Gestor acusado de desviar 1,4 milhões destinados à reciclagem de papel

Ministério Público acusa administrador de empresa de ter obtido subsídio para compra de maquinaria que já estava na sua posse
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O antigo administrador da Reficel e baterista do grupo musical Jafumega, Álvaro Marques, é acusado pelo Ministério Público (MP) de três crimes de burla qualificada, um crime de insolvência dolosa e outro de fraude na obtenção de subsídio agravado. Este último por alegadamente ter desviado mais de 1,4 milhões de euros de subsídios comunitários destinados a uma fábrica de reciclagem de papel. O julgamento esteve agendado para novembro, mas foi adiado para abril de 2014.

Tudo começou quando uma fábrica em Albergaria-a-Velha, a Companhia Celulose do Caima S.A., fechou as suas portas em 1993. Por essa altura, Álvaro Marques decidiu abrir um novo negócio naquelas instalações, com o objetivo de aproveitar os equipamentos existentes para produção de celulose e pasta de papel a partir da reciclagem de papéis velhos.

A partir daqui Álvaro Marques conseguiu convencer um conjunto de investidores (que conhecia da sua carreira de engenheiro eletrónico, tendo passado pela Siemens) e fundou a empresa Reficel para esse efeito. Entretanto, entre a fase de licenciamento e várias burocracias tudo se arrastou até finais de 1998.

É nesta altura - segundo pode ler-se na acusação do MP a que o DN teve acesso - que Álvaro Marques "no âmbito de um plano por si gizado e previamente delineado, tomou ainda a decisão de (...) usando a Reficel, apropriar-se de subsídios".

De acordo com o Ministério Público, Álvaro Marques, conluiado com outros dois arguidos acusados no processo, acabou por conseguir subsídios do IAPMEI no valor de 1 435 678,23euro euros, através de um "estratagema assente em correspondência comercial e faturação falsa".

O apoio foi pedido por Álvaro Marques ao IAPMEI para comprar equipamentos já na posse da empresa, contando o esquema com uma sociedade espanhola, a Mark-ein, que não tinha atividade desde 1996. Os arguidos Genaro Gutierrez e Manuel Sagues terão ajudado Álvaro a simular uma "operação fictícia de compra de equipamentos já existentes".

Mais estranho ainda é que a Markein teria vendido uma máquina de grande porte, um "lavador plano", quando a empresa tinha como objeto a "fabricação, compra e venda, comercialização, importação, exportação e distribuição de material escolar".

Com base num esquema que incluía este e outros estratagemas, o MP concluiu que "Álvaro Marques obteve para a Reficel pro-veitos económicos indevidos no montante global de 1 435 678,23euro, à custa do correspondente prejuízo patrimonial do Estado".

Dentro deste valor, o MP revela que Álvaro Marques "beneficiou pelo menos do montante de 378, 2 mil euros".

Todo este desvio de dinheiro não impediu a Reficel de abrir as portas no início de 2001. No entanto, em agosto desse ano a fábrica já nem tinha dinheiro para pagar salários e acabou por paralisar totalmente em outubro.

O MP responsabiliza Álvaro Marques pela falência da empresa que viria a acontecer porque este "não autorizou a realização de despesas necessárias para investimentos relativos ao objeto industrial inicialmente projetado".

Álvaro Marques terá também agido fora da lei no processo de falência da empresa, sendo acusado de insolvência dolosa. Diz o despacho de acusação que "desde pelo menos 1998, Álvaro Marques conhecedor da situação de falência técnica da Reficel, se apercebeu de que não lograria fazê-la reverter e que (...) a empresa estava na iminência de por um qualquer dos credores ver pedida a declaração de insolvência". Em função desta situação, complementa o MP, "decidiu Álvaro Marques, para seu benefício pessoal, canalizar o máximo de disponibilidades monetárias da sociedade, seja por mecanismos mais invíos (...) seja por crédito da sua conta de suprimentos de todos os pagamentos que fossem feitos à sociedade, assim prejudicando intencionalmente todos os credores."

No âmbito do processo de insolvência houve ainda outros atos de gestão duvidosa, que terão sido lucrativos para sucateiras. Desde logo porque o equipamento industrial - avaliado por um consultor em 5,4 milhões de euros, valor que o DN confirmou com um antigo colaborador da Reficel - acabou por ser vendido em leilão por apenas 457 mil euros.

Os denunciantes queixam-se ainda de durante os primeiros anos deste processo (que se arrasta há quase uma década), Álvaro Marques ter beneficiado de apoio judiciário. Algo que só terminou após várias queixas endereçadas à Segurança Social. Entre os denunciantes do processo estão o IAPMEI e o antigo presidente do conselho geral da empresa, Karl Hellmut Jaensch, bem como outros credores da falida Reficel.

Em maio deste ano os Jafumega juntaram-se para um concerto sob o mote "30 anos depois". Ao verem a cara de Álvaro Marques nos cartazes, os credores informaram a comissão de administração de insolvência. A ideia era tentar recuperar algum do dinheiro, caso Álvaro Marques retirasse lucros do concerto, que se realizou no Coliseu do Porto. O DN tentou, sem êxito, contactar Álvaro Marques.

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