Fundos europeus para o mar são uma gota num oceano de investimento público
Visão, desafios e parceiros com conhecimento e capacidade - técnica e financeira - para avançar as reformas e iniciativas de que a economia do mar precisa para cumprir o seu desígnio. É o que pedem os empresários e industriais do setor, depois do anúncio do governo, há uma semana, de que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) reservava 252 milhões para as indústrias do mar.
"É um primeiro passo", diz ao DN o presidente do Conselho Estratégico para Economia do Mar da CIP, considerando que fica muito aquém do desejável, quer pelo valor quer pela sua atribuição, quase exclusivamente dedicada a investimento público, nomeadamente institutos e um barco de pesquisa. "Para a economia real, ficam 20 milhões, o que é manifestamente muito pouco", lamenta Manuel Tarré, garantindo que não faltam projetos ou prioridades. "Há uma carência crónica e considerável nesta área em que o próprio Presidente da República vê o futuro do país" e que volta a passar ao lado de uma oportunidade para modernizar-se e concretizar-se na sua plenitude.
"As indústrias do mar querem investir em Portugal 5 mil milhões até 2030 em setores que vão dos portos e da construção naval à pesca e à transformação do pescado, da biotecnologia azul ao turismo e à economia do ambiente", justifica Tarré, apontando a importância de metade desses fundos virem da Europa, para verdadeiramente relançar um setor com imenso potencial em Portugal.
O responsável da CIP aponta, à falta de fundos do PRR, outros caminhos para angariar esse financiamento europeu, como parte dos 11,2 mil milhões de euros do Portugal 2020 que ainda falta executar ou dos 33,6 mil milhões de subvenções do Quadro Financeiro Europeu 2021- 2027 que caberão a Portugal. Essas verbas poderiam ser um ponto de partida para os investimentos previstos para o setor portuário "e para implantar a indústria 4.0 em toda a fileira produtiva do mar", defende o presidente do Conselho Estratégico para Economia do Mar.
Depois de cinco anos a crescer acima do PIB e (2012-2017), as indústrias do mar entraram em desaceleração em Portugal - bem antes da pandemia - por falta de investimento público, justifica Tarré. Se agora o governo dá um sinal de que percebe a centralidade do setor do mar para a mudança do modelo de desenvolvimento do país, o responsável da CIP considera que os governantes não podem deixar os investidores e os empresários sozinhos no seu trabalho.
"Sendo a fileira do mar uma das mais exportadoras do país, movimentando 6 mil milhões de euros por ano correspondentes a 3% do PIB, 2,5 mil milhões em dez anos - 4% do total de verbas que a União Europeia irá colocar ao dispor de Portugal - são uma alavanca indispensável para promover o desenvolvimento do país e a mudança do seu modelo económico", afirma Manuel Tarré.
Da indústria transformadora aos portos comerciais e de recreio, passando pela requalificação das embarcações da marinha de comércio portuguesa e da frota pesqueira, que está particularmente envelhecida - o que levanta problemas até num dos pilares europeus com os quais Portugal está comprometido, a descarbonização da economia, aqui no que se prende com os combustíveis dos barcos mas também a sua eficácia pela digitalização e robotização, essenciais até para aumentar a competitividade desta indústria no mercado mundial -, os desafios são muitos. E os projetos para endereçá-los existem e estão estruturados.
Há porém uma falta flagrante de apoios europeus, fundamentais para garantir o arranque, bem como assegurar a formação adaptada a essas novas realidades das mais de 190 mil pessoas que trabalham no setor da economia do mar, dos pescadores aos quadros do turismo costeiro.
Manuel Tarré chama ainda a atenção para as oportunidades geradas pelo "GreenShipping , capazes de gerar impactos muitos positivos na construção naval, nos portos e no transporte marítimo" em Portugal. E lembra que o futuro sustentável do mar depende do sucesso da revolução tecnológica em curso. "A revolução tecnológica pode ajudar na construção e adaptação de navios que ajudem no processo de descarbonização da economia. Também a aposta na indústria 4.0 no setor do mar é vital para as empresas, quer ao nível da automação quer ao nível da transição digital dos processos", vinca o presidente do Conselho Estratégico para Economia do Mar da CIP.
"Estes vários elementos são essenciais para reindustrializar Portugal a partir do potencial imenso dos seus recursos marítimos", conclui Manuel Tarré, sublinhando o peso das indústrias do mar portuguesas, que são todas exportadoras e cujo valor de exportações "é superior ao do vinho, apesar de muitos ainda não terem disso conhecimento".