Francisco, o peregrino que junta todos à mesma mesa
À chegada a Fátima, os sinos da basílica vão repicar até o Papa Francisco entrar na imensa esplanada do santuário, enquanto se ouve o cântico Tu És Pedro - é o acolhimento ao bispo de Roma, que chega como peregrino, numa afirmação que sublinha o carácter privado desta visita (que não é oficial ou de Estado). Também aponta para uma dimensão de ser mais um entre todos os milhares que hoje e amanhã se juntam no santuário mariano para celebrar os 100 anos de Fátima e a canonização dos videntes Jacinta e Francisco Marto.
O mote para esta viagem do Papa Francisco é "Com Maria, peregrino na esperança e na paz". Logo na sua primeira visita à Capelinha das Aparições, ao final da tarde de hoje, Jorge Bergoglio fará uma oração, dirigindo-se à Senhora de Fátima, em que se apresenta como "peregrino da Paz", para neste lugar pedir "a concórdia entre todos os povos"; e como "peregrino da Esperança", querendo-se "profeta e mensageiro", "para a todos lavar os pés, na mesma mesa que nos une". A imagem bíblica remete para uma ideia simples: Francisco não olha a quem e todos são diferentes e iguais na larga mesa da humanidade.
É esta a ponte para a paz e para os direitos humanos que percorre o discurso do bispo de Roma, que se encontra também, com diferentes contextos, em cada uma das visitas anteriores dos seus predecessores: Paulo VI em 1967, João Paulo II, por três vezes (1982, 1991 e 2000), e Bento XVI em 2010. A paz é a melhor mensagem que pode definir Fátima.
Em 1967, com a Guerra Colonial a matar muitos portugueses e africanos, Paulo VI não teve receio em dizer ao que vinha, ao invocar Maria como exemplo "a favor da paz da Igreja e do mundo". Como Francisco sublinhou ontem, numa curta mensagem que fez publicar no Twitter, ao sublinhar que chega hoje a Fátima para "com Maria" olhar "para ela: tudo é dom de Deus, nossa força". Na sua oração, o Papa Bergoglio convocará os católicos para alcançarem a paz - só assim podem "viver em Deus". Ou como antes fez Paulo VI ao invocar a "rainha da paz", pedindo-lhe essa paz, "dom que só Deus pode dar", num "mundo em perigo" como aquele que se vivia.
Marcelo no "lava-pés"
Os milhares que hoje estarão em Fátima para receber o Papa terão de aguentar as anunciadas condições meteorológicas instáveis para acompanhar o peregrino que chega de Roma. À espera do avião papal na Base Aérea de Monte Real (Leiria), onde deve aterrar pelas 16.20, estarão as mais altas figuras do Estado (como sempre estiveram nas outras visitas): o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, e o primeiro-ministro, António Costa. E esta cerimónia de boas-vindas será transmitida pelos ecrãs do recinto.
De fora dos olhares ficará o encontro privado que Marcelo manterá com Francisco, retribuindo a audiência de março do ano passado, quando o então recém-eleito Presidente da República fez questão de visitar o Vaticano antes de qualquer outra capital europeia. Também Marcelo terá um programa intenso durante o dia de hoje, visitando a meio da manhã o "lava-pés" dos peregrinos.
Francisco voa de helicóptero até Fátima e será então acolhido com os sinos às 18.15. Quinze minutos depois fará a tal oração na Capelinha das Aparições, onde também cada um dos seus antecessores se recolheu em oração. Se João Paulo II manteve desde novo uma presença mariana muito forte na forma como vivia a sua fé, Bento XVI chegou a Fátima para expiar os inúmeros casos de pedofilia que têm manchado a Igreja Católica nas últimas dezenas de anos. "A maior perseguição da Igreja não vem de inimigos externos, mas nasce do pecado na Igreja", disse.
Com o terço gigante de Joana Vasconcelos colocado junto à Basílica da Santíssima Trindade a carregar a paisagem reconhecida do santuário, será rezado o rosário, ainda com a presença do Papa. Mas Francisco já não assistirá entre a multidão à procissão das velas, recolhendo à Casa de Nossa Senhora do Carmo, onde pernoita. Durante a noite, os peregrinos são convidados a ficar em vigília.