez anos. Aqueles que duram uma vida ou deixam um legado podem ser contados pelos dedos de uma mão - Coco Chanel, Yves Saint Laurent, Karl Lagerfeld e Giorgio Armani. Chanel e Saint Laurent já morreram. Lagerfeld é um mercenário na Chanel e na Fendi. Só Armani continua a criar várias coleções sob o seu próprio nome, cerca de 40 anos depois de ter começado. Ele é o estilista mais conhecido e mais rico da era moderna - e, desde a morte de Pavarotti, é provavelmente também o italiano vivo mais conhecido.
"Há uma grande luta entre mim e Berlusconi", diz ele. "Mas não suporto Berlusconi. Acho tudo o que ele faz muito vulgar. A maneira como ele fala. E as suas mulheres!" Isto é típico de Armani. A maioria das pessoas do mundo da moda é imensamente divertida na passarela, mas irremediavelmente aborrecida fora dela, aflita para não dizer uma palavra fora do sítio não vá isso desencadear um boicote dos consumidores. Armani é o oposto. As suas passagens são tão suaves, que ele é muitas vezes criticado por ser chato. "Il Signor Beige", desdenham os críticos. Mas, cara a cara, sentado perto da lareira no seu palazzo de Milão, ele é extremamente honesto. "Pergunte-me o que quiser", diz. "Eu tenho ideias definidas."
OK, signore, vamos começar pela sua excessiva mania do controlo e pelo seu mau temperamento. Muitas pessoas sabem que Armani gere minuciosamente a sua equipa de criação, recebe o crédito de tudo, exige ser chamado Sr. Armani e até se refere a si próprio como Sr. Armani. O que é menos conhecido é que por trás da sua calma estudada, do seu aspeto bronzeado e de quem está em férias permanentes, se esconde um temperamento vulcânico. É verdade, pergunto-lhe, que no pátio do seu estúdio de design ecoa frequentemente o seu insulto favorito: "Tenham tomates. Mostrem-me que têm um pouco de coragem"? "Sim, sim! Eu digo isso. É verdade", responde Armani com um sorriso. "A minha equipa tem medo de ser apanhada em falso, de ser apanhada a fazer qualquer coisa mal para o Sr. Armani, pois eu posso ser violento, sim!" Ele fecha as mãos como um pugilista prestes a dar um murro. "Não é só com os homens. Ele também diz às mulheres para mostrarem que têm tomates", acrescenta Anoushka Borghesi, a longilínea germano-italiana que é o seu braço direito, enquanto se senta no sofá em frente do seu exaltado patrão.
Violência e insultos abaixo da cintura. É um excelente começo. E há mais. Os estilistas tendem a não falar sobre a concorrência em público, mas Armani quer discutir Miuccia Prada, que é famosa pela "moda conceptual" - coleções que começam com uma ideia ou um tema, em vez de com o simples desejo de mostrar roupas interessantes adequadas à estação do ano. "A moda conceptual não nos faz ficar mais bonitos", diz ele, semicerrando os olhos de um azul gelo. "É destinada a um público que não gosta de moda. É uma moda para um nicho, muito elitista e snobe." Então, Prada é para snobes? Ele acena que sim com a cabeça.
E Gianni Versace, que criou o glamour de gastar extravagantemente na década de 1980, na mesma época em que Armani baixava o tom? Diz-se frequentemente que Armani criticava Versace em privado por "vestir vadias" enquanto ele próprio vestia senhoras. "Isso é verdade. Mas é ao contrário. Eu não o critiquei. Ele estava a falar comigo", afirma. "Estávamos em Roma e encontrámo-nos na Piazza di Spagna, para um evento de moda. Ele estava a olhar para os modelos... e disse-me: "Eu visto vadias. Você veste senhoras religiosas."" É uma frase divertida, mas que também revela uma verdade.
Depois de quatro décadas no topo - um recorde que ele comemorou em Milão, com a abertura dos Armani Silos, um novo museu com cerca de 4700 m2 dedicado ao seu trabalho - o estilista acha que não tem que provar mais nada e que não tem de responder perante mais ninguém além de si próprio. Ele está convencido de que é melhor do que qualquer outra pessoa do mundo da moda e não se importa que isso o faça parecer arrogante.
Peço-lhe para nomear um par ou uma estrela em ascensão que admire e faz-se um longo silêncio, quebrado apenas pelo crepitar dos troncos na lareira atrás dele. Finalmente decide-se por dois estilistas, ambos já falecidos, e que, portanto, não representam nenhum desafio direto. "Coco Chanel transformou o sistema da moda. Ela imaginou uma mulher mais prática. Uma mulher de vive realmente e não fica simplesmente sentada numa torre de marfim", diz. "Yves Saint Laurent adaptou a moda de homem para as mulheres. Esses dois não se limitaram a fazer roupas, eles fizeram a sociedade." Qual é a contribuição dele? "Eu uso a minha criatividade para ajudar as pessoas a viver o meu estilo - um estilo simples e elegante. O objetivo da moda é tornar a vida mais fácil e mais elegante. Caso contrário, do que se trata? É apenas um jogo. Não vale nada".
Quarenta anos depois de ter deixado o seu primeiro trabalho como vitrinista e, mais tarde, como comprador de moda masculina em La Rinascente, o maior armazém de Milão, para fundar a sua empresa com o seu então parceiro de vida, bem como de negócios, Sergio Galeotti, sente-se surpreendido por ainda estar a costurar (e a refilar) aos 80 anos? "De vez em quando tinha dúvidas de que chegasse tão longe", diz ele, torcendo os óculos de armação de arame como se fossem um kombolói. "Cada ano é uma constante tentativa e erro. Nunca se tem a certeza absoluta de que se vai ser bem-sucedido. Temos de enfrentar o desafio e continuar em frente."
Parece cansativo, especialmente para um homem que contraiu uma doença hepática rara aos 70, da qual levou anos a recuperar e que o deixou impossibilitado de comer carne ou peixe ou de desfrutar um belo copo de barolo. É exaustivo. Quando lhe pergunto qual o seu grau de felicidade numa escala de 1 a 10, ele responde: "Apenas três". Só três? "Sim, só três". Então porque não desiste e goza as suas nove casas ao redor do mundo e o seu super iate ultra moderno? Mesmo que viva mais 20 anos e chegue aos 100, não consegue provavelmente gastar a sua fortuna de oito mil milhões.
Ele tem trabalhado tanto, desde há tanto tempo, que não sabe realmente como fazer outra coisa, admite. "A minha vida está realmente ligada ao meu trabalho. Os meus amigos estão ligados ao meu trabalho. Não tenho grande vida fora do trabalho." Não fica triste por isso; Ele gosta. Usa mesmo a moda como terapia. "Quando tenho uma crise, compro sapatos." Mesmo com os preços que cobra, fica mais barato do que a terapia. A verdade é que, ser o patrão é mais importante para ele do que qualquer outra coisa. "A minha empresa é o meu império. Ninguém pode tomar o meu lugar."
Soa a narcisismo, mas tem razão
Nos últimos 20 anos, a maioria dos seus concorrentes venderam-se aos dois conglomerados franceses de produtos de luxo: à LVMH, que possui a Fendi, a Pucci e a Bulgari; e à Kering, que controla a Gucci, a Bottega Veneta e a Brioni. No entanto, ele mantém-se sozinho - o fundador, diretor executivo, estilista e único acionista de uma marca que os analistas dizem valer mais de 3 mil milhões. As 2.500 lojas e outros pontos de venda em 60 países que a sua empresa possui geram vendas superiores a 2 mil milhões por ano e 401 milhões de lucros antes dos impostos. Como é que ele fez isso? A única realização de Armani é a de retirar o medo da moda e democratizá-la. Na década de 1970, ele tornou-se no primeiro estilista a arrancar - literalmente - o enchimento da alfaiataria, introduzindo roupas mais soltas, mas mesmo assim elegantes. Ele faz vestidos compridos e calças soltos e leves mas elegantes e casacos de fazenda em cores seguras, geralmente azul-marinho, "greige" (bege acinzentado), areia e cinza claro. O seu estilo "elegante mas não muito formal, moderno mas não demasiado" criou um guarda-roupa de trabalho para uma geração de mulheres. O responsável pelos fatos calça e casaco é ele. Também fez com que os homens se sentissem à vontade com a ideia de comprar e usar moda pela primeira vez - e não apenas David Beckham. Os advogados também vestem Armani.
Para pôr os seus produtos no mercado, Armani inventou a indumentária da passadeira vermelha como a conhecemos. No início dos anos oitenta, ele foi o primeiro estilista a arrancar para Los Angeles para a semana dos Óscares e a vestir atores como Robert de Niro, Samuel L. Jackson e Michelle Pfeiffer. Em breve, quase todas as celebridades queriam vestir Armani. Ele continuou a trabalhar nos seus contactos em Hollywood para entrar nos filmes propriamente ditos, criando guarda-roupas para American Gigolo, Os Intocáveis, Tudo Bons Rapazes, Pulp Fiction e O Lobo de Wall Street.
A decisão de Armani de se concentrar no estilo clássico e prático, em vez de imitar as últimas tendências, torna-o na mais rara das criaturas da selva de moda: o estilista antiestilista. Ele permanece o mesmo, enquanto outros ziguezagueiam. "Eu tento ser coerente, consistente e tão democrático quanto possível", afirma.
Esta atitude enfurece os puristas da moda porque isso prejudica o que consideram que deve ser a moda - artística e não comercial, sempre a mudar, difícil de definir ou explicar, elitista e exclusiva. Eles depreciam o seu estilo como sendo tão estereotipado, repetitivo e maçador que a sua etiqueta não passa de uma Gap para gente rica. Ele faz uma pausa quando lhe recordo a chacota e admite: "Chato? Algumas pessoas dizem que é e provavelmente com razão. Quando vejo algumas coleções, até eu reconheço isso. Mas a guerra dura não é com os críticos, é com os meus clientes. Eles querem esse Armani". E, por ele, está tudo bem. "Eu desenho para o público, não para a indústria da moda".
Exclusivo The Sunday Times/DN