Gangues e criminalidade juvenil voltam a escalar. 832 detidos em 2021

Crimes cometidos por jovens entre os 12 e os 16 anos subiram 7,3% em 2021, o segundo maior aumento da década. Associado a este fenómeno a criminalidade grupal voltou também a crescer (7,7%). O Relatório Anual de Segurança Interna regista uma subida de 0,9% da criminalidade geral participada mas uma descida de 6,9% na criminalidade violenta e grave. As polícias tiveram menos gente para combater o crime, mas fizeram mais detenções.
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Dois menores foram baleados na segunda-feira ao final da tarde, um na estação de comboios de Queluz-Belas e outro no mercado de Queluz, que fica nas imediações desta estação. Segundo a PSP, os tiros tiveram origem numa guerra entre gangues. Uma das vítimas tem 15 anos, foi baleada na perna, a outra tem 17.

Percorrendo as notícias dos últimos meses, este género de situação é cada vez mais recorrente, com esfaqueamentos, disparos e muita violência envolvida. O fenómeno reflete-se nas estatísticas policiais e o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), relativo a 2021, apresentado nesta quarta-feira ao Conselho Superior de Segurança Interna (CSSI) faz eco disso mesmo.

Em contracorrente a uma ligeira subida da criminalidade geral, com um total de 301 934 participações (+0,9%) e a uma descida consistente da violenta e grave para 11 614 registos (-6,9%), a criminalidade grupal e a juvenil têm um recrudescimento mais elevado: 4 997 casos (+7,7%) e 1120 casos (+ 7,3%), respetivamente.

Na criminalidade grupal - "crimes cometidos por três ou mais suspeitos, independentemente do tipo de crime, das especificidades que possam existir no grupo, ou do nível de participação de cada interveniente" - trata-se da segunda maior subida da década (em 2019 tinha aumentado 15,9%), depois de nove anos em sentido descendente.

Na delinquência juvenil - menores entre os 12 e os 16 anos - a tendência verificada em 2021 mostra um agravamento no número de crimes violentos a envolver suspeitos dentro destas faixas etárias.

Segundo o RASI a maior incidência de criminalidade juvenil registou-se nos distritos de Lisboa, Porto, Setúbal e Faro. Foram abertos 5 753 inquéritos tutelares educativos (+9,2% que em 2020), de acordo com a Procuradoria-Geral da República.

Mais associados à delinquência juvenil estão, além dos crimes de cariz sexual (abuso sexual de crianças e pornografia de menores) com "vários casos identificados", outros crimes mais cometidos por suspeitos destas idades foram a "ofensa à integridade física voluntária simples, ameaça e coação, condução sem carta, furto em edifício comercial ou industrial".

Salienta ainda este Relatório, que integra os crimes participados a todas as polícias, que "no que respeita à criminalidade grupal, na área da Grande Lisboa, encontram-se identificados grupos de jovens com um vasto historial criminoso centrado essencialmente na prática de roubo e ofensa à integridade física grave", associados, em 2021, a cerca de 30 gangues, cujas infrações principais vão desde "dano com violência a detenção de arma proibida, homicídio, roubo e sequestro" numa "atividade sobretudo noturna".

"The 700 Gang", o "Boba 503", os "300 niggers" (além dos 200 niggers, há também os 500) e o "RBL Gang", na Amadora; o "PDS Gang", o "RDM Gang" e o "PMBrutoz", em Loures; o "RDP 6225", em Vila Franca de Xira, o "Five Kapa", de Odivelas, o "FDL 2", de Sintra, e o "AKJ" de Cascais, são alguns dos grupos de criminalidade grupal juvenil que andaram na mira da PJ.

"Estes grupos funcionam pela proximidade territorial e pelas redes sociais. Pela internet difundem o seu poder, a sua imagem, as suas façanhas criminais, ostentam os objetos dos roubos ou relatam os seus ataques. Nos fins de semanas as festas abundam e há sempre muito álcool envolvido. Em geral acabam em conflitos, há incursões de grupos nos bairros inimigos, muitas vezes envolvem ajustes de contas que podem ser tão triviais como por causa de alguma boca às namoradas ou algum comentário nas redes sociais, mas também roubos e agressões", explicou ao DN fonte policial que acompanha o fenómeno, em outubro passado, na sequência da morte por esfaqueamento de Rafael Lopes, 19 anos, no metro das Laranjeiras.

Neste contexto de criminalidade grupal, sublinha o RASI, foram detidos 832 indivíduos (dados da GNR e da PSP).

A estes devem ainda somar-se os da PJ, que não são aqui referidos, mas que só na área da Grande Lisboa, conforme o DN já noticiou, foram 153 as detenções em operações cirúrgicas nos vários bairros sensíveis, num ano em que o fenómeno se intensificou, não só pela quantidade de crimes, mas pela violência entre grupos rivais.

Segundo os dados oficiais desta polícia especializada na investigação da criminalidade violenta, só em 2021 foram abertos 380 inquéritos pela Diretoria de Lisboa e Vale do Tejo envolvendo membros destes grupos juvenis - o que quer dizer que, pelo menos, fizeram idêntico ou número superior de queixosos.

"Verifica-se, pois, uma tendência consistente para que este tipo de atuação grupal apresente uma maior expressão em grandes centros urbanos", refere o RASI.

O perfil destes grupos é traçado no relatório, tendo em conta já as informações partilhadas na "Equipa mista de prevenção criminal para a criminalidade violenta, grave e grupal", criada pelo secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, Paulo Vizeu Pinheiro, em novembro passado.

"Ao nível das características gerais existe alguma homogeneidade, idades compreendidas entre os 15 e os 25 anos, com maior incidência nas zonas urbanas sensíveis (ZUS) e subúrbios da Área Metropolitana de Lisboa. As diferentes dinâmicas no seio dos grupos diferem entre si, apresentando uma multiplicidade de fatores de lealdade ou de associação, seja através da identificação do grupo (gangue) como bairro, grupo musical (geralmente hip-hop ou drill) ou mesmo meio escolar frequentado".

Os analistas de segurança interna admitem que "é possível que esses diferentes fatores, de lealdade ou associação, tenham impacto nas relações de conflitualidade entre os grupos, sendo possível identificar rivalidades que nasceram por questões históricas entre bairros, com influência nas relações entre grupos".

Na análise feita no RASI, destaca-se "a preponderância da subcultura hip-hop como uma das principais formas de expressão de grande parte destes jovens, nomeadamente, através da gravação e edição de videoclips, com roupas e cartazes alusivos ao respetivo gangue ou bairro".

É ainda assinalada a "grande influência das redes sociais na replicação desta subcultura, já que as designações dos grupos - comunicadas e agregadas através de hashtags - são replicadas pelos membros e seguidores, potenciando a subsequente mediatização em órgãos de comunicação social".

Outro fenómeno que foi observado "é a criação de subgrupos, muitas vezes pelas camadas mais jovens do mesmo bairro. Seguem o ideal proposto pelos mais velhos e replicam o modus vivendi destes, também ao nível do hip-hop".

Indica o RASI que também a PSP tem "identificados e processados 12 grupos, havendo um total de 255 indivíduos identificados".

Os principais locais de expressão da rivalidade, "mais propícios à conflitualidade entre grupos" são, identifica este documento, "as próprias ZUS, transportes públicos, com destaque para estações intermodais e zonas de diversão noturna. Acresce a esses locais, principalmente na época balnear, as principais praias com acesso à linha ferroviária - Carcavelos e Tamariz".

No "top 10" dos crimes mais participados, que representam mais de metade da criminalidade participada (55%), apenas dois registaram descidas: no topo, a violência doméstica (22 524) com - 3,9% e em 10º na tabela, o furto em residência com arrombamento, escalamento ou chaves falsas (8420), com - 8,2% do que em 2020.

Do segundo ao nono lugar todos os crimes subiram: 22 250 furtos em veículos motorizados (+6,2%), 21 374 burlas informáticas ( + 7,7%), 18 948 ofensas à integridade física voluntária simples (+3%), 15 390 crimes de condução com taxa de álcool igual ou superior a 1,2g/l, 15 123 de outras burlas (+12,6%), 14 847 de outros danos (+ 3%), 14 784 ameaças e coação (+3,2%), 14 511 casos de condução sem cara (+ 12,5%).

O RASI assinala que a contribuir para os furtos em veículo motorizado estiveram os furtos de catalisadores, "com 6042 ocorrências em 2021, representando uma subida de mais 5 265 casos, comparativamente com o ano anterior" (sete vezes mais), e tendo "como área de maior incidência Lisboa, Setúbal, Porto, Faro e Santarém.

Nas participações registadas por distrito, destaca-se as maiores subidas em Beja, Viana do Castelo e na região Autónomo dos Açores.

As descidas mais significativas registaram-se em Portalegre, no Porto e na Região Autónoma da Madeira (ver tabela). Lisboa, o distrito com a maior concentração populacional e por isso também de criminalidade (72 183), registou um aumento de 3,1%.

Na criminalidade violenta em grave, em 2021 destaca-se o aumento dos casos de violação (397), com um dos maiores aumentos (+26%).

Segundo o RASI os arguidos são maioritariamente homens com idades entre os 21 e os 30 anos e as vítimas maioritariamente mulheres no mesmo intervalo etário. Prevalece o o contexto de relação / conhecimento entre o autor e a vítima em 46% dos casos.

Entre os maiores recrudescimentos de salientar ainda os crimes de extorsão (+19,5%), outros roubos (+15%), roubos de viaturas (+14,2%) e as ofensas à integridade física voluntária grave (+9,2%).

Em sentido contrário, os roubos na via pública por esticão (-20,9%) e os sem ser por esticão (-8,3%), os roubos a postos de abastecimento de combustível (- 26,3%), os roubos a residência (- 22,5%) e os raptos, sequestros e tomadas de reféns (-9,8%).

A criminalidade em 2021 teve, apesar da pandemia, um combate apertado das forças e serviços de segurança, com um maior número de detenções (+15,1%), mais arguidos (+5,7%) e mais buscas realizadas (+8,5%).

Ainda assim, este trabalho foi realizado com menos polícias do que no ano de 2020. Eram 44 969 (GNR, PSP, PJ e Polícia Marítima) e ficaram com menos 402 (-0,9%), como o saldo de entradas e saídas negativo.

Foram apenas admitidos 1033 novos polícias e deixaram as forças 1452.

A GNR, com 21 845 militares, viu sair 664 e entrar apenas 258 em 2021.

A PSP, apesar de ter tido mais entradas (774) do que saídas (602) não conseguiu ultrapassar a fasquia dos 20 mil efetivos (19 997).

A PJ viu mais um ano o seu registo de entradas reduzido a zero (tal como em 2020), com 59 saídas no ano passado (45 em 2020). Em 2019 entraram 159 e saíram 45 (1337) mas foi o ano em que pela primeira vez na sua história o numero de inspetores caiu para menos de 1000 (969).

Este ano, entretanto, já foram admitidos 101 novos inspetores estagiários e está a decorrer um curso para mais uma centena.

No SEF, com o processo de reestruturação / extinção a decorrer, não foram admitidos novos inspetores e saíram 94, tendo chegado ao final do ano com um total de 990.

A Polícia Marítima foi reforçada com um único agente, ficando com um total de 502 elementos.

Na análise às ameaças à segurança interna feita pelo Serviço de Informações de Segurança (SIS) é salientada a "continuidade de vários focos de operações cibernéticas ofensivas contra alvos nacionais, com origem num leque alargado de agentes de ameaça".

Destacam quatro "focos de insegurança": a ciberespionagem contra alvos portugueses "a fim de exfiltrar informação classificada, sensível e privilegiada", tida como "ameaça persistente e com possibilidade de desenvolvimento"; a desinformação digital, com "dinâmicas de desinformação e de dissidência política e social"; o cibercrime, com "uma crescente profissionalização transnacional altamente organizada e empenhada em atividades extorsionistas ou de fraude digital que incluíram o ciberespaço português entre a sua superfície de ataque"; e o hacktivismo, cujos agentes "asseguraram, no decurso de 2021, a execução de ataques destrutivos e mediáticos contra alvos institucionais".

Segundo o SIS, apesar de a ameaça islamita não ter sofrido alterações, "a conjuntura da crise pandémica impulsionou um consumo intensivo de propaganda jihadista, mais notada entre as camadas jovens", incluindo em Portugal, "tendo sido sinalizados casos de jovens que, durante o período de confinamento, desenvolveram rápidos processos de radicalização online, através de propaganda jihadista e do alargamento da sua rede de contactos internacionais, realizado nas plataformas de comunicação / serviços e redes sociais".

As secretas registam que a extrema-direita, apesar das limitações resultantes da pandemia, "manteve a estratégia de exploração da conjuntura pandémica online, tendo disseminado propaganda, desinformação e teorias da conspiração, aproximando-se do universo dos movimentos negacionistas, com o intuito de empolar uma narrativa antissistema na sociedade civil".

Segundo o SIS, "as organizações dos diferentes setores da extrema-direita retomaram, quando possível, as suas atividades de celebrações e protestos, tendo evidenciado, contudo, fraca capacidade de mobilização".

Quanto à extrema-esquerda, em que o SIS incluiu o movimento autónomo (marxista anti-capitalista) e o movimento anarquista, é assinalado que estes militantes se envolveram "em lutas que não são exclusivas dos extremistas, como as lutas antifascistas e ambientalista, verificando-se, em casos pontuais, tentativas de radicalização das mesmas".

O SIS verificou ainda que os anarquistas retomaram contactos internacionais e "momentos de doutrinação" que, no entender destes analistas, são "reveladores do alinhamento ideológico de alguns militantes com a corrente do anarquismo insurrecional, a expressão mais violenta deste setor, e com outros projetos revolucionários internacionais".

Quanto aos "movimentos negacionistas da pandemia e outros que rejeitam as medidas implementadas para a combater (lock-down, vacinação, etc.) - independentemente da maior ou menor influência narrativa da extrema direita - radicalizaram o seu discurso e ação, alargaram o escopo da sua luta, com base em teorias da conspiração e procuraram parceiros internacionais, passando de movimentos sociais de protesto a movimentos antissistema".

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