"Génio", "inteligência rebelde", "criadora" de uma "tela da humanidade" - reações à morte de Agustina
O Presidente da República lamentou esta segunda-feira a morte da escritora Agustina Bessa-Luís, reconhecendo o seu génio, a sua criação e expressando as mais sentidas condolências aos seus familiares.
Numa nota publicada do sítio da Presidência da República, na Internet, Marcelo Rebelo de Sousa salientou que "há personalidades que nenhumas palavras podem descrever no que foram e no que significaram para todos nós", referindo-se à escritora, que morreu hoje, aos 96 anos. Para Marcelo, Agustina Bessa-Luís evidenciou-se "como criadora, como cidadã, como retrato da força telúrica de um povo e da profunda ligação" entre as raízes dos portugueses e "os tempos presentes e vindouros". Na nota, o Presidente "curva-se perante o seu génio".
O primeiro-ministro considerou que Portugal perdeu esta segunda-feira uma das suas mais notáveis escritoras contemporâneas, salientando que a obra de Agustina Bessa-Luís constitui "uma imensa tela sobre a condição humana". Numa nota de pesar publicada na rede social "Twitter", António Costa apresenta as suas sentidas condolências à família e amigos da escritora. "Portugal perdeu uma das suas mais notáveis escritoras contemporâneas. Como toda a grande literatura, a obra de Agustina Bessa-Luís é uma imensa tela sobre a condição humana, sobre o que temos de mais misterioso e profundo. Sentidas condolências à família e amigos", escreveu o primeiro-ministro.
A ministra da Cultura, Graça Fonseca, considera que Agustina "ocupa um lugar sem par na narrativa portuguesa contemporânea, sempre preocupada com a condição social e cultural em Portugal". Em nota de imprensa, Graça Fonseca afirma que a autora de "A Sibila" é uma das "grandes romancistas e mestre de um dos mais originais processos criativos da ficção portuguesa".
"Autora de uma obra tantas vezes virada para o passado mas sempre contemporânea, sempre presente", Agustina Bessa-Luís inaugurou "um novo espaço ficcional, à imagem de outras grandes mulheres e que, em conjunto com ela, revolucionaram radicalmente a prosa em português, como Maria Velho da Costa ou Maria Gabriel Llansol", afirmou a ministra da Cultura.
"Com uma dedicação inabalável e intransigente à criação literária, o legado de Agustina é vasto, composto por personagens, visões da história, lugares e, acima de tudo, um percurso pessoal e autoral únicos e exemplares", sublinhou Graça Fonseca.
A líder do CDS, Assunção Cristas, lembrou da escritora Agustina Bessa-Luís, a "inteligência rebelde" e "poder feminino num mundo de homens", no dia em que morreu aos 96 anos. Numa mensagem divulgada aos jornalistas, Cristas afirmou que a "obra de Agustina Bessa-Luís é tão preciosa, inacabada e desconcertante como a vida". "A sua morte, hoje aos 96 anos, é altura para reconhecermos o milagre improvável de termos tido, em Portugal, quem nos escrevesse", lê-se na mensagem de Assunção Cristas, que transmite as suas condolências à família.
Para a líder centrista, "Agustina ficará, como poucos dos grandes, um nome próprio, como coisa própria dela: a inteligência rebelde, o poder feminino num mundo de homens, a ironia nos diálogos, a insolência da vaidade, a descrição atenta e o fundamental das pequenas coisas". Os centristas relembram, "em reconhecimento, uma vida tão original, que nunca aceitou nem se submeteu aos cânones nem a destinos traçados, escreveu e interveio em causas públicas num permanente exercido de liberdade e independência".
A escritora Agustina Bessa Luís deixa, para a também escritora Lídia Jorge, "do ponto de vista da ficção, uma das obras mais importantes do século XX". "Agustina Bessa-Luís deixa, do ponto de vista da ficção, uma das obras mais importantes do século XX, e, como escritora, sem dúvida alguma, a mais importante", afirmou hoje Lídia Jorge, em declarações à Lusa.
Lídia Jorge classifica a obra de Agustina Bessa-Luís como "absolutamente extraordinária, multifacetada e que toca praticamente todos os géneros", salientando que "onde ela brilha com fulgor único é na ficção". "Para ela, a análise dos comportamentos é o fundamental, e ela faz uma análise dos comportamentos nos romances que publicou, que são tantos, de um ponto de vista de uma espécie de exigência das suas personagens, que [estas] se movam na direção da ação", disse.
Lembrando que Agustina Bessa-Luís "sempre se assumiu não como uma feminista", Lídia Jorge destaca que a escritora "coloca-se na perspetiva das mulheres de uma forma única, defendendo essa perspetiva, mas não defende as mulheres como vítimas". "Ela defende as mulheres como vencedoras, como lutadoras, como figuras de ação. Muita gente diz que a escrita dela é viril, mas não é viril, é forte, é voluntariosa, é diferente, é uma escrita em que as figuras femininas são voluntariosas, como ela própria era", considerou.
Para Lídia Jorge, a literatura de Agustina Bessa-Luís "é o prolongamento daquilo que ela era como mulher, como figura pública, como amiga, como pessoa". "Era uma mulher de ação, ela tinha uma ação dentro dela, ela queria transformar as coisas e queria dar notícia dessa transformação, e toda a escrita dela é nesse sentido, no sentido de reclamar uma espécie de progresso que ela não define quais são os limites, mas é uma espécie de marcha, ela entende a marcha da humanidade", afirmou.
Lídia Jorge considerou que Agustina Bessa-Luís "fez isso com um vigor criativo e com um domínio da língua portuguesa que só se encontra nos escritores do século XIX, como Camilo [Castelo Branco]". "Ela manteve-se nessa senda de buscar o português mais puro, o português múltiplo, vernáculo, tradicional, juntando o português moderno. Basta dizer que ela utilizou no texto que escreveu para o cinema, o 'Party' ela utilizou a palavra party [festa, em português]. Ela utilizava neologismos e estrangeirismos com todo o à vontade, como mulher moderna que foi", recordou.
Lídia Jorge defendeu ainda que "essa síntese que Agustina Bessa-Luís foi capaz de fazer, e a interpretação que faz, do mundo atual, do pós-modernismo, está patente de uma maneira absolutamente extraordinária no último livro que escreveu, 'A Ronda da Noite'".
O escritor Mário de Carvalho classificou Agustina Bessa-Luís como uma "escritora extraordinária" e "uma das grandes" do século XX, a quem já só falta superar um desafio, o da imortalidade. "Agustina Bessa-Luís é uma escritora absolutamente extraordinária, uma das grandes escritoras, sem dúvida, do século XX", considerou Mário de Carvalho, em declarações à Lusa.
O escritor destacou que a autora de "A Sibila" "ganhou o reconhecimento praticamente unânime de todos os seus confrades, porque, no meio literário, havia um consenso generalizado sobre a grande qualidade literária de Agustina Bessa-Luís. Na opinião de Mário de Carvalho, a escritora, autora de uma extensa bibliografia, que inclui, além de romance, teatro, contos infantis, ensaios e biografias, conseguiu em vida ultrapassar os desafios que se colocam a um escritor, faltando-lhe agora um último.
"Até agora, tinha conseguido superar o desafio da qualidade, o desafio do reconhecimento, pelos seus semelhantes e pelos leitores. A partir de agora, o desafio é outro: o desafio da imortalidade, e não estaremos cá para saber se ela o ganhará ou não", afirmou. No entanto, vai avançando: "Do que conheço, impressiona a torrencial imaginação da Agustina, o grande domínio e elasticidade do tratamento da língua portuguesa e, do ponto de vista pessoal, uma maneira de ser também muito própria, que causava muitas vezes a admiração dos seus confrades".
A escritora Agustina Bessa-Luís "é uma das grandes referências da cultura portuguesa contemporânea", afirmou a presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Isabel Mota. "A língua portuguesa tem na sua obra uma expressão riquíssima para a compreensão do género humano e para uma inteligente e paradoxal abordagem da vida e da sociedade", afirmou Isabel Mota, em comunicado.
A escritora Maria Teresa Horta considera que "não é possível fazer a história da literatura portuguesa, neste momento, sem passar pela obra da Agustina Bessa-Luís", que morreu hoje, aos 96 anos, no Porto. "Considero que a Agustina é dos melhores escritores - não é escritora só - da literatura contemporânea portuguesa, mas também morre uma escritora e alguém que eu conheci", afirmou Maria Teresa Horta à agência Lusa.
Pilar del Río, que preside a Fundação José Saramago, fala num sentimento de "orfandade" com a morte da escritora Agustina Bessa-Luís,, recordando palavras do Prémio Nobel da Literatura sobre a autora de "A Sibila". Pilar del Río, em declarações à Lusa, destacou que a "grande escritora" Agustina Bessa-Luís "dinamizou a Cultura de Portugal com a sua obra, com a sua personalidade, com as suas declarações, que tinha uma voz própria e uma obra esplêndida".
"Remeto-me ao que disse José Saramago sobre o que ela escreveu: que se há em Portugal um escritor que participe da natureza do génio, é Agustina Bessa-Luís", afirmou. Da obra da escritora, da qual leu vários livros, Pilar del Río partilhou que a primeira que a marcou, "que foi como um golpe", foi "A Sibila", de 1954, que lhe valeu os prémios Delfim Guimarães e Eça de Queiroz.A responsável máxima da Fundação José Saramago lembrou que, embora fosse público o estado de saúde de Agustina Bessa-Luís, "não é o mesmo saber que está ou que não está".
O escritor e professor universitário Rui Zink considerou que Agustina Bessa-Luís é "um tesouro nacional", recordando que a escritora deixa "a obra e o cheirinho do seu humor e da sua ironia". "Quando uma pessoa é tratada pelo primeiro nome como é o caso dela, - há muitos, muitos, anos -, significa que ela é um tesouro nacional", disse Rui Zink, em declarações à agência Lusa, explicando que a escritora "era chata, porque [nos] via por dentro e isso, às vezes, é um bocadinho incómodo".
De acordo com professor universitário, Agustina Bessa-Luís era uma pessoa que não precisava de acessórios para conseguir ver o detalhe. "Ela era o tipo de pessoa que não precisava de microscópio para ver mais longe, mais dentro", referiu Rui Zink, admitindo que "é mais interessante" conseguir ver mesmo a "nível do nano", e que "mais fácil as pessoas verem mais longe para fora".
Para Rui Zink, Agustina Bessa-Luís deixa "um labirinto enorme de páginas e páginas para nós irmos desbravando", lembrando que, quando era estudante e dava aulas, teve de reler "A Sibila" para ajudar a passar os alunos, sendo a escritora uma presença desde sempre para o professor universitário.
O presidente da Associação Portuguesa de Escritores (APE), considera Agustina Bessa-Luís "uma das figuras nucleares da literatura portuguesa do século XX", que deve ser recordada muito além dos seus romances e das suas obras mais conhecidas.
Para José Manuel Mendes "a Agustina foi uma das figuras nucleares da literatura portuguesa no século XX, particularmente após a publicação do romance 'A Sibilia', que marca uma linha muito pessoal, muito à revelia das correntes estéticas dominantes em Portugal e fora do nosso país", afirmou.
A sua escrita era "ao mesmo tempo embebida na história e nas tradições e na realidade portuguesa, e num percurso de descoberta das personagens que poderiam, de um ponto de vista psicológico, representar o grande drama humano em toda a sua dimensão", acrescentou, sublinhando a forma como, de livro em livro, a autora proporcionou "páginas admiráveis", cujo "grau de elaboração" advinha muito da sua "vastíssima cultura" e das suas leituras, "visando criar-lhe uma base muito pessoal de construção da escrita".
Na opinião do presidente da APE, Agustina deve ser recordada como romancista -- "sobretudo nos seus romances mais referenciados", embora confesse não estar "muito à vontade" para excluir alguns do que têm sido menos indicados, como por exemplo "Ternos Guerreiros" -, mas sem esquecer "a cronista, a ensaísta, a autora de textos dispersos, não raro fulgurantes, designadamente em crónicas de rádio, em intervenções com pequenas peças radiofónicas, e também nas diferentes circunstâncias para as quais o mundo literário a convocou".
"Uma figura maior que fisicamente desaparece mas que nos deixa numa perspetiva de valoração do nosso património que é simultaneamente presente e devir. Uma obra singularíssima e irrenunciável", considerou.