Geringonça. Acordo escrito já só pode ser entre o PS e o Bloco
Como se esperava: António Costa foi indigitado pelo Presidente da República para formar o 22.º Governo Constitucional. Ao longo do dia, Marcelo Rebelo de Sousa foi recebendo em Belém delegações dos dez partidos com assento parlamentar - começando pelo Livre (às 11.30) e acabando no PS (20.00).
Depois, como já estava previsto, o primeiro-ministro e líder do PS foi chamado a Belém e o Presidente convidou-o formalmente a formar governo. No comunicado no qual o anunciou, o PR usou a fórmula constitucional: "Ouvidos [...] os partidos agora representados na nova Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais."
Marcelo quer, como já se sabe, que António Costa, nas audiências que terá de fazer tendo em vista o próximo Conselho Europeu do Brexit (dias 17 e 18, em Bruxelas), já oiça os partidos da nova composição parlamentar, acrescentando assim ao PSD, BE, PCP, BE, PEV e PAN também o Chega, o Livre e a IL (Iniciativa Liberal).
Entretanto, vão começar as negociações do PS tendo em vista uma nova "geringonça", com o Livre, o PEV, o PAN, o PCP e o Bloco. Mas, à medida que foram saindo das audiências com o PR, os partidos à esquerda do PS foram esclarecendo as respetivas posições.
E desses esclarecimentos foi ficando claro que nem o Livre, nem o PAN nem o PEV estão dispostos a acordos permanentes com o PS na perspetiva da legislatura. E nem o PCP.
Tal como já tinha afirmado na noite eleitoral, Jerónimo de Sousa reiterou, depois do encontro com o PR, que o PCP não está desta vez disponível para acordos escritos. "Não há necessidade de outro posicionamento ou de qualquer papel, não tem sentido, tendo em conta esta realidade e esta posição do próprio Presidente da República" (Marcelo não exige acordos escritos à esquerda).
Assim, o PCP irá analisando tudo "caso a caso", sem se comprometer com nenhum voto a favor do que quer que seja, começando por Orçamentos do Estado (de cuja aprovação depende a continuidade do governo). "Cada iniciativa tem um valor em si mesmo, negativo ou positivo", e o PCP decidirá "caso a caso", como já fez anteriormente, "mesmo em relação ao Orçamento do Estado".
Assim, só se perspetiva para o PS a possibilidade de um acordo escrito, "com o horizonte da legislatura", com o Bloco de Esquerda. Catarina Martins assumiu-o, também após a audiência em Belém. Mas o Bloco volta a exigir, nesse caso, que as suas principais reivindicações sejam "plasmadas" no Programa de Governo que António Costa terá de apresentar no Parlamento, explicando porquê.
"O Programa do Governo nos últimos quatro anos não foi igual, como sabem, ao programa do PS. Foi um Programa do Governo que foi logo ao Parlamento com os contributos dados por outras forças políticas, nomeadamente o BE, o PCP, e por isso mesmo houve um acordo com esse horizonte de legislatura", disse, sublinhando que esse foi o dado essencial que explicou a estabilidade da legislatura.
Se tal não for possível, acrescentou a líder bloquista, então o BE irá, como o PCP, decidindo caso a caso: "O PS tem legitimidade para um governo minoritário que negoceie depois Orçamento a Orçamento, caso a caso."
As negociações PS-Bloco começarão hoje e, para já, o Bloco está essencialmente preocupado em definir uma metodologia para as conversações. O que ontem ficou claro é que os bloquistas não se importam nada com o facto de o PCP se ter posto de fora de uma "geringonça" escrita. Pelo meio, Catarina Martins vai expondo as exigências bloquistas, que se relacionam essencialmente em duas áreas: trabalho (mais aumentos do salário mínimo, por exemplo, ou aumento das indemnizações por cessação dos contratos de trabalho) e investimento público (no SNS, na habitação, nos transportes).
Seja como for, António Costa quer aparentar que não põe as fichas todas na necessidade de um acordo escrito que confira estabilidade à governação. "Não é essencial", disse Costa, depois da audiência em Belém em que o Presidente da República o indigitou para formar governo.
Ao mesmo tempo, sabe que tem portas abertas no PSD para negociar o que Rui Rio qualifica de "reformas estruturais" (na Justiça, na Segurança Social ou de reforma do sistema político) -, mas não é claro, por ora, se isso pode implicar dos sociais-democratas a viabilização de Orçamentos do Estado.
A liderança de Rui Rio, essa, está definitivamente posta em causa internamente - e nem o próprio diz se tenciona manter-se à frente do partido ou não.
Luís Montenegro dará nesta quarta-feira uma entrevista à SIC em que comentará, pela primeira vez publicamente, os resultados do PSD (77 deputados eleitos, 27,9% dos votos).
Já o eurodeputado Paulo Rangel estará a ser pressionado para avançar caso Rio decida deixar a liderança.
No CDS-PP, João Almeida - reeleito no domingo deputado por Aveiro - assume que está a ponderar uma candidatura. Filipe Lobo d'Ávila, da oposição interna a Assunção Cristas, também já disse que tenciona candidatar-se. Está em preparação um congresso extraordinário - mas ainda não tem data.