G7 ou Gquantos contra a China?

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Quando surgiu, há meio século, o G7 era assumidamente um grupo de países capitalistas, os mais ricos de entre estes: na hierarquia das economias, EUA eram o número um, Japão o número três e Alemanha Ocidental o número quatro. Depois vinham França, Reino Unido, Itália e Canadá. O segundo maior PIB naquela época pertencia à URSS, mas em tempos de Guerra Fria o G7 dava clara precedência à ideologia sobre os números. Aliás, a prova final do critério político por trás do G7 foi o seu alargamento a G8 em 1997, com a admissão da Rússia pós-comunista, entendida como parceiro mesmo já sem estar entre as maiores economias.

Atualmente, o G7, assim renomeado depois da expulsão da Rússia em 2014 por retaliação à anexação da Crimeia, assume sem constrangimento a sua vocação ideológica original, e por coincidência quase coerente com os números. Acreditando nas estatísticas do FMI para 2020, o bizarro primeiro ano da pandemia, os seus sete membros correspondem a sete das nove maiores economias. EUA, tal como há 50 anos, dominam, e Japão e Alemanha (reunificada) são a terceira e a quarta, as mesmíssimas posições também da fundação.

O grande ausente hoje é a China, segundo maior PIB, tal qual a URSS foi em tempos, mas numa trajetória de ascensão e não de queda e com uma ligação aos mercados muito diferente. Existe um segundo ausente teórico, a Índia, com o sexto maior PIB em 2020, o que significa que Itália e Canadá, os mais pobres do G7, ocupam o oitavo e o nono lugares na hierarquia das economias.

Reunidos no Reino Unido, os líderes do G7 (a que se juntou logo a dupla Ursula von der Leyen e Charles Michel pela UE) vão debater muitos temas até domingo, das vacinas contra a covid-19 às alterações climáticas, mas é evidente que desde a eleição de Joe Biden a organização tenderá a transformar-se "num dique contra o expansionismo chinês", nas sábias palavras de Victor Ângelo, antigo secretário-geral adjunto da ONU, na edição de ontem do DN.
O novo presidente americano partilha da preocupação de Donald Trump com a China, mas ao contrário do antecessor prefere recorrer às alianças tradicionais, e até expandi-las, do que avançar para um embate a solo.

Daí que seja imaginável um G7 que, oficialmente ou não, venha a integrar outros aliados tradicionais dos EUA, como a Coreia do Sul e a Austrália. E ainda um aliado potencial, a Índia. Além da África do Sul, convidada a estar presente na reunião na Cornualha, mas cujo eventual estatuto é mais difícil de discernir.

A complicar os planos dos EUA na construção de uma frente ampla antichinesa estão, porém, várias situações: os europeus (e isto quer dizer tanto a União Europeia como o grosso do campo europeu da NATO) insistem em identificar a Rússia como a grande ameaça; a Índia, que apesar da tradição democrática passou a Guerra Fria mais próxima da URSS do que do Ocidente, mantém um perfil muito nacionalista e além disso não está ainda em condições de ser um verdadeiro contrapoder na Ásia à China; a própria Coreia do Sul, de forma diferente apesar de tudo da África do Sul, hesitará sempre em alinhar numa política de confrontação com a China. Sim, a Austrália deverá estar sólida com os EUA

Veremos então o que sairá destes encontros, em que o britânico Boris Johnson surge como anfitrião mas o americano Biden é o verdadeiro mestre-de-cerimónias. Para já, há vários países que Biden parece ter esquecido na construção do seu G7 alargado e um deles é obviamente o Brasil. Um Brasil, sublinhe-se, que na Segunda Guerra Mundial enviou tropas para a Europa, um Brasil que fosse em ditadura ou em democracia nunca deixou de fazer parte do campo ocidental. Além disso, já que o G7 começa por ter o PIB como justificação, o Brasil hoje até pode estar de fora das dez maiores economias, mas já esteve como a sexta e com naturalidade lá voltará a estar.

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